Manaus, 23 de novembro de 2024

Mataurá: núcleo originador da atual cidade de Itacoatiara

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Mendonça Furtado merece ser incluído na Lei, ora em discussão nesta Casa, absolvido da pecha anticlerical que se lhe quiseram dar em nossa História e declarado um dos heróis municipais de Itacoatiara (1).

Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal;

Senhores Vereadores da antiga Vila de Serpa;

Meus Senhores e minhas Senhoras:

Foi om muita alegria que recebi o amável convite dessa Veneranda Casa Política, uma das mais antigas do Amazonas, para participar das palestras destinadas a clarear sobre datas relativas aos núcleos de povoamento desse nosso querido Município.

Quis o destino que a equipe médica, pela qual sou assistido, marcasse para a mesma data meu cateterismo, proibindo-me a viagem, por isso escrevi essas poucas linhas, que peço ao meu dileto amigo Francisco Gomes da Silva – meu introdutor na Academia Amazonense de Letras, e consócio do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, o qual tenho a honra de presidir, – para ser o meu porta voz com a leitura desta mensagem perante essa seleta Assembleia.

Quando Portugal enfeudou a Amazônia às ordens religiosas, entregando-lhes terras e índios sob encomenda, na acepção espanhola do termo, talvez não tivesse ideia de que isso poderia resultar em um gigantesco Estado Religioso, capaz de enfrentá-lo, no futuro, como aconteceu com as Missões e a Guerra Guaranítica (1750-1756).

A ideia do V Império Religioso teria sido do genial padre Antonio Vieira e foi talvez por ele idealizado quando viu a grandeza dessa região, que palmilhou até à Ilha do Risco, onde teria fundado a desaparecida missão de Aibi, de 1655, tendo escrito o seu livro profético “O V Império”, em 1654, em Cametá, onde parou para descanso de suas visitas aos índios aruãs, do Marajó.

Essas ideias frutificaram: pela Carta Régia de 19 de março de 1693 a Amazônia foi dividida entre diferentes ordens religiosas, e os seus índios a elas encomendados, em um ato simbólico talvez criando o V Império, idealizado por Vieira. À Companhia de Jesus coube a margem direita do rio Amazonas e a esquerda entre o Negro e o Içá, enquanto os Capuchos de Santo Antonio recebiam as terras do Cabo do Norte até o Jari-Paru, incuindo a aldeia de Urubuquara, ficando os Capuchos da Piedade com Gurupá e as aldeias do rio Urubu ao rio Trombetas. A 29 de novembro de 1694, uma nova Carta Régia, reformulando a anterior, cedia aos Mercedários o rio Urubu e aos Carmelitas o rio Negro e o Solimões.

Embora a atual localização de Itacoatiara estivesse em área de domínio dos Mercedários, o outro lado do Amazonas pertencia à Jurisdição dos Jesuitas, onde estavam localizadas as três missões sucessivas, onde transmitiram de forma hereditária e pelo fio da História as origens desta cidade.

Lá do outro lado, naquele intricado de furos e paranás resultantes do novo curso do Madeira, quando abandonou o Paraná dos Ramos, o antigo rio Tupinambarana, os jesuítas, como as outras Ordens, já haviam começado a sua ação missionária, criando aldeias autossuficientes e produtivas, graças ao trabalho de semisservidão dos índios, a troco das mercadorias do reino que chegavam às suas magníficas sedes, em Belém, enquanto no interior só existiam palhoças e igrejas de taipa e palha. Ali, não se ensinava o português, mas o nheengatu, e não se admitia ingerência do Governo Português, constituindo-se de uma grande equipe internacional de missionários, particularmente do Império Austro-Húngaro e Germânico.

Na foz do Maturá, afluente do Madeira, o jesuíta Jódoco Perez fundou, nos meados do século XVII, o primeiro núcleo de povoamento da região do atual município de Itacoatiara. Todavia, os constantes ataques dos silvícolas e a procura de terras propícias à colonização motivaram a retirada dos habitantes para a ribeira do Canumã (1691) e mais tarde para o rio Abacaxis (1696).

Como vimos, a fundação daquela primeira localidade está registrada como sendo obra do padre Jódoco Perez, superior da Província Jesuítica da Amazônia, entre 1683 e 1690, – conforme já foi registrado por Francisco Gomes da Silva – em uma viagem relativamente rápida de setenta e oito dias, talvez a remo e a vela, saída de Belém a 9 de junho de 1683, chegando à boca do Mataurá a 28 de agosto. No dia 7 de setembro o jesuíta Perez chegou à maloca-sede dos índios Iruri e a 8 de setembro de 1683 fundou a missão e a residência – esta é a origem mais remota de Itacoatiara, se não quisermos aceitar o seu povoamento precolombiano, como o de Manaus.

Portanto, essa data histórica há que merecer a consideração desta Câmara Municipal. Demais disso, como prevê o projeto de Lei em andamento, Jódoco Perez, o fundador do pioneiro núcleo, pode ser considerado um herói, assim como o lendário Mamorini, tuxaua dos Iruri, representando a principal etnia formadora da população do município de Itacoatiara.

Mas, falta uma terceira personalidade que jamais poderia ser esquecida pelo povo itacoatiarense: Francisco Xavier de Mendonça Furtado, primeiro Capitão General e Governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão, de 24.09.1751 a 02.03.1759, instalador da Capitania do Rio Negro, estadista visionário no mesmo nível de seu irmão, o Marquês de Pombal, que vislumbrou a necessidade da presença do Estado Português na Amazônia, daí ocorrendo a necessidade da desocupação das missões, não sendo anticlerical como quiseram transformá-lo, pois a  ele coube a substituição das igrejas-palhoças das Missões, pelas grandes igrejas. Como a Matriz de Santarém e a de Alter do Chão.

E qual a sua relação com Itacoatiara que jamais poderá ser negada?

Em carta que dirigiu ao ministro Tomé Joaquim Castro Corte Real, de 4 de julho de 1758, descrevendo a segunda viagem que fazia aos confins ocidentais do Estado do Grão-Pará e as providências que estava tomando ao longo dela, escreveu:

“A 26 (março de 1758) sahi e navegando pela mesma costa setentrional do Amazonas, atravessei a sua austral e entrando pelo rio Tupinambarana, para passar ao Madeira, cujas barras examinei, feitas pelos (índios) Maués, Abacaxis e Canumã, e sai ao rio Madeira, a 14 de de abril, cheguei à vila de Borba, a Nova.

“Aí demorei-me dois dias, vindo buscar a aldeia dos Abacaxis que era da administração dos padres da Companhia (de Jesus), com a resolução de erigi-la em vila, com o nome de Serpa; porém os seus moradores requerem instantemente que se queriam tirar daquele sítio, por que nele não logravam uma hora de saúde, e se conservavam ali violentados pelos padres que os administram.

“Daí saí, a 19 de abril, e vim buscar este rio (Negro) onde entrei, no dia 23, e a 4 de maio, cheguei a dita povoação. No dia 6 de maio erigi esta aldeia, que se chamava Mariuá, em vila com o nome de Barcelos, e seus moradores não estão descontentes”.

Antes de Mendonça Furtado retornar a Portugal, a aldeia de Abacaxis foi transferida para o atual local de Itacoatiara, sendo transformada em vila da Capitania do Rio Negro em 1º de janeiro de 1759 – setenta e quatro anos antes de Manaus possuir o mesmo predicado urbano, com todos os direitos decorrentes, recebendo o nome da cidade homônima portuguesa Serpa, agora iniciando a política de ocupação definitiva da Amazônia pelo Estado Português, que envolviam a expropriação das Ordens, a substituição da língua geral pela portuguesa, a igualdade racial e outras providências que só agora começamos a compreender, com o desfechar da contemporânea Guerra Guaranítica.

Ele foi o criador das seis primeiras vilas em que foi dividida a Capitania do Rio Negro e do limite de suas fronteiras, por isso merece ser incluído na Lei que está sendo discutida, aqui, e absolvido da pecha anticlerical que se lhe quiseram dar em nossa História.

Missão de Trocano: elevada à vila com o nome de Serpa em 01.01.1756;

Mariuá: elevada à vila com o nome de Barcelos em 06.05.1758;

Abacaxis: elevada à vila com o nome de Serpa em 01.01.1759;

Saracá: elevada à vila com o nome de Silves em 07.03.1759;

Ega: elevada à vila com o nome de Tefé em 1759;

Cambebas: elevada à vila com o nome de S. P. de Olivença em 1759.

(1)  Texto de discurso escrito pelo autor, para ser proferido em 21 de abril de 2015 em plenário da Câmara Municipal de Itacoatiara, e, dada sua ausência por razões de força maior, foi lido protocolarmente pelo secretário dessa Casa Legislativa.

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