
*Nelson Azevedo
A Zona Franca de Manaus é mais do que um arranjo fiscal: é a semente de uma economia brasileira baseada em ciência, biodiversidade e soberania. Quem a ataca com sarcasmo revela o medo de um Brasil que pode, enfim, se reinventar.
No centro do mapa, a Amazônia. No centro da Amazônia, a Zona Franca de Manaus. E, no centro dela, uma ideia poderosa e ainda não compreendida: é possível industrializar sem devastar. É possível gerar riqueza com floresta em pé. É possível pensar um Brasil soberano a partir do que ele tem de mais original.
O Polo Industrial de Manaus (PIM) não é um arranjo ultrapassado – como querem alguns críticos que se ancoram em planilhas frias. É, na verdade, um dos raríssimos embriões de um Brasil por vir: menos dependente de commodities sujas, mais investido em inteligência produtiva e mais conectado com as urgências climáticas e sociais do século XXI.
A floresta é infraestrutura – a mais mais estratégica
Durante séculos, a floresta foi tratada como obstáculo ao desenvolvimento. Mas a verdade é que ela é infraestrutura viva, dinâmica e insubstituível. A biodiversidade amazônica contém ativos de altíssimo valor para as indústrias de fármacos, alimentos funcionais, cosméticos, biomateriais e soluções climáticas.

E onde está a base capaz de transformar esses ativos em produtos de valor agregado? Está em Manaus, no Polo. Em suas fábricas, galpões, centros de pesquisa, na malha logística construída com dificuldade, no conhecimento técnico de seus profissionais e nos investimentos em inovação.
Sem o Polo, a floresta vira fronteira para aventureiros e saqueadores. Com ele, ela vira plataforma de desenvolvimento sustentável.
Da economia extrativista à bioeconomia estratégica
O Brasil sempre olhou a Amazônia como colônia interna. Explorou sem projeto. Ignorou os povos. Substituiu saberes por retroescavadeiras. Mas a bioeconomia verdadeira exige o contrário: respeito, ciência, rastreabilidade, infraestrutura e indústria.
Sem indústria, a bioeconomia será apenas um novo nome para o extrativismo de sempre.
A Zona Franca pode ser o motor dessa transição. Ela tem:
• Capacidade de produção já instalada;
• Conexão com universidades e institutos de pesquisa;
• Legitimidade constitucional para operar com incentivos territoriais;
• E um ambiente urbano-industrial que reduz a pressão sobre as áreas sensíveis da floresta.
Quem diz que a ZFM é “incompatível com a floresta” nunca viu uma linha de produção rodando com ISO 14000, reaproveitamento de resíduos e programas de reflorestamento integrados.
Soberania começa com quem fica
A Zona Franca impede a diáspora amazônica. Evita a migração forçada. Gera pertencimento e continuidade. E isso tem um valor que nenhuma planilha fiscal é capaz de captar: o da soberania.
Hoje, o mundo disputa terras raras, biogenética, água, alimentos, carbono. A floresta é o último cofre ainda não arrombado. E a melhor defesa contra o saque não é a repressão – é o desenvolvimento.
Manter gente, renda, tecnologia e inteligência no território é um ato geopolítico. A Zona Franca é a trincheira mais avançada da soberania brasileira na Amazônia.

foto: Gisele Alfaia
Tecnologia, saber local e inovação aplicada
A Zona Franca não é só polo industrial. É plataforma de inteligência.
Aqui estão:
• A UEA, maior universidade multicampi do Brasil;
• O INPA, referência mundial em pesquisa tropical;
• O CBA, que pode ser o coração tecnológico da bioindústria nacional;
• E dezenas de centros de P&D, startups e institutos de ciência e tecnologia (ICTs) com potencial de criar valor a partir da floresta viva.
A convergência entre saber tradicional, ciência moderna e indústria limpa é o que diferencia a Zona Franca de qualquer outro modelo produtivo do país.
E se tudo isso acabar?
O desmonte da Zona Franca não levaria à prosperidade – levaria ao vácuo. No lugar das fábricas, grilagem, narcogarimpo, desmatamento, milícia ambiental. No lugar da arrecadação, abandono. No lugar das universidades, evasão.
E quem pagaria a conta? O Brasil todo. Porque a floresta não é só nossa. Mas sua proteção, sim, é responsabilidade nacional.
O Brasil ainda não entendeu a Amazônia – ainda é tempo
A floresta não é atraso. É avanço.
A indústria da floresta não é ilusão. É solução.
E a Zona Franca de Manaus não é o problema – é o laboratório de um Brasil que pode, enfim, dar certo.
O Brasil que ainda não se reinventou precisa olhar com humildade para o que se constrói, com dificuldade, no meio da floresta.
A indústria com raízes profundas é a única capaz de gerar frutos duradouros. E a floresta pode ser o solo fértil de uma economia que respeita, inclui e transforma.
*Economista, empresário e presidente do Sindicato da Indústria Metalúrgica, Metalomecânica e de Materiais Elétricos de Manaus, Conselheiro do CIEAM e vice-presidente da FIEAM.
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