Manaus, 14 de julho de 2025

Lisboa em azulejos: uma história com cinco séculos

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Atualmente, os exemplos de azulejos que Lisboa ostenta são tantos e, de tal forma, variados, que a história da própria cidade pode ser lida em painéis de azulejos.

A história do azulejo começou no antigo Egito. Depois passou pela Mesopotâmia e espalhou-se pelo sul do Mediterrâneo. A sua introdução na Europa foi feita pelos povos oriundos do norte de África. O desenvolvimento do azulejo, enquanto arte decorativa, conheceu uma profunda evolução na Península Ibérica, onde, durante séculos, se fizeram trocas culturais e guerras entre povos islâmicos e cristãos.

A própria designação azulejo deriva da palavra azzelij, que na língua árabe serve para referir uma pequena pedra lisa e polida. Em Portugal, o termo azulejo passou a ser usado para referir uma pequena superfície cerâmica esmaltada.

A aplicação no país, de revestimentos de azulejo em espaço interiores e exteriores teve o seu ponto de viragem no século XV, quando o rei D. Manuel I decidiu decorar o palácio de Sintra a semelhança do Alcazar da cidade espanhola de Sevilha. E a vontade do rei foi tal, que o Palácio Nacional de Sintra permanece como um exemplo sem igual de azulejaria do final do século XV e princípio do século XVI. Desde então, o seu uso generalizou-se de tal forma que Portugal é, hoje, o país da Europa onde se há o maior número de revestimentos em azulejo e a arquitetura mais se estreitou.

Atualmente, os exemplos de azulejos que Lisboa ostenta são tantos e, de tal forma, variados, que a história da própria cidade pode ser lida em painéis de azulejos. E já que é da história de Lisboa que se trata, nada melhor do que começar pela conquista da cidade pelo fundador de Portugal, o rei D. Afonso Henriques.

Os azulejos da conquista de Lisboa

A conquista de Lisboa pelo primeiro rei português, em 1147, aparece relatada num painel do Mosteiro de São Vicente de Fora. A cidade, cercada por dois quilômetros de muralhas, contava então com 15 mil habitantes.

O painel, como uma fotografia, mostra o momento em que os cristãos galgam as muralhas defendidas pelos muçulmanos que viviam na cidade desde o ano de 711. As bandeiras, ostentando a lua em forma de quarto crescente, ainda estão içadas. Mas, na superfície da muralha, há já uma brecha. Mais a frente, uma das portas da cidade foi aberta. Através dela, colina acima, o invasor penetrou rapidamente. Só encontrou resistência já muito no interior da cidade.

Do outro lado do painel, a batalha já começou e os sitiados opõem-se com ferocidade aos soldados que sobem através de escadas. No chão veem-se os primeiros cadáveres. Depressa serão mais, porque há homens a serem degolados. E não são só as espadas que matam. As flechas, disparadas dos dois lados, também são mortíferas.

Igreja do antigo Mosteiro do Salvador, atual Lar Conde Agrolongo. Foto: Reprodução/Livro ‘Azulejo em Braga – o largo tempo do barroco’

A cidade anterior ao terremoto

A história de Lisboa pode ainda ser lida noutros painéis de azulejos. Alguns deles contam como era a cidade anterior ao terremoto que a devastou em 1755.

O terremoto de 1755, pela amplitude da sua destruição, marcou para sempre a vida de Lisboa. Duas das raras imagens panorâmicas da cidade anterior ao terramoto encontra-se no Museu do Azulejo e no miradouro de Santa Luzia.

No painel exposto no Museu do Azulejo entre muitos dos palácios e igrejas desaparecidos, vê-se o antigo Paço Real e a zona hoje ocupada pela Baixa e pelo Chiado. O vale central de Lisboa, nos tempos anteriores a 1755, era ocupado por ativos comerciantes de metais e de outros bens destinados as elites. A arquitetura da zona era, em tudo, semelhante aquela que ainda hoje pode ser vista em Alfama e na Mouraria.

Marcada pelo traçado árabe, a zona baixa de Lisboa retorcia-se em estreitas e desniveladas ruas. As encostadas umas as outras, tinham-se acumulado ao longo de seiscentos anos. Só a partir do século XVI, com a edificação do Paço Real na zona fronteira ao rio Tejo, a zona central de Lisboa começou a conhecer algumas alterações. Mas foi no dia 1 de novembro de 1755 que tudo, num só momento, se modificou para sempre. Nesse dia Lisboa foi abalada pelo maior desastre natural da sua história.

Tudo começou de madrugada, quando um primeiro abalo de terra se fez sentir. Durante sete minutos a terra não parou de tremer. O chão abriu-se em fendas, arrastando pessoas e casas. Os lisboetas aterrorizados viram as águas dos rios recuarem, deixando o fundo a vista. E com a mesma velocidade com que tinham desaparecido, as águas voltaram, enroladas numa onda medonha que arrastou os barcos para se estilhaçarem em terra.

E como se ainda não fosse suficiente, a terra tremeu uma segunda vez. No espaço de hora e meia, perdeu-se quase tudo. Os incêndios que se seguiram levaram os livros, os tesouros, as obras de arte e muito daquilo que as viagens marítimas tinham feito desembarcar em lisboa, desde o século XV. É dessa Lisboa desaparecida que os painéis do Museu do Azulejo e do miradouro de Santa Luzia nos dão conta. Neste último, o Paço Real destruído pelo terramoto aparece reproduzido tal como em 1750.

Ouro e azulejo

Antes do terramoto de 1755, já arte da azulejaria tinha ocupado todos os espaços que o ouro vindo do Brasil tornava magníficos. Reinava então D. João V. É neste período de apogeu do barroco que o azulejo mostra todas as suas possibilidades decorativas. Atravessa também uma evolução fundamental que o distinguiria de todos, até então feitos: a policromia é trocada pelo azul e branco. Foi durante o reinado de D. João V, um dos mais longos da história de Portugal, que se deu a Guerra da Sucessão em Espanha.

A possibilidade de ligação do único Estado com o qual Portugal tem fronteiras terrestres a potência continental daquela época, a França, obrigou D. João V a envolver-se no conflito. Daí resultou com o regresso da paz e assinatura do Tratado de Utrecht, em 1713, o reconhecimento da soberania portuguesa no Brasil. E foi do Brasil que chegaram a Lisboa, entre muitas outras riquezas, toneladas de ouro.

Desenho de uma igreja

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Igreja de Nossa Senhora do Pópulo. Foto: Reprodução/Livro ‘Azulejo em Braga – o largo tempo do barroco’

Foi também por esta altura que tanto as casas senhoriais como as igrejas, encontram no revestimento a azulejo a forma de exprimir a prosperidade então vivida em Lisboa. O azulejo associou-se a talha dourada, numa simbiose que marca a estética decorativa portuguesa do século XVII. Foi a era do ouro e do azulejo.

Ao mesmo tempo, com a reconstrução de Lisboa posterior a 1755, tornou-se necessário produzir azulejos em quantidades crescentes. Apareceram novas fábricas e novas técnicas. As grandes superfícies completamente revestidas a azulejos passaram a cobrir as fachadas e os interiores. Regressa também a policromia. A arte da azulejaria acompanha a corte do rei D. Manuel para o Palácio de Queluz.

Surgem trabalhos magníficos, como um canal, com 115 metros de comprimento, integralmente revestido com cinquenta mil azulejos. No interior do Palácio, aparecem alegorias simbolizando as quatro estações do ano. É o início de um percurso que conduziria, já no final do século XIX, aos trabalhos em azulejo do Ferreira das Tabuletas. Nesta época, Lisboa era já a cidade dos azulejos.

As alegorias de 1800

O século de 1800 assistiu a fundação de fábricas de cerâmica, cujos trabalhos se tornaram famosos. Uma delas, a fábrica Viúva Lamego, ainda está em funcionamento.

Da azulejaria decorativa do século XIX, Lisboa guarda os trabalhos do pintor conhecido por Ferreira das Tabuletas. A sua obra pode ser vista em revestimentos exteriores como em painéis interiores.

O recurso as alegorias é uma constante na sua do Ferreira das Tabuletas. Destaca-se, neste domínio, a Cervejaria Trindade. Depois de uma entrada repleta de símbolos maçônicos, aparecem representadas a Água, a Terra, o Vento e o Fogo, sob a forma de figuras femininas. No espaço onde a Cervejaria Trindade funciona desde o ano de 1863, o pintor Ferreira das Tabuletas retratou, também as estações do ano, assim como o comércio e a indústria.

As fachadas da fábrica Viúva Lamego e do prédio n° 30 da Rua da Trindade são exemplos de trabalhos em azulejo do pintor Ferreira das Tabuletas, que ficaram para sempre como marcas da identidade de Lisboa.

A nova vida do azulejo

Casa-museu Nogueira da Silva. Foto: Reprodução/Livro ‘Azulejo em Braga – o largo tempo do barroco’

A arte nova fez igualmente uso dos painéis e frisos em azulejo para decoração de espaços interiores e exteriores.

Com o avanço do século XX, seu uso decresceu significativamente, na proibição do uso para revestimento de prédios. Por esta decisão municipal tomada no final da década de vinte, pelo perigo que os azulejos representariam aos bombeiros, ao soltarem-se de suas fachadas.

Porem, o azulejo fazia já parte da estética decorativa portuguesa. Uma das mais importantes excepções datas de 1949. Trata-se de um notável edifício na Rua do Salitre, de autoria do arquiteto Pardal Monteiro, com azulejos de um dos maiores portugueses do século XX: Almada Negreiros. Na década seguinte a decisão de interditar o seu uso foi levantada.

Fora de Portugal, artistas como Picasso, Matisse, Miró e Dali, envolviam-se no universo do azulejo, trabalhando diretamente ou concebendo painéis. Também quando artistas de Lisboa Júlio Pomar, Sá Negreira, Carlos Botelho e Maria Keil – conceberam e executaram um conjunto de grandes painéis decorativos para a Avenida Infante D. Henrique. O esplendor do azulejo voltou a partir da década de 70, em trabalhos de autores contemporâneos como Gargaleiro e Querubim Lapa.

Hoje, o azulejo conquista novos espaços. Destacam-se as obras para sempre expostas nas estações do Metropolitano e no Oceanário de Lisboa. Entre os painéis que decoram as estações de metropolitano, encontram-se um trabalho de Helena Vieira da Silva, na cidade-universitária, um painel na estação do Campo Grande, da autoria de Eduardo Nery, e uma criação de Júlio Pomar, no Alto dos Moinhos. Existem ainda diversas outras obras em azulejo em muitas das estações do Metropolitano de Lisboa.

No Oceanário de Lisboa foi aplicado um revestimento em azulejo da responsabilidade de um criador norte-americano. Trata-se de um conjunto de 54 mil azulejos pintados a mão, reproduzindo elementos da fauna marítima.

Para além, da persistência do azulejo tradicional no interior de casa e jardins particulares, os exemplos de novos campos para aplicação do azulejo mostram que o seu futuro também passa pela sua aplicação em grandes espaços públicos, como se pode verificar pelo exemplo dos viadutos rodoviários de Lisboa. Desse futuro fazem parte nomes como Rui Mantero e Bela Silva.

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