Manaus, 12 de novembro de 2025

Os frutos da esperança

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Continuação…

Um livro sempre atual1

Este livro de Olavo Bilac (1865-1918) e Guimarães Passos (1867- 1909) foi lançado há mais de 100 anos. De lá para cá recebeu inúmeras reedições, principalmente a partir do momento em que os respectivos direitos de autor entraram em regime de domínio público. Fez sucesso por conta da popularidade e do conceito de que gozavam os seus autores, mas, sem dúvida, face à qualidade de sua realização didática. É, em verdade, um tratado sobre a arte de escrever poemas e, também, um balanço completo da poesia brasileira desde as origens aos idos de 1905, ano de seu lançamento. Mas não poderia padecer, tal como se evidencia na primeira parte, dos lapsos provocados pelo conflito de gerações, nem, tão pouco, das rivalidades próprias aos ambientes intelectuais em todos os tempos e em todos os meios. Olavo Bilac e Guimarães Passos eram próceres da Escola Parnasiana. Bilac somava com Alberto de Oliveira (1859-1937) e Raimundo Correia (1860-1911), célebre tríade cultora da estética parnasiana, defendida com unhas e dentes, sob a liderança polêmica do poeta de ouvir estrelas, que também teve militância jornalística das mais combativas e cultivou a oratória com recursos excepcionais em seu tempo. O preconceito de escola acabou por prejudicar a primeira parte do livro A poesia no Brasil em que Bilac e Guimarães Passos foram fundo na pesquisa, não deixando de fora nem os poetas provincianos na fileira do romântico Franco de Sá (1836-1856), buscado em São Luiz do Maranhão, e do árcade tardio Tenreiro Aranha (1769-1811), alcançado em Barcelos, no Amazonas, Esqueceram-se, no entanto dos Simbolistas, entre os quais lembro o divisor de águas que foi Cruz e Souza (1861-1898). Não nomearam o precursor da poesia moderna e um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos que é Augusto dos Anjos (1884-1914). Esforçaram-se em desconhecer Sousândrade (1833-1902), mais tarde reconhecido como o primeiro poeta de vanguarda do país. O mais grave é que esses autores não foram só esquecidos, mas, simplesmente, repudiados pelos autores do livro, conforme se infere da citação a seguir. Dizem eles:

Depois de Castro Alves, e antes, ou simultaneamente com os parnasianos, apareceram no Brasil alguns adeptos de “uma poesia científica”, que não chegaram a formar escola. Depois dos parnasianos, apareceram alguns simbolistas; mas o seu simbolismo nada teve de característico.

Feita a ressalva, necessária até como lembrete aos que movem céus e terra acionados pelos preconceitos de qualquer natureza, encastelando-se nas várias esferas de poder e acham que assim empoleirados podem pairar acima da lei e dos bons costumes, este livro é, em verdade, um raro tratado de poética, lançado em linguagem simples e de fácil acesso aos cortesãos das musas. Embora se verifique o registro de tais deslizes do ponto de vista teórico, no âmbito formal o tratado é perfeito. Sobre a métrica e a rima não deixa nenhum ponto em branco. Seus autores ensinam tudo com a generosidade de genuínos mestres. Dos gêneros poéticos vão do épico às várias formas da poesia lírica. Fundamentam na história da cultura os conceitos abraçados desde o humanismo clássico. Cuidam, ainda, dos gêneros dramáticos, satíricos e didáticos, tudo exposto de modo claro e completo domínio da matéria. De outro lado o leitor vai encontrar uma autêntica antologia da produção poética nacional até 1905, face aos textos citados para exemplificar os saberes prelecionados. O leitor, no entanto, não encontrará e nem poderia encontrar no livro nenhum exemplo do verso livre dominante a partir do movimento modernista de 1922, acontecido a 17 anos de sua publicação.

O livro é, ainda, uma excelente amostra do comportamento revelado na poética de Bilac, no seu parnasianismo, escola literária que preconizava a primazia da forma sobre o conteúdo, e o distanciou de alguns dos leitores mais assíduos da boa literatura na minha geração. Esses leitores eram poetas e ensaístas, críticos literários, e cultivavam a poesia moderna que recomendava o predomínio do conteúdo sobre a forma, embora já sofressem influência dos poetas da geração de 45, que, após a experiência modernista, segundo os teóricos do período, estabeleceu a prevalência da forma, com uma visão nova da vida, um novo conteúdo, portanto. Nos poetas de 45 houve como que um retorno aos ideais das formas fixas, cultivando-se o soneto. Perdia a ascendência o verso livre dos modernistas da primeira geração e restaurava-se agora o formato fixo do verso medido, das redondilhas, do decassílabo, do alexandrino, à maneira dos parnasianos, com uma diferença fundamental, porque o verso dos pós-parnasianos alimentava-se de uma visão de mundo liberta do pessimismo existencial, marcante nos períodos anteriores, mais notadamente no romantismo e no parnasianismo, produto da postura ideológica do realismo-naturalismo. Os poetas de 45 parece estarem em paz com a vida, com o amor na relação do homem com a mulher, embora revelem alguma sombra de angústia existencial, inquietação espiritual com sinais de nostalgia do eterno.

Alguns poetas da minha geração julgavam Bilac artificioso demais. Houve quem chegasse ao extremo de considerá-lo um equívoco. Mas desde o momento do meu ingresso na Academia Amazonense de Letras, para ocupar a cadeira de que o poeta é patrono, passei a estudá-lo com afinco e desvelar ângulos preciosos de sua poética tão discutida e controversa, atendo-me a peças de indiscutível cunho imortal, como o soneto As velhas árvores. Mesmo porque a definição das escolas literárias, do ponto de vista didático, serve mais para ajudar os professores de literatura a se desincumbirem junto aos seus alunos com um bom desempenho, porque o poeta, na dimensão do seu entusiasmo criador, transcende os modismos temporais e ganha condição de permanência na grandeza da sua capacidade em expressar os ideais do seu tempo. Bilac é essencialmente isso. É acima de tudo um artista. Nele a arte literária se consuma na sua mais legítima condição. Nele poesia e arte se completam, pois não existe poema sem arte, nem a arte se conclui alienada do conteúdo de sentimento, de emoção e de amor pela vida, a cuja expressão se dá o nome de poesia.

Do ponto de vista cultural, o formalismo de Bilac é muito fruto do estilo de vida adotado no Brasil da Primeira República, no parecer de Afonso Arinos de Melo Franco (1905-1990). Em verdade, agora me recorda ao apreciar o juízo emitido pelo autor de A alma do tempo (José Olímpio, 1961) sobre o poeta de Via Láctea, a imagem desse período estampado nos meus livros de escola. Quando menino eu via os retratos daqueles homens nesses livros e me davam a impressão de que eram de pedra. Exibiam-nos como estátuas, heroicos, impávidos, definitivos e eternos. Bilac foi o porta-voz dessa sociedade e desse período de nossa história social e política. O romantismo e o sensualismo identificado em seus poemas na linha do Beijo eterno, Alvorada do Amor, Depois do baile, contrastam com a postura austera de um autêntico mestre escola, revelada nos poemas de inspiração patriótica, exortando as crianças e os jovens a amarem o seu país, um país sem igual no mundo, numa visão ufanista própria também daquela quadra de afirmação da nacionalidade. Outro aspecto a ser observado, nessa mesma linha, é a celebração da vida heroica demonstrada em O caçador de esmeraldas, um dos seus mais longos poemas, de onde trescala um ilustre sopro épico.

A vocação de educador do poeta motivou-o a publicar poemas didáticos e se envolver com a ideologia do Serviço Militar obrigatório, preconizado desde os primeiros documentos constitucionais brasileiros que consagravam o direito do uso das armas na defesa do território e da soberania nacional. Bilac, nos anos de 1915 e 1916, patrocinou campanha, acrescentando àqueles princípios, a obrigatoriedade da prática desses serviços como preito de amor à Pátria, e considerando o quartel uma escola de civismo. É curioso como essa visão de mundo se coaduna com a estética do parnasianismo, a indução de atitudes formais no processo educacional, o condicionamento dos reflexos que constitui o rudimento da formação castrense, sensível ainda às ações de comando que orientam a essência dos procedimentos de caserna, conjuntura bem assimilada pelo poeta que via nisso a concretização do lema inscrito na bandeira nacional, o ordem e progresso inspirado em preceitos positivistas.

Certa feita, em conversa com um sacerdote católico misto de oficial militar, em virtude de sua qualidade de Capelão de uma arma do Exército Brasileiro, e ante as críticas que lhe fazia pelo excesso de condicionamento físico e psicológico do soldado, convenceu-me das suas razões. Deu-me como exemplo a sua própria experiência. Ele era paraquedista e me disse que sem um reflexo bem treinado, na hora de acionar os controles e abrir o aparelho na emergência de alguma falha no seu funcionamento, o sujeito pode perder o domínio da operação e despencar do espaço. Durante a queda, a partir do momento do salto do portaló que se abre em sua frente na aeronave, em uma altitude de doze mil pés, até o paraquedas estabilizar-se no seu voo lento, só funcionam os reflexos, tal a velocidade do ritmo com que se realiza a operação. O ilustre Capelão me convenceu dos motivos que levam os métodos militares a imporem nos seus treinamentos o condicionamento físico e psicológico, no comando dos profissionais das armas. Bilac, porém, via mais. Ele via no cerimonial dos procedimentos da caserna, profundamente marcado por atitudes formais, desde os vários estilos de marcha, à posição de sentido e a obrigatoriedade da continência de subordinados frente a superiores, uma oportunidade de formação do civismo, sinônimo de patriotismo, isto é, o amor à pátria que é a virtude primordial da República, enfim, numa conotação mais atual. na qualificação social da cidadania.

Como se vê, há algum exagero na exclusividade dessa indicação, porque existem outros meios, nem tão exigentes na formalidade dos atos, capazes de despertar no jovem a consciência de cidadania, através do conhecimento e da conquista do saber. Conhecimento e conquista do saber que os jovens aspirantes à poesia encontrarão neste livro.

Manaus, Praia da Ponta Negra, janeiro de 2012.

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1 Apresentação do livro a uma nova edição que não foi realizada.

Continua na próxima edição…

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