“Desenfreada ocupação e usufruto de ‘flutuantes’ deixou de ser por necessidade de vida para se traduzir em demonstração de poder econômico e social”
Tem sido repetitivo o debate sobre a ocupação dita irregular de solo urbano, notadamente nas grandes capitais brasileiras, seja pelo enfoque social que traduz a elevada necessidade de grande parte da população, seja pelas implicações que carreia para a saúde pública, segurança, transporte e mobilidade além da complexidade de problemas dela decorrentes e repercussões graves para os ocupantes e para os governos.
Trata-se de questão ainda não resolvida em Manaus e, ao que parece, com solução quase impossível diante do constante e elevado crescimento populacional que não tem permitido que projetos nesse sentido consigam ser implementados, a tempo e a hora, antes que nova invasão de terras seja efetivada e os problemas se ampliem.
Como se não bastasse essa questão grave, sob todos os pontos de vista, outra vem se desenhando nos últimos tempos a qual será de maiores consequências, pois suas implicações terão repercussão mais ampla do que se pode pensar. Também não é coisa nova, mas se reapresenta sob outros desenhos e fundamentos, a desafiar as entidades de proteção ambiental, de segurança fluvial, de saúde, e, também, de segurança social, para ser mais abrangente.
O que antigamente, desde os anos 1940, mais ou menos, foi solução de habitação para as famílias mais pobres e advindas do interior ou mesmo de outras regiões vizinhas ao Amazonas, se tornou, há pouco tempo, em experimentação de la zer e turismo informal para grupos mais abastados e aventureiros, e vem ocupando regiões interiores do território aquático manauense, sem dó nem piedade, se constituindo em verdadeira invasão das águas comuns a toda a população e sem qualquer respeito e resguardo às condições de uso e conservação desse precioso bem coletivo.
A desenfreada construção, instalação, ocupação e usufruto de “flutuantes” deixou de ser por imperiosa necessidade de vida para se traduzir em demonstração de poder econômico e social, um negócio para alguns, um desastre ambiental iminente que pode ganhar proporções desmedidas, sem que tenha havido, pelo menos até agora e que seja do meu conhecimento, qualquer providência de contenção, ordenamento e rigor e a correta proibição, por parte de quem de direito.
Há lugres mais sacrificados no momento, como sucede com o Tarumã, cuja beleza sempre foi cantada em prosa e verso e a conservação integral se fazia constante, propiciando lazer, contemplação e usufruição amigável entre o homem e a natureza. Como se vê de uma simples passada de olhos, e até onde a vista alcança, as águas escuras e belas estão sendo intensamente marcadas pela instalação de equipamentos que, em nome do lazer de poucos que podem pagar portais encantos, põem em perigo real o direito de todos, inclusive, o das futuras gerações como assinalado pela Constituição da República e é matéria constante nos estudos acadêmicos sobre o tema.
É hora de dar um basta, colocar ordem na casa enquanto é tempo, como diziam os mais antigos, até porque a conhecida Cidade Flutuante de antanho, edificada por anos seguidos na parte frontal da nossa cidade, para ser demolida e ter sua população acomodada de forma minimamente adequada, exigiu forte ação do Poder Público e altos dispêndios, e não será justo que, diante dessa experiência amplamente conhecida, nos vejamos sujeitos a conviver, mais uma vez, com uma cidade flutuante feita em sua esmagadora maioria para deleite e desfrute irregular dos rios amazônicos.
É hora, pois, de conter a invasão e ocupação irregular de nossas águas.