Manaus, 27 de julho de 2024

O calceteiro português

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José Augusto Loureiro veio para Manaus aos 14 anos, em 1895, junto com os sete irmãos mais velhos e logo arrumou um trabalho, no qual ficava de domingo a domingo, em um armazém de estivas, dormindo trancado, em cima dos sacos, como se fosse um gato de armazém.

Os irmãos viajaram na 3ª classe de um dos navios da Booth, que pegavam os imigrantes da Beira Alta, no porto de Leixões, ao norte do Porto, em Portugal.

Em Manaus, José Augusto aprendeu a profissão de pedreiro e começou a atuar no movimento anarquista junto com os imigrantes portugueses, espanhóis e italianos da capital amazonense.

Polêmico, gostava de uma boa discussão e de um bom jogo de bilhar. Certa feita, ele e outros jovens portugueses, do telhado da igreja matriz, onde haviam entrado furtivamente, jogaram ossos de galinhas que haviam comido, sobre o governador Ramalho Júnior (1898 a 1900).

Em 1911, contra a vontade da família da moça, pois ele era pobre, casou-se com Liberalina Acioly de Menezes. Para manter-se, e à esposa, foi trabalhar fazendo lenha e carvão durante anos. Em 1918 apareceu trabalhando numa pequena mercearia, na Cachoeirinha, em frente ao Grupo Escolar Euclides da Cunha (existente até hoje), mas os negócios não foram bem, principalmente por causa da Gripe Espanhola que quase extinguira a população do bairro naquele ano. Quando assumiu o prefeito Araújo Lima (1924), José Augusto resolveu se dedicar uma profissão aparentemente rentável, a de calceteiro.

A partir da praça 15 de Novembro (Largo da Imperatriz e Rua da Imperatriz) após 1852, depois Sete de Setembro e praça do D. Pedro II, todas as ruas de Manaus foram calcetadas.

O calçamento delas era feito com paralelepípedos de granito trazidos de Portugal, a 1$000 a unidade, como lastro dos navios. Durante o inverno acumulava-se capim, nas gretas entre as pedras, o que exigia a sua retirada, no verão, além da reposição das pedras que se deslocavam pelas chuvas torrenciais e da colocação delas, nas novas ruas que iam sendo abertas ou calçadas.

E assim José Augusto deu continuidade ao calcetamento de ruas e praças, e na raspagem do mato e capim entre as pedras, com o reco-reco. Com o tempo tornou-se um pequeno empreiteiro especializado em calcetamento, tendo, inclusive, turmas de trabalhadores.

Para facilitar o trabalho os homens utilizavam a trolha, a picareta, a alavanca, o soquete e o reco-reco, este, um instrumento especial, composto de um pedaço de madeira, tendo na ponta um arco de metal, fixado por fios de cobre, em torno da madeira, como um cabo de terçado. O reco-reco recebeu este nome pelo som peculiar entre as pedras, quando era retirado o capim e o mato.

As pedras de liós, um tipo de mármore de baixa qualidade, aquelas usadas nas calçadas do entorno do Teatro Amazonas e avenida Eduardo Ribeiro, eram extraídas da pedreira do Rato, próxima de Lisboa, hoje ocupada por apartamentos de luxo. O arenito róseo utilizado nas ruas, era extraído dos barrancos do litoral do rio Negro, onde existiam grandes matacões rolados, nas praias. Eram de diversas qualidades, sendo o melhor o denominado fígado de galinha, arroxeado ou âmbar, muito duro. Não se conseguia talhar ou escantear essas pedras, pois esfarelavam com facilidade. Mais tarde passaram a ser extraídas nas cachoeira dos igarapés que circundam a cidade, hoje destruídas.

jose augusto loreiro

José Augusto Loureiro

Para assentá-las, após aplainar o chão, esse recebia uma camada de barro, que era socado com o soquete. Seguia uma camada de areia onde eram arrumadas as pedras e de novo socadas, até ficarem niveladas. Nova camada mais fina de areia cobria tudo.

Apesar de ajudar a embelezar a cidade por mais de duas décadas, José Augusto viveu em Manaus por 52 anos sem jamais ter condições de voltar à sua terra natal, morando a vida toda em casas alugadas, a última, existente até hoje na rua Tapajós sem, talvez, imaginar que um de seus filhos e netos se tornariam grandes empresários.

Morreu em 1947, aos 66 anos, sofrendo de asma. Para melhorar da doença, fumava cigarros que, acreditava, facilitavam a respiração, e fazia uso constante da perigosa efedrina, acabando hipertenso, com insuficiência cardíaca e talvez enfisema, pois tinha muita dificuldade de respirar.

Quatro de suas obras permanecem existindo, décadas depois de construídas: as escadarias da Xavier de Mendonça, na Aparecida; a escadaria do covão da Tapajós, ladeando o muro do Colégio Benjamin Constant; o calçamento da subida da Floriano Peixoto, no cruzamento com a Rua José Paranaguá, que todos os anos era arrancado pela correnteza das águas dos grandes temporais. Até hoje ele ali está, por baixo da camada de asfalto; e a recomposição anual da praça de São Sebastião, com as pedras brancas e negras, importadas.

 

Por dentro

Lisboa é uma cidade para se caminhar olhando para baixo para apreciar a beleza das calçadas. Mas esta tradição que o Brasil copiou está ameaçada com o desaparecimento dos calceteiros portugueses. A cidade de Lisboa chegou a ter um exército de quase 200 profissionais especializados em construir e recuperar os pisos. No ano passado, na Prefeitura de Lisboa, restavam apenas 18 calceteiros.

Lisboa criou até uma escola para formar calceteiros. Mas nos últimos anos não tem atraído muitos interessados. É que com a crise econômica europeia, as prefeituras de várias cidades deixaram de contratar novos calceteiros e os salários foram reduzidos: estão em R$ 2 mil, o que é baixo para a Europa.

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