Manaus, 27 de julho de 2024

O caçador de onças

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* Francisco das Chagas Auzier Moreira

Em homenagem ao meu irmão e amigo Raimundo Moreira.

Fazenda “Bom Futuro”, localizada no médio Rio Urubu, fazendo extrema por um lado com a propriedade do senhor João Caetano e do outro com a “Fazenda Barreirinha”, dos irmãos Carvalho, nas proximidades do Paraná do Arauató.

A Fazenda “Bom Futuro” pertencia aos nossos avós, Raimundo Moreira, popularmente conhecido por Raimundo Santarém, e dona Maria Madalena, ou dona Marica. O casal teve os seguintes filhos: Luís (meu pai), Francisca, João Moutinho, JOAQUIM, Raimundo, Joana e Alexandrina, que viviam da criação de gado, agricultura e extração de madeira, sorva, balata, etc.

Na década de 1950 os fazendeiros daquela região viviam atormentados com a grande quantidade de onças que infernizavam suas propriedades, matando e comendo bezerros, cabras, porcos, etc..

Foi por causa dessa ‘perseguição’ toda que entrou em cena nosso herói JOAQUIM MOREIRA – o famoso “Mestre Quinca”, popularmente conhecido como o Maior Matador de Onças.

Mestre Quinca embrenhava-se nas matas do Rio Urubu somente com a proteção de Deus e de seus valentes cachorros Avulante, Quebra Ferro, Temporal e Lampião. A partir das cinco horas da manhã, começava a aprontar seus utensílios, vestia uma taquetá de mescla, uma bermuda do mesmo pano e um gorro para proteger a cabeça, calçava um sapato feito de leite de seringueira, era bonito ver a alegria de seus fiéis companheiros de caçada. De um lado do cinto uma bodoroca, papelim “Colomin” e o famoso isqueiro “rabo de macaco”. Tanto os cartuchos quanto o fumo eram acondicionados em bolsas impermeáveis para que não molhassem.

Com sua infalível e sempre azeitada espingarda calibre 20, marca “Bombo”, Mestre Quinca matava de cinco a seis onças por semana. Das maiores ele tirava o couro, que naquela época podia ser comercializado, negócio que fazia com o tio Paulino que regateava em um pequeno barco a remo de nome “Marupiara”, tocando sua famosa buzina de cifre de boi. Tirava também as cabeças que colocava nas águas do Igarapé do Xavier, para os peixes comerem as carnes e em seguida as expunha nas principais estacas da cerca de sua casa, que serviam como troféus para admiração dos amigos que o visitavam. Nosso herói não se fazia de rogado e atendia aos apelos de outros fazendeiros para eliminar onças de suas terras.

Lembro-me de um causo contado por Mestre Quinca. Um dia, os cachorros acuaram uma onça que se viu obrigada a subir em uma árvore, no exato momento em que o Lampião mordeu em seu rabo, sendo levado pela felina caindo de uma altura de mais de cinco metros, e o cão ao tocar no solo saiu em desabalada carreira mata adentro, latindo apavorado, até desaparecer para sempre.

Hoje, os fazendeiros da região, herdeiros dos ferocíssimos índios Buruburus e Caboquenas, podem criar seus rebanhos com grande tranquilidade, mesmo porque o famoso rio das águas negras é cortado duas vezes pela estrada Manaus-Itacoatiara e as famosas e ferozes onças foram passar bem longe, em outra freguesia, distante da Fazenda “Bom Futuro”, que ainda hoje existe e é de propriedade do primo Ermelindo Moreira, o “Barão do Rio Urubu”, que lá vive com mulher e filhos.

Não pensem que Mestre Quinca caçava somente onças. Quando encontrava um bando de queixada, era um verdadeiro massacre, matava quantas quizesse, cujas carnes eram distribuídas entre todos seus familiares – irmãos e irmãs casadas.

Outra história de nosso caçador aconteceu no dia em que foi caçar com o tio Leovegildo. Em um determinado trecho da mata resolveram se separar, cada um seguindo por um lado. Não demorou muito e logo tio Léo avistou um veado menos desavisado, tocou chumbo na testa do animal, no mesmo instante em que ouviu um grito de dor vindo da direção em que caçava Mestre Quinca. Imediatamente tio Léo largou a “embiara” correndo em direção do grito. Qual não foi seu desespero quando constatou que a bala além de matar o veado foi varar a batata da perna de seu amigo, compadre e cunhado.

Mestre Quinca foi carregado até a canoa e levado para sua casa e em seguida para nossa casa, já em Itacoatiara; mas antes mandou que tio Léo fosse buscar a caça para levá-la ao preparo do almoço.

 

CIRILO E SEUS CACHORROS PIRENTOS E FAMINTOS

Que Cirilo que nada!

Este só foi considerado o maior caçador das matas do Rio Urubu até quando se deparou com o nosso herói Mestre Quinca, a quem passou a respeitar como sendo o maior de toda a região. Todas as vezes que Cirilo aparecia pela Fazenda “Bom Futuro”, a primeira coisa que acontecia era uma sova que nossos robustos cachorros aplicavam em seus pirentos passa-fome.

 

TIA ROSA

Mestre Quinca foi casado com dona Rosa Farias, de cuja união nasceram: Raimundo, Ramiro, Rosilda e Rosária. Raimundo é pessoa muito importante, radialista, formado em Direito. Mora em Brasília-DF com esposa, filhos e netos.

Tia Rosa era aquilo que se pode chamar “Pau para toda obra”, pois além de excelente esposa, mãe e dona de casa, sabia caçar, pescar e era acima de tudo uma artesã muito competente, pois fazia tudo que se possa pensar em cerâmica, como potes, bilhas, pratos, travessas, bacias, etc., que preparava amassando o barro com cinza de casca de caraípe, que depois eram aperfeiçoados, enfeitados e alisados com orelhas de urupê. Em seguida, assados em brasa de lacreiros; antes que esfriassem eram impermeabilizados com resina de jutaicica.

Era realmente uma mulher muito inteligente, dizem até que dava coração do pássaro japiim torrado para seus filhos comerem e para serem inteligentes. Parece que a história tem fundamento. Pena que tia Rosa tenha morrido muito cedo.

 

*Desembargador aposentado e ex-Presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas. Estas linhas foram escritas na década de 1980/1990 e reportam à infância desse ilustre filho de Itacoatiara, nascido nas barrancas do Rio Urubu.

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