Neste ano, o 10 de agosto está reservado para festejar os pais, por estes cantos daqui e dali, quero unir-me a milhões e milhões de filhos no abraço mais fraterno, físico ou espiritual, porque de festa, que a data proporciona, para muitos, e a outros tantos instiga. É segundo domingo do oitavo mês e, como em dia igual de maio, o comércio aproveita para sugerir presentes, dos mais caros aos de menor custo, que se ajustem aos bolsos e às bolsas de filhos e filhas que ainda gozam do privilégio de abraçar fisicamente os que aprenderam a chamar de pai.
Para nós, meu velho comandante, há considerar também outro festejo. É que a igreja católica homenageia, no dia 10 deste mês, São Lourenço, havido como um dos mártires da fé, vítima da crença de que não se teria afastado nem mesmo nas horas últimas, a não negar suas convicções e a não ceder a poderosos de plantão. Então, por aqui, nós os Lourenço que ficamos nos abraçaremos regozijados.
Muitos filhos, muitas filhas e até netos e netas, depositarão beijos e cantarão loas, agradecidos aos pais que ajudaram a criá-los, com amor e tudo ou só com o sustento material (que a vida moderna, afinal, impõe correr muito e sempre atrás do crescimento profissional e financeiro, deixando só a estafa para o tempo em casa). Outros beijarão a fronte de quem chegou depois, no curso da infância, na adolescência ou até na idade adulta e que participaram do processo de formação da personalidade. Alguns sentarão no colo para receber bençãos e afagos, em troca muda de carinho e de promessa de amor duradouro. Haverá momentos mágicos, de encontro com o ontem recente ou distante e lágrimas só de alegria. Também, por certo, alguns haverão de sentir-se bem em agradecer a Deus a glória da vida, em prece de encontro mudo com a divindade de sua crença.
Haverá, igualmente, os que falarão de saudade, chorando a dor da partida, recente ou não, gritando intimamente a solidão do não-ter, porque vazia a cadeira, abandonado o piano, guardado o violão que emudeceu, esquecido o computador desligado, empoeirados os livros na estante, objetos valiosos de tantos ciúmes, o nada do armário de roupa e da rede não mais estendida na varanda, na sala ou no quarto de dormir …. e tudo será tristeza, porque faltará vida no que foi e porque é angustiante a sensação do “nunca mais”. Haverá lágrimas, então, em silêncio ou em preces, em casa ou no campo santo, no recolhimento solitário ou compartido com quem divide a saudade.
Não estou, infelizmente, no primeiro dos grupos, meu pai. Há mais de quatro décadas já foste chamado para vidas outras, em planos que eu não sei dizer, e há em mim o registro da dor de receber teu corpo, frio, inerte, indiferente, sem nenhum sinal de vida, no terminal de carga da companhia aérea dona da aeronave em cujo porão vieste, com tua Sebastiana e teus filhos João, José, Maria Justina, Ana Maria e Robério como passageiros e heróis de uma batalha que todos perdemos em hospital de São Paulo. Isso, entretanto, só me impede de beijar-te a fronte, o físico de ti, porque teu espírito beijo e acaricio, hoje e sempre, em preces por teu crescimento permanente.
Também não quero estar no segundo, para chorar saudade, porque, de tão forte, o sentimento que nos une não permite a lágrima. Tu és presente, pai, em todos os instantes, bons ou nem tanto, de minha vida neste plano do mundo. Estás aqui com tudo o que ensinaste, com o que plantaste em nós nos exemplos de vida sempre enriquecedores e tua valentia nos fez compreender que não há poderosos a temer sempre que convictos de agir no ambiente dos valores que contigo aprendemos.
Forjado nas lutas políticas, jamais permitiste que a sobrevivência fosse a lei e te impuseste ao respeito de quantos contigo conviveram. Admitiste a divergência sempre e não te curvaste jamais a desejos espúrios de poderosos de plantão. Ensinaste-nos a respeitar os humildes e os que se julgam com poder sem que isso represente perder a crença em valores como a liberdade, a honestidade, a consciência social e o dever de servir.
Eis porque estás sempre em mim, meu pai.
E assim sempre será!
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