Manaus, 1 de julho de 2025

O Município de Itaquatiara

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*Mario Ypiranga Monteiro

A Vila – Continuação (II)

Apesar do juramento, a presença dos terríveis cabanos em Serpa fez esquecer ao Macedo Português os Santos Evangelhos e a promessa de bem servir a coletividade. Sumiu, da noite para o dia.

Como esses documentos são o que resta da história escrita daquela Freguezia, é bom transcrevermos todos eles, a fim de que fique resguardado do mesmo triste fim que tiveram os documentos mais importantes da história de Manaus. No Livro de Atas da Câmara Municipal, encontramos outros documentos que passamos a transcrever, referente ao distrito de Serpa:

Este Municipio tem tres Juizes de Paz; 1.° o d’esta Villa; o 2.° o da Freguezia de Serpa; e 3.º o da Freguezia de Silves: forão creados no Anno de 1828 (não se pode designar dia, e Mez, por não haverem documentos no Archivo d’esta Camara) como se verifica da Circolar dirigida ás Camaras de Serpa, Silves e Borba, pelo ex Ouvidor Manoel Bernardino de Souza e Figuiredo, pela qual mandava dár execução á Lei Geral de 15 de Outubro de 1827, que he a da creação dos Juizes de Paz; cuja circolar tem a data de 2 de Julho de 1828. He isto o que a Comissão pode recolher de sua pesquisa. Salla das Sessões 28 d’Abril de 1846 Gabriel Antonio Ribeiro Guimarães, Alexandrino Magno Taveira Pau Brasil, Francisco Gonçalves Pinheiro. Em vista de cujo resultado a Camara resolveo officiar-se na primeira ocasião dando Solução do citado Officio.

Por esse documento se sabe agora a época precisa em que foram instituídos os Juízes de Paz das Vilas e distritos e a lei que mandou funcionar essa engrenagem civil. Passemos agora a outro documento, não menos interessante, que diz respeito à estatística demográfica de Serpa e às suas possibilidades como núcleo eleitoral:

A Comissão nomeada na sessão do dia 8 para dár solução aos tópicos do officio do Ex. Governo da Provincia, de 1. d’Abril deste anno, apresentou o resultado dos trabalhos de que estava encarregada, cujo theor é o seguinte-Senhr. Presidente A Comissão encarregada por VSa. Para examinar o que exige o Ex. Senr. Presidente da Provincia em Officio que dirigio a esta Camara a bem do serviço. N. e I., declarar lhe as Freguezias que compreende este Municipio, e o número de Eleitores de cada huma, temos a significar-lhe, que no Municipio d’esta Villa da Barra existem tres Freguezias sendo a 1.” a d’esta, 2.” Serpa, e a 3. Silves, e revendo as Listas das Juntas Parochiaes de cada huma, em contramos, que a 1. deu o número de 2650 fogos que sendo apurados deu 27 a 2.550 fogos deu 6 eleitores, e a 3.º 1150 fogos deu 12 Eleitores. He o que temos a responder a V. S. da nossa Missão. Barra 9 de julho de 1846 – João Fleury da Silva, Antonio Lobo de Macedo, Alexandrino Magno Taveira Páu Brasil.

Portanto Serpa, em 1846, era das Freguesias que compunham o município da Barra o menos populoso e o que menos possibilidades possuíam quanto ao estado de cultura do seu povo. O número de analfabetos está evidente. Possuindo apenas 550 casas de moradores, com uma média estimada em mil habitantes, destes somente doze sabiam ler e escrever, portanto podiam votar e ser votados. Saber ler e escrever, àquela época, era um patrimônio individual que colocava o cidadão à altura de competir com a sociedade, pois escolas não havia em todos os recantos da Província e as distritais eram muito mal servidas, geralmente a educação e a instrução, ou somente esta, ministrada pelo vigário. Os vereadores que assinavam as atas da Câmara Municipal, nesse período, arranhavam a pena no papel, executando garranchos incríveis, uma espécie de malabarismo que põe o leitor desses documentos em estado de nervos. Poucos realmente possuíam pena aparada.

Nesse ano de 1847 era eleito Juiz de Paz de Serpa o cidadão Timóteo José da Silva Lira, que prestou juramento no dia 3 de fevereiro:

Termo de Juramento que prestou Themotio Je da Sª Lira por seu procurador Leonardo Ferr do Prado para servir o cargo de Juiz de Paz da Freguesia de Serpa.

Aos 3 dias do mez de Fevereiro de mil oito centos e quarenta e sete nesta Villa da Barra do rio Negro em as Cazas q. servem de Sessão digo de Sala das Sessões da Camara Municipal onde se achava presente o Senr. Prezidente da mma Manoel Thomaz Pinto compareceu Leonardo Ferreira do Prado a apresentou uma Procuração de Themotio Je da S Lira para prestar ojuramento dos Santos Evangelhos p. seu constituinte p servir o cargo de Juiz de Páz da Freguezia de Serpa e sendo vista pelo referido S Prezidente achou conforme e em vista do Juiz de Páz da quella Freguezia Evaristo Roiz Lima aq” pertencia o dito Juizado estar processado e ausente lhe deferio oreferido Juramento na forma do estilo e Eú Manoel Ribeiro de Vas Secr Intro escrevy.

Leonardo Ferr do Prado
Manoel Thomaz Pinto P.
Manoel Ribr” de Vasconcelos (Secr Intr.)

Quando o Juiz de Paz pretendia deixar o cargo, só o podia fazer alegando duas razões: ou impedimento por doença ou por já haver servido antes. O cidadão Celestino Rodrigues Palmela, em 1848, para deixar o cargo teve de alegar doença. A respeito desses Palmela, ramo da conhecida família dos Palmela de Barcelos, lê-se na ata da Câmara Municipal do dia 10 de abril de 1848.

Em solução ao officio do Juiz de Paz da Freguezia de Serpa, Celestino Rodrigues Palmela, em que pede dispença do cargo que ocupa em rasão de seo estado morboso, deliberou a Camara se lhe officiase ordenando que a vista do que alega, passa a Vara daquele Juizado a um dos outros Juizes, a que por ley compete.

Esses juízes eram quatro, e vamos transcrever os termos de juramento deles:

Termo de Juramento que prestarão os cidadãos Felisberto:
J. Martins, por seo Procurador Francisco Antonio Roberto,
p. exercer o cargo de 4.° Juiz de Paz da Freguezia de Serpa.

Aos oito dias do mez de Janeiro de mil oito centos quarenta e nove nesta Villa da Barra e no Paço da Camara Municipal onde se achava presente o sr. Presidente interino José Casemiro Ferreira do Prado, e ahi comparecendo o sr. Felisberto José Martins, por seo Procurador Francisco Antonio Roberto para o fim de prestar juramento para exercer o cargo de 4.° Juiz de Paz de Serpa e sendo-lhe deferido o dos Santos Evangelhos prometteo bem e fielmente cumprir os deveres que passava a exercer. Para constar se lavrou o presente termo em que assinarão. E eu Agostinho Hermes Pereira, Secr. fiz e subscrevy.

Francisco Antonio Roberto
José Casemiro Ferreira do Prado.

Termo de Juramento, que prestou João Evangelista da Trindade, por seo Procurador, Gabriel Antonio Ribeiro Guimarães, para exercer o cargo de 3.º Juiz de Paz da Freguezia de Serpa.

Aos dezesseis dias do mêz de Janeiro de mil oito centos quarenta e nove, nesta Vila da Barra do rio Negro, e no Paço da Camara Municipal, onde se achava presente o senr. Presidente Manoel Thomaz Pinto; ahi comparecendo João Evangelista da Trindade, por seo Procurador Gabriel Antonio Ribeiro Guimarães, para prestar juramento do cargo de 3.° Juiz de Paz da Freguezia de Serpa, foi-lhe pelo mesmo Senr. Prezidente, deferido o dos Santos Evangelhos no qual prometteo bem e fielmente cumprir os deveres do cargo que passava a exercer. Em firmesa do que se lavrou o presente termo em que assignarão. Eu Agostinho Hermes Pereira, secretario da Camara, o fiz e subscrevy.

Gabriel Antonio Rib. Guim.
Manoel Thomaz Pinto.

Termo de Juramento, que prestou Manoel Profirio Delgado, por seo Procurador, Alexandrino Magno Taveira Páu Brasil, para exercer o cargo de 1.° Juiz de Paz da Freguezia de Serpa, como nelle se declara.

Aos dezessete dias do mêz de Janeiro de mil oito centos quarenta e nove, nesta Villa da Barra, e no Paço da Camara Municipal, onde se achava presente o S Presidente Manoel Thomaz Pinto, ahi comparecendo Manoel Profirio Delgado, por seo Procurador, Alexandrino Magno Taveira Páu Brasil, para prestar juramento do cargo de 1.° Juiz de Paz da Freguezia de Serpa, foi-lhe em consequencia pelo mesmo Sr: Presidente defferido o dos Santos Evangelhos, no qual prometteo bem e fielmente desempenhar o lugar que passava a exercer. Em firmeza do que se lavrou este Termo que assignarão. E eu Agostinho Hermes Pereira, Secretario da Camara o fiz e subscrevy.

Alexandrino Magno Taveira Páu Brasil
Manoel Thomaz Pinto. P.

Termo de Juramento, que prestou Antonio Rodrigues da Gama, por seo Procurador Martiniano Ferreira dos Anjos, para servir o Cargo de 2.° Juiz de Paz da Freguezia de Serpa, como nelle se declara.

Aos vinte e quatro dias do mez de Janeiro de mil oito centos quarenta e nove, nesta Villa da Barra do rio Negro e no Paço da Camara Municipal, onde se achavam presentes o Snr. João do Rego Dantas, Presidente interino della, ahi compareceo Antonio Rodrigues da Gama, por seo Procurador Martiniano Ferreira dos Anjos, para o fim de prestar juramento do cargo de segundo Juiz de Paz da Freguezia de Serpa; e sendo-lhe deferido o dos Santos Evangelhos, prometteo por parte do seo constituinte, bem e fielmente cumprir as obrigações do emprego que passa á exercer. Em firmeza do que se lavrou o presente Termo em que assignarão. Eu Agostinho Hermes Pereira, secretario o fiz e subscrevy.

João do Rego Dantas
P. interino
Martiniano Ferrª dos Anjos.

Ainda encontramos nos livros de Atas da Câmara Municipal de Manaus outro termo de juramento de Juízes de Paz, porém só fará alusão a mais três, do período de 1851 a 1853. Quatro anos depois Serpa seria elevada à categoria de Vila, adquirindo uma autonomia a tanto reclamada. Os documentos de sua antiga situação de vila, antes de passar a de simples distrito, foram reclamados uma vez pela Câmara Municipal da Barra, mas parece que desapareceram completamente. E os documentos que poderiam contar a sua existência como Freguesia, ou apodreceram no nosso Arquivo Público, ou estão esquecidos nalguma parte na sede do município.

Termo de Juramento que prestou Agostinho Domingues de Carvalho para servir o lugar de Fiscal da Freguezia de Serpa.

Aos vinte e oito dias do mez de Junho de mil oito centos cincoenta e um nesta Cidade da Barra do rio Negro e no Paço da Camara Municipal, onde se achava presente o Sr. Presidente interino abaixo assignado, ahi compareceo Agostinho Dominguez de Carvalho, por seo Procurador o Capitão Joaquim Izidoro d’Oliveira afim de prestar juramento do Cargo de Fiscal da Freguezia de Serpa, e sendo-lhe defferido o dos Santos Evangelhos, prometteo bem e fielmente cumprir as obrigações do cargo que passava a exercer. Em firmeza do que se lavrou o presente por elle assignado. E eu Agostinho Hermes Pereira, secretario escrevi e assigney.

Joaquim Izidoro dOliveira
Jozé Antonio de Oliveira Horta
Prezidente intirino.

Termo de Juramento que prestou para Juizes de Paz Luiz Fernandes do Nascimento para a Freguezia de Serpa.

Aos dezasete dias do mez de Fevereiro de mil oito centos ecincoenta e tres, no Paço da Camara Municipal da Capital da Provincia do Amazonas, sob a Presidencia do Senr. Assumpção e Souza e Eu Francisco Antonio Toscano de Vasconcellos Secretario interino e ahi compareçeo por seo procurador Joze Coelho de Miranda Lião Junior e o primeiro Juiz de Paz Luiz Fernandes do Naçimento, para prestar juramento, prometeo de bem afielmente comprir as fonsoens do referido cargo, que passou a ezercer. Do que para constar lavosse este termo de juramento que oreferido Cidadão assignou por seo Procurador Joze Coelho de Miranda Lião Ju com oPrizidente o Secretario da mesma e Eu Francisco Antonio Toscano de Vasconcellos Secretario interino que aescrevy.

O Presidente Rafael d’Assumpção e
(S Franco Anto Tos de Vascocellos
Joze Coelho de Mir Lião Junior.

Observe-se no documento supra que a Câmara Municipal já inscreve Capital da Província do Amazonas. Com efeito, a Província do Amazonas só foi criada por lei n.º 582, de 5 de setembro de 1850, estando, antes de 1851, na dependência da província do Grão-Pará. O vereador que então estava na presidência da Câmara, foi mais tarde deputado suplente e assassinado.

Termo de Juramento que prestou para Juiz de Paz Francisco Rodrigues da Trindade, para Freguezia de Serpa.

Aos vinte e nove dias do mês de Março de mil oito cento ecincoenta e tres, no Paço da Camara Municipal da Capital da Provincia do Amazonas, sob a Presidencia do Senr. Rafael de Assunção e Souza, e Eu Francisco Antonio Toscano de Vasconcellos, Secretario interino: e ahi compareçeo por seo procurador Gabriel Antonio Ribeiro Guimarães para segundo Juiz de Paz Francisco Rodrigues da Trindade, para prestar juramento, prometeo de bem efielmente comprir as fonçoens do referido cargo que passou a ezercer. Do que para constar lavrosse este termo de juramento que o referido Cidadão assignou por seo Procurador Gabriel Antonio Ribeiro Guimarães, com o Prezidente e o Secretario da mesma e Eu Francisco Antonio Toscano de Vasconcelos, Secretario interino que o escrevy.

O Presidente Rafael d’Assumpção Souza
Gabriel Antonio Ribeiro Guimarães

A sede da Freguesia e mesmo toda a região serpana não gozou sempre de boa paz e de muito progresso, fato aliás fácil de constatar em qualquer das freguesias então existentes. A distância, a centralização, a falta de meios de transportes, a ausência de um estrato cultural, tudo isso fazia, a um tempo, daqueles núcleos mais regiões de experimentação humana do que propriamente organismo ativo. Na verdade, se levarmos em consideração a época atual, nenhum desses municípios e de suas sedes teve o progresso que deveria ter. E alguns estão em lamentável decadência, enquanto outros desapareceram por força de circunstâncias económico-sociais. Contribuíram para o desastre de muitas dessas vilas e povoados, o absoluto sustentáculo econômico e a corrida para as cidades. Regiões sem fontes de renda positivas, sem arrecadação, não podiam sobreviver. Algumas dessas vilas sofreram mais com as atividades humanas do que propriamente com a ausência de recursos naturais. A província dependente e depois autônoma foi um foco constante de perturbações localistas, que as autoridades não podiam controlar absolutamente, já pelas distâncias já pela falta de forças militares. Serpa não iria escapar a essa norma, e durante algum tempo padeceu com as perturbações, com o descrédito da sua economia, com a fuga dos habitantes para sítios longinquos, etc. A região do Mataurá, por exemplo, foi durante algum tempo a fonte de discórdias constantes, que obrigou várias vezes as autoridades a mandar forças e mesmo a manter um destacamento para impedir os assassinatos, as depredações, as violências. Estas eram, dizem as crônicas, cometidas geralmente pelos indios soltos e por indivíduos inescrupulosos.

(Continua na próxima semana)

*Mário Ypiranga Monteiro (1909-2004). Amazonense de Manaus, historiador, folclorista, geógrafo, professor jornalista e escritor. Pesquisador do INPA, membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas. É o autor que mais escreveu livros sobre História do Amazonas, com quase 50 títulos.

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