Manaus, 26 de outubro de 2025

Manaus pede um presente: tirem as mãos da floresta

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Aniversário da cidade. Manaus acorda com o rugido das aves, misturado com barulho dos automóveis. O cheiro de chuva que ainda está no ar também se misturou com o cheiro das fábricas do Distrito.

A gente se consola em saber que aqui, no coração da floresta, a cidade respira junto com o verde que a abraça. Hoje, a aniversariante é a própria Manaus. 356 anos? Talvez mais. Não importa o número, importa o pulso que bate junto com a floresta que ainda nos cerca.

A cidade sorriso ergue a cabeça como quem recebe um parabéns com a boca acolhendo o verde. E, ao contrário do que dizem os números frios das estatísticas, Manaus não precisa só de orçamento generoso e emendas parlamentares suspeitas. Precisa de mãos que cuidem do que é sagrado. A nossa floresta, os igarapés, a vida que pulsa nos bairros, nas ruas, nas escolas onde professores ensinam a ouvir o silêncio entre as chuvas. E os curumins e cunhatãs aprendem a ler os igarapés, mesmo que poluídos, antes de ler as letras.

Mas hoje, Manaus, a aniversariante, pede algo simples e urgente. Pede para tirar as mãos da floresta. Não é um pedido de egoísmo, é um pedido de proteção. É como quando uma criança pede para que não mexam nos seus desenhos, porque ali estão as cores que definem quem ela é. A floresta não é apenas o dom que sustenta o alimento, a água, o ar que respiramos. É também a memória de quem veio do interior. Os ribeirinhos que lembram como o rio é uma casa que flutua, os caboclos que defendem cada palmo de mata, cada boto que cruza o caminho dos rios, como se fosse um sinal.

E quem são as mãos que Manaus pede para afastar? Não mãos de gente má, mas mãos famintas de exploração: mãos que desmatam sem perguntar, que pegam sem devolver, que atendem ao barulho do lucro imediato sem ouvir a advertência do curupira. Manaus pede, com a voz do vento entre as copas das samaúmas, que as mãos parem para ouvir o que a floresta tem a dizer.

Nas festas a multidão se soma ao coro da natureza. O som das toadas dos bois pede respeito as matas e ao seu povo. E cada manauara ou visitante que chega para celebrar, traz uma entrelinha do compromisso. Não apenas admirar, mas cuidar. Não apenas fotografar, mas proteger. Não apenas mencionar a riqueza, mas partilhar a responsabilidade de conservar.

O Papa Francisco, lembrado pela memória de Dom Leonardo que, como cardeal que sabe ouvir o mundo, nos lembrou o que disse o Papa: “Tirem as mãos da África”, para lembrar que a humanidade não pode se dobrar à lógica do saque. Manaus, hoje, reescreve essa ideia em tom amazônico: “Tirem as mãos da floresta”. Não como grito de possessão, mas como súplica de proteção.

Queremos celebrar o aniversário de Manaus sendo fiéis à sua essência. Que cada projeto, cada obra, seja acompanhado de uma pergunta simples. É justo, é necessário, é justo com a floresta? Porque o aniversário de Manaus não é apenas marcar mais um ciclo de dias; é renovar o pacto entre cidade e floresta, entre gente e água, entre o presente que queremos viver e o legado que deixaremos às futuras gerações.

Feliz aniversário, Manaus. Que a floresta permaneça em casa, e que as mãos aprendam a respeitar esse lar comum. E que, como nos ensina a própria natureza, cada novo dia possa nascer com o compromisso de cuidar, compartilhar e proteger. Para que a celebração seja longa, silenciosa, serena, como o cantar dos pássaros ao amanhecer.

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