*André Lahoz Mendonça de Barros
Dorme em algum canto do YouTube o vídeo de um debate ocorrido na Faculdade de Filosofia da USP que envolveu três nomes de peso da esquerda brasileira, inclusive sua estrela maior, a filósofa Marilena Chaui. O ano era 2012, às vésperas da eleição para a prefeitura paulistana, e o tema em pauta, “A ascensão conservadora em São Paulo”. A pia teia era formada por não mais que cinquenta jovens e o encontro provavelmente já deve ter caído no esquecimento até dos presentes.
Dois dos palestrantes da noite advertiram, bem antes de a crise econômica bater forte, que o pêndulo da política começava a se mover. O cientista político André Singer, ex-porta-voz de Lula. chamou atenção para algo que percebia novo na cena brasileira: o fim da hegemonia cultural da esquerda. Em 1970, o crítico Roberto Schwarz mostrara no ensaio “Cultura e política, 1964-1969” como a esquerda deteve essa hegemonia cultural mesmo quando era brutalmente perseguida. E isso perdurou por décadas. Naquela noite, Singer descreveu o que lhe pareciam ser os primeiros indícios de que parte da nova classe média – os segmentos que ascenderam socialmente sob os governos do PT – não seguia a cartilha do partido. Atribuía o sucesso individual mais ao talento e ao esforço do que à ação estatal. O filósofo Vladimir Safatle corroborou o raciocínio e foi além: para ele, o ciclo político do PT já se havia esgotado.
Marilena pensava diferente. Num vídeo que viralizou (“Eu odeio a classe média!”), a filósofa recusou a ideia
12 DE abril, 2017 63 de uma nova classe média: em seu esquema, os milhões que saíram da pobreza ingressaram na classe trabalhadora. A qual se opõe à burguesia. Trabalho versus capital. À classe média cabe um papel secundário de apoio aos capitalistas. Daí toda a revolta de Marilena quanto à noção de que o governo Lula estaria fornecendo soldados às hostes inimigas.
Fernando Haddad venceria a eleição um mês depois e a “ascensão conservadora” foi adiada. Mas, na última semana, uma pesquisa conduzida pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, resgatou muito daquelas ideias. A fundação queria entender o que havia levado legiões da periferia de São Paulo a votar em João
Doria. As conclusões são parecidas com o insight de Singer: o eleitor pobre parece seguir uma visão muito mais liberal do mundo. O Estado não é visto como solução; ele é o inimigo que atrapalha quem empreende e dá empregos. Patrão e empregado são diferentes, mas remam no mesmo barco. A prosperidade é fruto do esforço, não da ação de movimentos de classe. O indivíduo conta. As pessoas querem competir e prosperar, apesar das dificuldades da vida na periferia. Muitos sonham em empreender.
Se o governo Temer vencer a batalha das reformas no Congresso – o que não será fácil-, a grande questão econômica passará a ser a agenda do próximo presidente. É difícil fazer previsões em tempos de Lava-Jato. Mas os ventos parecem soprar para a direita. Vamos ouvir muito falar em João Doria.
*Economista. Matéria na Revista Veja, Edição nº 2525 de 12/04/2017.
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