Antonio Brandão de Amorim
O Primeiro Etnólogo Amazonense
Ultimamente tenho procurado levantar as atividades de alguns brasileiros, que ainda no século XIX dedicaram-se a estudar a Amazônia e que hoje estão relegados ao esquecimento, por aqueles que preferem citar as fontes de autores estrangeiros, na realidade assessorados por eles mesmos, em suas viagens, pela região, sem se quer citá-los posteriormente. Isto aconteceu com João Martins da Silva Coutinho, militar e engenheiro ferroviário, pioneiro da Mineralogia, Paleontologia e Geologia Brasileira, que por quase cinco anos viveu nesta Província do Amazonas, onde nasceram seus dois primeiros filhos, descrevendo viagens por rios dantes nunca navegados, colhendo amostras científicas e até preconizando o plantio racional da seringueira, levado a sério pelo Índia Office inglês, chefiado por Clements Markham, entre 1857 e 1877, que o implantaria no Sudoeste Asiático, após a obtenção das famosas sementes de Wickham, por volta de 1875. Markham seria o incentivador da cultura da quina, do algodão peruano e da ipecacunha, naquela colônia asiática, além de implantar os seringais artificiais da Índia, Ceilão e Malásia.
Neste tempo, que vai de 1861 até 1865, aqui esteve Antonio Gonçalves Dias, também pertencente, como João Martins, à famosa Comissão de Exploração do Norte, jocosamente denominada de Comissão das Borboletas, a primeira destinada ao estudo científico do território nacional, não como poeta, mas dirigindo a Seção de Redação e de Etnografia, enquanto aquele pertencia à Seção de Geologia e Mineralogia.
Mais tarde, em Manaus, a partir de 1883, ao grande Barbosa Rodrigues, juntar-se-ia uma plêiade de jovens cientistas autodidatas, trazendo ao Mundo uma série de novidades científicas, abordadas em numerosas publicações, umas ainda no século XIX, outras no princípio do século XX e algumas ainda inéditas ou perdidas. E entre eles Antonio Brandão de Amorim, que neste ano de 2015, completou cento e cinquenta anos de nascimento, nesta iconoclástica cidade de Manaus, a 7 de agosto de 1865.
Lembro-me que, em 1987, na Coleção Hiléia Amazônica, do Fundo Editorial da Associação Comercial do Amazonas, do qual participei ativamente e pelo qual reeditamos uma dúzia de títulos clássicos da Historiografia Amazonense, sendo um deles o “Lendas em Nheengatu e em Português”, em edição reproduzida a partir da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Nacional, de 1926, revisada e corrigida pelo padre Casemiro Beksta e Alfredo Loureiro.
Esta data mereceria uma comemoração, pois além dele ter sido o secretário do Museu Botânico de Manaus, que possuiu uma Seção de Etnologia, também foi o primeiro amazonense a escrever sobre os indígenas de sua terra, ele mesmo um mameluco misto de mura e português, e sem dúvida o nosso primeiro etnólogo, ao escrever o livro já citado.
Logo pensei em escrever a sua biografia, mas verifiquei que todas as existentes reproduziam a de seu irmão o general Aurélio de Amorim que a ofertou, juntamente com o texto do seu livro, ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, e que transcrevemos em homenagem a esse amazonense esquecido, como tantos outros, o que também deverá ocorrer também com vários de nós aqui presentes, por sermos independentes e não vinculados a grupos e esquemas obscurantistas, que controlam o ensino e as mentes da nossa terra há mais de cem anos.
Antes de transcrever essa biografia teríamos apenas a acrescentar alguns dados a mais, encontrados no site do Município de Manaquiri, local de origem de um de seus troncos familiares de mais de 300 anos.
Quando, em 1849, o cientista inglês Alfred Russel Wallace durante dois meses esteve no Manaquiri, ele se hospedou no sítio do português Antonio José Brandão, pesquisando assuntos para o seu livro ”A Narrative of Travells on the Amazon and Negro, with a Account of the Natives Tribes and Observations on the Climate, Geology, and Natural History of Amazon Valley”. Foi no Manaquiri que ele conseguiu estabelecer uma Teoria da Evolução das Espécies bastante semelhante à de Darwin, obrigando a este último a tomar posições éticas, antes de publicar a de sua autoria. Assim esses dois cientistas conceberam a Teoria da Evolução, na América do Sul. Darwin, nas Ilhas Galápagos, e Wallace, talvez no Manaquiri.
Esse sítio do Manaquiri ficava no lago do mesmo nome, distante a uns dois ou três dias de remo de Manaus, durante muito tempo esta a medida das distâncias, na Amazônia, onde se criavam alguns animais, cultivava-se o fumo e a cana-de-açúcar, e se produzia todo tipo de frutas tropicais e regionais. Brandão era casado com a neta do chefe manau Comandri, de Mariuá, havida por uma filha desse cacique com um português da tropa ao serviço do governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado, que ali fora estabelecer a vila-sede da Capitania de São José do Rio Negro.
Darwin e Alfred Wallace – Autores da Teoria da Evolução das Espécies
Durante A Rebelião Da Cabanagem, Que Se Iniciou no Pará e se estendeu até o alto Amazonas, os índios muras vizinhos de Antônio José Brandão, atacaram a fazenda, chacinaram quase todos os empregados, mataram os animais e incendiaram a casa de moradia. Sua família não foi trucidada porque logrou esconder-se na floresta durante três dias, até conseguir chegar à Vila da Barra do Rio Negro, o nome de Manaus, naquele tempo.
Antônio José Brandão reconstruiu sua fazenda, mas não refez sua casa-grande, por desgosto. Pai de doze filhos foi sogro de Henrique Antony, casado com Leocádia Brandão Antony, de quem descende toda a família Antony, do Amazonas; e de Alexandre Paulo de Brito Amorim, português de Arcos de Valdevez, casado com Amélia Brandão de Amorim, o qual, como Vice-Cônsul, foi o primeiro representante consular do governo português, em Manaus, de 1854 a 1873, e um dos fundadores da Associação Comercial do Amazonas, em 1872, e da Companhia de Navegação do Alto Amazonas, depois adquirida, em 1875, pela The Amazon Steamship Navigation, e da primeira linha de navegação entre Manaus e Liverpool. Este foi o pai de Antônio Brandão de Amorim, tupinólogo, autor do livro Lendas em Nheengatu e em Português, publicado originalmente pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1928, e, depois, em 1987, pela Associação Comercial do Amazonas.
Alfred Russell Wallace andou pelo alto rio Negro em viagem de continuidade às suas explorações. Onde ja tinham estado membros da Expedição Schomburgk, que delimitara a Grande Guiana Britânica, avançando por terras venezuelanas e brasileiras, cujas fronteiras seguiriam pelo Orenoco, entrariam pelo Negro e subiriam o Branco e de certo trecho dele até à serra de Tumuque Umaque.
Esta tentativa velada de invasão foi que levou o Brasil a construir o forte de Cucui, ainda na década de 1850, desencadeando os Movimentos Messiânicos do Rio Negro, em que os índios passaram a aguardar o fim de seu mundo.
Entre as dezenas de desenhos da região feitos pela Expedição Schomburgk escolhemos o registrado nas cachoeiras de São Gabriel e colorido por Charles Bentley, na Inglaterra, transformado na bela aquarela abaixo.
Cachoeira e Forte de São Gabriel do Rio Negro – Aquarela de Charles Bentley – 1839
Esta expedição de Schomburgk, que da Guiana desceu o Tacutu, subiu o Uraricuera, baixou pelo Orenoco, entrou pelo Cassiquiare, avançou pelo rio Negro e depois fechou o se mapa voltando ao Tacutu pelo rio Branco, foi uma tentativa da Inglaterra de expansão inglesa, felizmente contida.
Dela nos restaram essas as maravilhosas aquarelas da viagem e entre elas esta das cachoeiras de São Gabriel com o seu Forte, no alto do barranco, feita há 178 anos.
A resposta a este périplo guianense foi a criação do forte de Cucui, mais acima, na fronteira da Venezuela, uma barreira para futuras tentativas.
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