Manaus, 18 de setembro de 2024

O Município de Itaquatiara

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*Mario Ypiranga Monteiro

A Cabanagem

No começo do segundo quartel do século 19 a Amazônia (Pará e Amazonas) foi sacudida de ponta a ponto a ponta pelos sinistros movimentos que tomaram o nome de cabanagem. Descrever o que foi aquela guerra sangrenta, sem quartel, em que o nativismo se exagerava em morticínios e incêndios contra estrangeiros e suas propriedades e contra também alguns cidadãos brasileiros não cabe aqui. Apenas salientaremos o papel, não sem importância, que Serpa teve nele, durante a ocupação dos cabanos e legais em toda a Mundurucânia. É depois do assassinato de Lobo de Sousa que vai explodir no médio Amazonas a revolta. De Óbitos sai o padre Torquato de Sousa com destino a Tupinambarana, levando por incumbência secreta a fortificação da serra de Parintins e de Luséia, ao mesmo tempo em que um Correios legal chega a Manaus solicitando duas peças de pequeno calibre e trinta armas de fogo.133 A Câmara de Manaus, reunida no dia 13 de abril de 1835, toma uma atitude compatível com a atmosfera de irresponsabilidade:

Acta da Sessão Extraordinária do dia 13 de Abril de 1835.

Aos trezes dias do mes de Abril de mil oito centos trinta e cinco anos nesta Villa de Manáos em as Casas da Nação que servem de Câmara, onde se achavão reunidos extraordinariamente a Camara Municipal na Salla das Sessões, achando-se presentes os Snr.s Presidente e Veriadores abaixo assignados e dada aora o Snr.

Presidente abrio a Sessão. E por ele foi dito que tinha convocado aos Snr. Veriadores para esta Sessão extraordinária foi em consequência de haver recebido hum officio da Camara Municipal da Villa de Tapajos134 da-dacta de 21 de Março do presente anno, manifestando o estado de desgraça em que se achava a Capital da Provincia e projecto de seu sentimento sobre tal respeito, transmittindo por Copia a Acta de sua Sessão extraordinária do dia 20 de Março do corrente anno, em que se mostra a resolução da Comissão ali estabelecida e medida digo relativamente para as medidas que se devia adoptar, cuja comissão desempenhou otimamente que lhe foi encarregado como se vi da mesma Acta. O Presidente foi de parecer que em vista do Officio recebido da Camara Municipal da Villa de Tapajos devia os Senr. Veriadores aproveitar-se desta ocasião para se tomar algumas medidas mais convenientes para nossa defesa, por q.to já temos acerteza que aquella Camara e autoridades e Cidadãos daquela Villa estão resoluto não conhecer senão o Governo Legal e que estão prompto a por barreira aos inimigos da Lei e do sucego publico. E logo o Veriador Costa pedio a palavra edisse que não sópelo prezen- te officio, e mesmo por imensas Cartas afirmativas de pessoas fidefignas já não nos hera oculto nem duvidoso os desastrosos acontecimentos acontecimentos perpretados na Capital da Provincia por Omens anarquistas inimigos da ordem e do sucego publico, com maior escândalo possível com descredito da Patria, desobediência as Leis, a Regencia em Nome do Nosso Imperador o muito Augosto Senhor Dom Pedro Segundo, bem como átodos as autoridades legalmente constituídas sem attenção, sem temor, nem respeito as Leys Divinas e humanas, os nossos mais cons- picos Cidadãos, victimas do mais abominável procedimento, a Patria submergida no abysmo do mais funesto rezoltado de to- dos os terríveis acontecimentos do Imperio, inumeráveis famílias assaltadas repentinamente por huma confusão de disgraça redu- zida a última miséria pelo desamparo de seu ja assassinado espozo, cercada de numeroza orfandade, lançando avista por outro lado, vemos desmembrada a Sociedade, aniquilado os direitos puliticos da Nação, o Commercio estagnado, a lavoura desam- parada, a indústria so/ Cumbida, o que tudo nos anuncia tristes consequencias; cuja pungentes a/mar/guras, tão inseparável humanidade, bem como de todo o homem curdato, que preza os limites da onra e do seu patriotismo, pois nesta occazião que deve destinguir-se cada hum pela parte que lhe toca e todos as armas quando for necessário, o/xallá podessemos seguir o claro exemplo do Guerreiro Santiago135 que só pelas recentes, noticias sem olhar adistancia, logo se poz em marcha, só afim de salvar a Capital e desafronta a Lei, e ex os fins aque se deve em/cami- nhar, os nossos caprichos (ilegível) os deveres da nossa honra eis a confir/mação do nosso fiél juramento pois é pelos motivos assaz ponderados que tenho a honra levar ao conhecimento de V. Sa não só como Membro, desta Corpuração mesmo tambem como pessoa do povo que sou de parecer que esta Camara não deve dezamparar o seu Tribunal, enquanto não tivermos noticias da Capital que nos sejão satisfatórias, devendo-se igualmente oficiar-se no mesmo sentido á todas as Authoridades territoriais e as de/mais Camaras, remettendo-se-lhes por Copia para sua maior inteligencia, o rezoltado dos nossos trabalhos, todo afinde se dar prompta execução aqual / quer expediente do serviço e prontas medidas que se devem tomar, de objetos de tanta consi- deração, como os que se trata pois esta é a crize em que não se deve olhar os sacrificios, na certeza deque dar avida pela Patria e doçe amorte.136 O que sendo ouvido por todos unanimemente approvarão o parecer do dito Veriador Costa. E nada mais se tra- tou na presente Sessão que dada a ora o Snr. Presidente feixou á Sessão de que para constar mandou a Camara lavrar esta Acta em que todos assignarão. Eu Bernardo Francisco de Paula e Aze- vedo/Secretario da mésa que a escrevi.

Francisco Gonsalves Pinheiro. P. int.º93
Mathias da Costa

Jozé Antonio de Oliveira

Aniceto da Silva (ilegível)

Martinho Joaq.m do Carmo

Claudio Jozé do Carmo

Jeronymo Conrado de Cavo (Carvalho).

Esta era a situação da vila de Manaus e dos outros povoados próximos, face à ameaça dos cabanos. Desde 1831 vinham às agitações causando profundo desassossego ao povo e os massacres contra portugueses, em. Maués, atingira a um número considerável. Em 1836 ocupam Serpa e cometem atrocidades. É Bernardo de Sena quem se desloca para lá, empenhado em ações talvez determinadas por Maparajuba. Em maio de 1836 está em Manaus, deixando o comando dos cabanos, que é tomado por Freire Taqueirinha. Não se sabe muita coisa a respeito da atuação dos cabanos em Serpa. Não há documentos, referências miúdas, notícias concretas. Somente alusões aqui e ali e as atas da Câmara Municipal de Manaus, omissas, alusivas a determinados fatos, não à história completa do que foi aquela sangrenta revolução. O fato é que em 1836 Serpa cai pela segunda vez em poder dos cabanos. E para contrariar essa inesperada vitória, numa noite escura desembarcam as forças legais sob o comando de Ambrósio Ayres. Confusão. Duzentos homens bem dispostos, resolutos, que vem marchando, desde 1835, ao lado da lei contra os amotinados. Naturalmente há pânico no povoado, à lembrança da horda comandada pelo sanguinário Apolinário Maparajuba. Tipo psicologicamente difícil, aquele Maparajuba. Dele diz Bertinho Miranda:

Algumas vezes se assina também Pureza e Firmeza. É o gosto da época. Angelim, uma das madeiras mais rijas do vale do Amazonas, é o sobrenome que Eduardo adota para significar que, nos seus atos e nas suas opiniões políticas, é um inflexível. Outros preferem nomes de tribos de índios ou dos personagens mais célebres da história colonial americana. Maparajuba é um tanto seco de maneiras e difere, por um traço curioso, dos demais Chefes dos rebeldes. Todas as suas arengas são escritas num estilo sóbrio e não se perdem muito na vacuidade e no superficialismo declamatório. Pede as coisas com bons modos e sem deixar perceber que as exige.137

A primeira vez que os cabanos atacaram Serpa foi em 1836. Era Juiz de Direito Enrique João Cordeiro, que tem a lembrança de organizar uma defesa urgente, impedindo a subida deles para Manaus. Esse mesmo Enrique Cordeiro se amofina e permite a ocupação de Manaus, fugindo com a chave do arsenal bélico no bolso! É a ele que deseja prender os rebeldes, cujo chefe Apolinário Maparajuba havia remetido preso para Belém. Maparajuba e Bernardo de Sena. O defensor de Serpa, o homem resoluto que havia antes organizado a defesa, prendido e remetido a ferros para Belém ao mestiço Maparajuba e ao falante Bernardo de Sena, Enrique Cordeiro agora fugia com receio da vingança cruel dos revolucionários. Enrique Cordeiro encontra Serpa como um cemitério; deserta e desamparada pelo Juiz de Paz Antônio de Macedo Português. Organiza, com os poucos habitantes que não haviam fugido para os matos, uma defesa precária, mas uma defesa que talvez demorasse a resistência da invasão rebelde, não fosse a fuga covarde, naquela altura, do próprio comandante das armas.

Diante da nenhuma resistência, os cabanos ocuparam a freguesia como haviam ocupado Parintins, somente encontrando denodada resistência em Borba e Silves. Os ataques continuaram, todavia em outras regiões próximas, como Maués, de onde foram expulsos em 1840 graças à enérgica atividade de José Coelho de Miranda Leão.

Depois desses sucessos, Serpa chegou a tal estado de anarquia e de decadência, que em 1836 o Juiz Henrique João Cordeiro oficiava à Câmara de Manaus (9 de janeiro) relatando os fatos:

Tendo eu chegado ultimamente a freguesia de Serpa, achei a mesma em abandono, sem aquela autoridade que a Ley tem marcado, o qual hera Antonio de Macedo Portuguez, abusando este individuo com manifesta transgrissão da Ley de exercer o seu emprego de Juiz de Paz, abandonando sua Freguesia e os Povos deixando assim entregue a disposição dos Rebeldes sem atender a lei e as circunstancias do tempo e vendo eu um tal procedimento, e achar-se aquelle individuo em Curso na pena do Art. 157 Cessão 6.ª do Código Criminal, pacei Provisoriamente como Chefe de Policia a prover aquela vara encarregando dela ao Cidadão Pedro José Pereira pessoa Fidedigna, chamando aquelle Macedo a responsabilidade: o que participo a V. S.ª para sua inteligência e aprovação do nomeado. Deus Guarde a V. SS. Manáos 9 de Janeiro de 1936.

Illmo Snr. Presidente e Membros da Camara Municipal desta Villa.

Henrique João Cordeiro, Juiz de Direito into Chefe de Policia.

Nas atas da Câmara Municipal de Manaus, referente àquele ano, conserva-se o oficio dirigido por Henrique João Cordeiro, participando a fuga do Macedo Português:

Foi recebido nesta Sessão (do dia 9 de janeiro) o officio do Juiz de Direito interino e Chefe de Policia desta Comarca com dacta do dia de hoje, em o qual faz ver achar-se em abandono o Cargo de Juiz de Paz da Freguezia de Serpa que ele Juiz de Direito havia eleito na pessoa de Antonio de Macedo Português, em virtude do que pedia se ouvesse de aprovar a Pedro José Pereira, oque sendo ouvido p. esta Corpuração ficou adiado para Sessão seguinte.

Na sessão do dia 14 de janeiro resolveu-se:

Tendo-se adiado para esta Sessão a discução sobre o officio de Juiz de Direito de 9 do corrente, relativo achar-se em abandono o cargo de Juiz de Paz da Freguezia de Serpa, rezolveo-se unanimemente officar-se ao mesmo Juiz de Direito neste mesmo sentido..

Nada se resolveu e o tal Macedo Português não foi processado como devia, por abandono de uma população aterrorizada pela chacina que os cabanos vinham fazendo por onde passavam. A recompensa para o covarde foi alta: mais tarde seria ele vereador da Câmara de Manaus, mas a sua atitude passou à história através os documentos muito bem conservados no arquivo da Prefeitura Municipal de Manaus.138 Por esses arquivos alcançamos o termo de juramento do mesmo Macedo Português para o cargo de Juiz de Paz da freguesia de Serpa:

Aos dezanove dias do mês de Abril de mil oito centos trinta e sete anos nesta Villa de Manáos em a Casa que serve de Sala das Sessões da Camara Municipal onde se achavão reunida a mesma Camara em sessão extraordinaria as 9 horas do dia foi aberta asessão. O Presidente disse q. convou (sic) esta sessão p.ª ofim de se prestar ojuramento dos Santos Evangelhos á Antonio de Macedo Portuguez Eleito Juiz de Paz da Freguesia de Serpa, aq.m se havia ontem oficiado para esse fim, e sendo o mesmo presente, se lhe foi deferido o juramento do estilo na forma seguinte: Juro aos Santos Evangelhos de desempenhar as obrigações de Juiz de Paz da Freguesia de Serpa de promover quanto em mim couber, os meios de sustentar a felicidade pública.139

Pois esse fulano Macedo Português era mais tarde vereador e la voltar ao lugar que covardemente desamparara, quando da incursão dos cabanos. É claro que a horda atacante foi encontrando, por onde passava a adesão dos oprimidos, dos pequeninos, mas principalmente dos índios e dos negros, que se aproveitavam da situação de desordem para fugir, instalar os mocambos, os famosos mocambos do rio Madeira, tão famosos que deram nome a um local banhado por certo igarapé: igarapé do Mocambo. Era com esses elementos que Bernardo de Sena, representante da raça negra, e Apolinário Maparajuba, da raça amarela, contava. Daquela campanha contra Serpa, diz Bertinho Miranda:

A verdade é que os Cabanos preparam-se para retomar as posições perdidas. Já ocupam Serpa. E até supõem que combatem sob o comando de Maparajuba! Felizmente, e quando talvez o desanimo era maior, surgem no porto Ambrósio Ayres e duzentos companheiros. A principio, com a escuridão da noite, houve certo pânico. Imaginam que são os Cabanos, que é Maparajuba, sedento de vindita, e prestes a interná-los a ferro e a fogo. Bararoá destina- se ao Baixo Amazonas, para continuar com Sanches de Brito, a ofensiva de 1835. Vem primeiro a Manaus pedir um auxilio pecuniário. Espera que não lho neguem, uma vez que periga a defesa de todos. /A Camara formula diversas dúvidas. Parece-lhe que não será licito distrair os reditos municipais numa expedição que não possui investidura legitima. / Bararoá atalha logo, escrevendo de seu punho, na Ata, esta ressalva: “Quando o governo não aprova a despesa feita, obrigo-me com os meus bens”. Antes de partir, bate os cabanos em Moura. Promete que fará a mesma coisa em Serpa. / Manaus dispõe somente duma força de quatrocentos homens validos. Fora da Vila, um terço acompanha Taqueirinha no seu empenho belicoso de “encarar o furor dos malvados de Serpa”. Parece que esse desejo nunca se realiza. Pelo menos, em pleno dia, os Rebeldes desembarcam no Igarapé da Cachoeirinha (13 de novembro) e tomam conta do bairro dos Remédios.

Entrincheirados nas casas, que os Moradores abandonam espavoridos, rompem as hostilidades.140

O episódio a que se refere Bertinho Miranda pode ser lido nas atas da Câmara Municipal de Manaus, relativas àquele período. A respeito da atuação de Freire Taqueirinha, o documento abaixo diz bem de como se comportava o responsável pelo motim de 2 de junho em que tomba assassinado Bernardo de Sena:

O Senr. Commandante da Força Legal Manoel Antonio Freire Taqueirinha apresentou indicação do theor seguinte Indicação. Tendo adias tencionado marchar para a Freguezia de Serpa, com Força suficiente para encarar a fúria dos malvados, e como no dia de hontem chegasse noticia de os malvados acharem-se entrincheirados no Citio de Angelo Pedro, por este motivo proponho a minha pertenção, perante ao Senhor Prezidente, mais Membros desta Camara a ver se me consentem a seguir para baixo afim de rebater as ações viz de semelhantes Monstro convindo igualmente V. S. que hajão de me facilitar aforça que forme mister para o bom êxito de minha comissão. Manáos 4 de Novembro de 1836. O mesmo Senhor Commandante apresentou o seguinte Protexto cujo he de theor seguinte. Tendo as autoridades e Povo desta Villa levantado o Estandarte da Legalidade em trinta hum do mez de agosto proximo passado com a mais notável desporporção não só pelos ánimos assaz abatidos pelas ações praticadas pelos malvados de roubo mortes e assassinos, como por falta de meios e mesmo nada saberse de noticias da Capital, senão da sua dissulução e sem esperanças alguma de socorros que podesse alimentar as nossas Forças, que já a seis mezes, jazião (com bastante pezo e magoa do coração o lamentável jugo de sega obediência) sujeito ao brutal furor daquelles malvados, vendo-nos obrigados diante daquelas fúrias a assignar papeis endecorozos o que tudo se relevava coagidamente com tudo sustentados unicamente pela Justiça da nobre cauza que se devia e se deve defender conseguimos a palma da vitória como consta da Acta da Camara na sessão extraordinária em a data acima, e por que esta Villa se acha novamente ameaçada pelos faciozos tendo audácia chegarem ao nosso recinto em Jatuarana de donde forão repelidos pelo sempre memorável Capitam, Com Commandante da Força Defensora em a Barca Legalidade, em vista do que o Capitam Manoel Antonio Freire Taqueirinha, Commandante da Força legal extacionada nesta Villa e mais autoridades e Povo e mais habitantes das de mais Villas que se tem recolhido a esta para coadjuvar as nossas todos de mãos dadas tem protestado de baixo do mais solemne juramento não recoar as negras tentativas daqueles malvados e nem depor as armas em quanto não decidir a sorte daqueles transgressores das leis Divinas e humanas, e por firmeza de seus juramentos, oferecem sua vidas, e assim prontos a derramar no Campo da honra a ultima pinga de sangue pelo nosso Jovem Imperador o Senhor Dom Pedro segundo, pelos augustos reprezentantes da Nação Brazileira pela nossa Augusta Religião Catholica Apostólica Romana e pela Patria, e para que se consiga com mais vantagens esta importante tarefa sou a recomendar a todos os meus Patrios huma verdadeira constância huma perfeita união, baze esta que em todas as idades tem feito o Brilhantismo da sociedade bem como a felicidade dos Povos. Está conforme. Manáos 4 de Novembro de 1836. – Manaoel Antonio Freire Taqueirinha. O que foi aprovado por todos os circunstantes. Eu Jeronimo Affonso Nogueira, Secretario interino que a escrevi.

Por trezentos e trinta e seis Guardas

O Cap.m Manoel Ant. Fre Taquen.ª

Francisco Consalves Pinheiro Martinho Joaq.m do Carmo Mathias da Costa

Paulo Luis Teixeira de Mattos Joze Pereira Maquiné de Joaquim Rodrigues Gallado O Vigario João Antonio de S.ª 141

A ata do dia 22 de novembro do mesmo ano também está relacionada com os cabanos e Serpa, mas pouco diz a respeito daquela terrível campanha:

Em 31 d’Agacentarão as Authoridades e conseguirão proclamar a legalidade como consta da Acta n.º 1, tratandos-e de se offeciar as demais Villas pedindo-se força e munição e proclamando o benefício da Legalidade, e como houvesse noticia, q. na Freguezia de Serpa se reunião os Cabanos p.”nos vir atacar, em vista do que expedio-se huma força a rebater os Cabanos, e nada se conseguio, audácia dos malvados continuou aponto de no dia 13 atacar esta V. e conseguirão apossar-se da ponta do Remédio entranhando se pelas Cazas, de onde fazião fogo aos defensores da legalidade, em campo razo, e peito descoberto avançavão, e por que teimavão seguro, tomou-se a deliberação lançar fogo as cazas, efoi desta arte que conseguimos a victoria, ficando esta Villa desafrontada da catastrofe.142

De documentos a respeito de Serpa e da cabanagem é só o que existe. Aquela cruenta campanha que deixou largo rastro de sangue e de misérias e heroísmos de parte a parte, infelizmente não deixou muitos documentos a não serem as atas da Câmara Municipal da Vila da Barra e. outros documentos que por ventura existam no Pará. Todavia, seja-nos lícito falar sobre os últimos dias da cabanagem no Amazonas. Ela veio a terminar com a morte ainda muito misteriosa do caudilho Ambrósio Bararoá na região dos Autazes, um homem que levou uma vida misteriosa e cuja origem é bastante discutida. Não se sabe se foi morto pelos companheiros, ao regresso vitorioso da campanha, depois de arrasar os redutos de Icuipiranga, ou caiu em plena luta. O que se sabe com certeza é que morreu nos Autazes. O escritor português Gomes de Amorim, que entre nós esteve e deixou uma interessante literatura, aproveitou o tema e construiu um romance – Os Selvagens, em que liou a vida aventureira de Bararoá a de uma ciumenta nativa, responsável pelo seu assassinato. Esta, traída nos seus amores, volta-se contra o caudilho, torna-se amante de um Pedro Capoeira e consegue, a troco de umas tantas artimanhas, liquidar o comandante. É Pedro Capoeira quem nos Autazes corta a cabeça de Bararoá e atira-a sangrando no regaço da amante vingada. Um dramalhão perfeitamente conexo com a época e os costumes.

________________________

133 MIRANDA, Bertinho. A Cidade de Manaus. Sua história e seus motins políticos, 1700-1852. p.75. Manaus, 1908. Apesar do título, o livro de B. M. não é uma história de Manaus. Trata-se, apenas, de uma rápida história dos movimentos políticos que culminaram com a cabanagem. Para escrever o seu famoso livrinho, hoje raridade, B. M. aproveitou-se dos livros de atas das sessões da Câmara Municipal de Manaus, ainda muito bem conservados no arquivo da Prefeitura Municipal.

134 Atual cidade de Santarém.

135 Parece que há um duplo sentido nessa referência ao guerreiro Santiago. Sem aludirmos ao santoral, sabemos que o comandante militar da Comarca Manuel Machado da Silva Santiago havia poucos. dias antes assinado uma ata em que protesta deffender a Ley e liberdade Constitucional the a ultima. Curioso: foi o primeiro cidadão que desapareceu da vila quando a coisa ficou preta. Vd. Ata do dia 4 de abril de 1835, O texto do documento não diz que o militar fugiu, mas a verdade é que se retirou para os seus sítios.

136 Dulce et decorum est pro pátria mori. Horácio, numa exortação aos romanos.

137 MIRANDA. Bertinho. Op. cit., pág. 86.

138 Escrevo isto na década de 1950.

139 A ata referida é mais extensa. Citamos apenas a parte mais interessante. Atas A-1.

140 MIRANDA, Bertinho, Op. cit., p. 100-101.

141 Atas A 1.

142 Atas A 1.

*Mário Ypiranga Monteiro (1909-2004). Amazonense de Manaus, historiador, folclorista, geógrafo, professor jornalista e escritor. Pesquisador do INPA, membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas. É o autor que mais escreveu livros sobre História do Amazonas, com quase 50 títulos.

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