Manaus, 21 de novembro de 2024

Música brasileira da Amazônia III

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Mário Ypiranga Monteiro (1909-2004), nascido em Manaus, era escritor, historiador, folclorista, etnólogo, pesquisador, geógrafo e jornalista, reconhecido nacional e internacionalmente. Publicou mais de 200 títulos e inclusive Roteiro do Folclore Amazônico, pesquisando, especialmente, as danças e o folclore. Sobre o Lundu publicou diversos artigos sobre a maneira ímpar como era dançado o Lundu na Cidade da Canção, com características peculiares das de todo o Brasil, detalhando tal estudo. Mas, sem dúvidas, ele iniciou os estudos sobre a música regional. Nesta década é que estão surgindo, na academia, dissertações e teses a respeito da obra do emérito professor amazonense. Todos os estados que fazem parte da Amazônia Legal se esforçam para dar sua contribuição ao movimento de valorização.

O Humanista da Amazônia tinha como categorias de análises os folguedos populares, a ciranda, a música, especialmente, a advinda de remanescentes quilombolas – o estado possui inúmeros quilombos tanto na capital quanto no interior -; pastorinhas, cordões, blocos de entrudos e folias de reis; a pajelança, comum no Amazonas, assim como os estudos sobre a ictiofauna, cerâmica e avançou sobre o boi de terreiro.  Pesquisando em muitos campos das ciências humanas produziu uma quantidade inumerável de artigos nos jornais de Manaus. Participava do IGHA – Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, das reuniões da Academia Amazonense de Letras e ainda era correspondente da National Geographic.

Em diversos momentos da História do Brasil os nordestinos vieram para a Amazônia trazendo no balaio suas memórias e aqui o boi de brinquedo tomou corpo com características próprias, ganhando o componente indígena, a inserção cabocla e do ribeirinho emoldurado pelo cenário multicor da maior floresta do mundo, antecedidos pela prática das missões jesuíticas trazidas pelos colonizadores no Século XVII, como celebração junina, no Brasil. O Bumba-Meu-Boi tem suas toadas cantadas de forma mais cadenciadas e com aboios próprios da figura regional nordestina que é o vaqueiro com o chapéu de couro e o gibão.

Segundo o antropólogo Sérgio Ferret, professor da UFMA – Universidade Federal do Maranhão a respeito do Bumba-meu-boi existem mais de 200 grupos espalhados na capital do Maranhão e com ritmos e cantos próprios de onde são originários. Os principais são, a saber: 1 – Boi de Sotaque Matraca, com origens em São Luís –  Boi de Guaíba; 2 – Boi Sotaque de Zabumba, de raízes tradicionalmente africanizadas, encenado no Município de Guimarães – Boi Liberdade; Boi de Sotaque Costa de Mão, também conhecido como sotaque Gururucu – Brilho da Sociedade; 4 – Boi de Sotaque da Baixada – Vale do Pindaré – Município de Pindaré Mirim – Boi Santa Fé; e, 5 – Boi Sotaque de Orquestra –  Rio Mulim (utilizam cordas, sopros e sanfona) – Boi de Axixá.

A brincadeira no Amazonas divide-se em três estágios: boi de terreiro, boi de rua e boi de arena, diferentemente, do que é encenado em qualquer parte do país. Aqui ele não é desconforme, mas,  sim, bem encorpado, com a barra curta e gingado gracioso e mágico na evolução, parecendo um boi real. A toada no Amazonas é um bailado ligeiro que possui um canto melódico, seguidos de uma coreografia para compor a cena a ser apresentada como  ópera popular, onde são reunidas em três noites a história do enredo a ser contado, seguindo o roteiro previamente ensaiado em que cada parte vai sendo encaixada para completar a programação desenhada.

Em um levantamento para mapear o folclore executado nos termos dos editais da Lei Aldir Blanc (Prêmio Feliciano Lana), o GEA – Governo do Estado do Amazonas viabilizou que técnicos, acadêmicos e jornalistas produzissem estudos sobre o folguedo e catalogaram em 2020 que em apenas 20 cidades existiam mais 120 bois de pano compondo o panorama da brincadeira mais popular no estado em que sobressaem-se Manaus com 27; Itacoatiara, 18; Parintins, 14; Itapiranga, 09 e BVR – Boa Vista do Ramos, com 12. Segundo a pesquisa foram encontrados dados de 1780 de que essa prática já era apresentada aqui.

Para apresentação do boi de arena cada agremiação disputa, nos três últimos dias de mês de junho, proposto pelo Conselho de Arte de cada agremiação, 21 itens a serem julgados por uma banca de jurados vindos de outros estados brasileiros, com alta qualificação profissional e habilitados em determinados setores do campo artístico, especificamente, para avaliar partes do enredo, na execução completa do tema proposto e que a agremiação folclórica se dispôs a defender. Devem estar aptos para segurar a emoção quando, por exemplo, assobiando e acompanhado por um Charango plangente acompanhar o Pop da Selva interpretar a pérola que Ronaldo Barbosa e Carlos Paulain elaboraram para ele pedir em tom emblemático ao mestre dessas matas, o seguinte:

Lança teu canto,
Uirapuru
Suplica preservação
Lança teu canto
Uirapuru
E deixa viver
Essa grande nação…

A força desse canto é tão poderosa que muda até as cores do capitalismo por estas plagas: Coca-Cola, Bradesco, CEF, Leite Ninho etc., mudam para cores contrárias no período junino. Aqui não é a gente que escolhe para quem vai torcer, mas é o boi que escolhe a gente!

Esse toar é tão mágico que até em Portugal ele foi revelado em dezenas de festivais de tunas – bando de estudantes que compõem um agrupamento musical que dão concertos populares e eruditos em inúmeras cidades -,  por todo país, pois lá a TEUP – Tuna de Engenharia da Universidade do Porto, ganhou um Festival e obteve visibilidade mundial ao interpretar uma música brasileira da Amazônia, coreografada em estilo mourisco. A poesia de Demétrius Haidos-Geandro Pantoja é muito emblemática para o momento atual, pois ao mesmo tempo em que no discurso poético os versos reclamam, reivindicam direitos e alteridade também,em Índio do Brasil:

… Já são cinco séculos de exploração
Mas a resistência ainda pulsa no meu coração.

Essa é a razão de as etnias brasileiras tomarem, com suas danças e cantos milenares, as vias de Brasília para vigiar STF – Supremo Tribunal Federal no julgamento do Marco Temporal – tem como base a CF promulgada em 5 de outubro de 1988 -, tese defendida pela bancada ruralista e do agronegócio criminoso de que as Tis (Terras Indígenas), só podem ser demarcadas a partir desta data, mesmo sabendo que o domínio dos indígenas e das comunidades quilombolas sobre o solo sagrado, é imemorial.

Em 2021 o Garantido fez muitas ‘lives’ para manter mais próximo das tradições seu público fiel, algumas para levantar fundos para os componentes e outras para homenagear quem ‘partiu para ficar’. Um fato importante esse ano, foi a Alvorada do boi em que o brinquedo de São João dançou nas casas de alguns brincantes, de forma reduzida, em que a noite era iluminada apenas pelos spotlights, acompanhadas pelas batidas da galera e o canto solitário do apresentador. Um dos momentos extraordinários foi quando parou em frente a residência do compositor Braulino Lima, de Tic tic tac. O Complexo Cultural do Boi-Bumbá do Médio Amazonas e Parintins obteve o título de patrimônio imaterial do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

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