Continuação…
O prelúdio do poeta
A poesia sempre esteve associada à música. A história da literatura se encanta com a lírica medieval, as baladas e cantigas provençais, o sonsinho do soneto e as danças coloridas do povo. Mas as coisas aconteceram muito mais além. Não tenho dúvida de que a poesia nasceu com o homem e com ela ele se desenvolveu. Por isso, é que o Evangelista dizia na abertura do belo poema inaugural do seu evangelho que “no princípio era o Verbo” (São João).
O verbo que conferiu nome às criaturas e identificou os fenômenos do mundo, as tempestades, as enchentes e as vazantes dos rios, o movimento das estrelas do céu, o sol e a lua.
O verbo que definiu os sentimentos do mundo (Drummond) e o significado do amor visto por diversos ângulos, mas sempre comprometido com as dimensões da vida.
A poesia, enfim, cresceu com a música e os poetas não se esquecem disso.
Não se esquecem como Tenório Telles não esqueceu ao se entregar à emoção deste seu novo livro de poemas, Prelúdio Coral, numa busca de parceria com Johann Sebastian Bach, o mestre dos sons e da transcendência, expressos nos seus prelúdios imortais. Nesse livro está a vida do poeta ancorado no porto para se abastecer da grande viagem, até quando a indesejável das gentes (Bandeira), vem para ameaçar os caminhos com a sua escuridão, desejosa de disputar com o homem um lugar no mundo, destruindo-o. Mas o poeta vai buscar a sua força para vencê-la “no verdor da casca/das folhas molhadas de luz/ e/ nos pomos solares/ da árvore sonâmbula/ do pomar- lá onde Deus/ esqueceu o sêmen originário/ que/ se transfigura/nas plantas/ nos bichos/ nas formigas/e/ nas pedras/fruto prenunciado/ na linfa que nutre/ os segredos da semente”.
Nos seus versos livres ele enfrenta as águas de sua viagem no grande mar, onde se perdeu e se encontrou, e navega junto com alguém, talvez a imagem de si mesmo, talvez outro ser que o complete, o reencontro com Deus. E aí os seus poemas são escritos nas águas da palavra e do canto.
De repente, no primeiro Interlúdio, o poeta se tranquiliza, recolhe-se à forma do haicai, e, entre eles diz:
nuvens multicores
dançam – o dia car-
regando o sol.
Em seguida retoma o ritmo do verso livre da viagem e volta “ao porto em que/ menino/ te vi partindo/ e/ me acenaste/ com teu lencinho azul”.
Aí o poeta percebe que “o mundo está saturado de palavras” e constrói o desenho de um momento de bom humor:
no jardim a cigarra
fuma o seu cachimbo
O cachimbo da paz, naquelas árvores que nos surpreendem com as suas frondes derramadas sobre as janelas de nossa casa, as mesmas árvores que abrigam os pássaros em suas conversas sobre a viagem de cada um, nas tempestades e nas manhãs claras, onde eles ensinam a suas crias a cantar e a voar.
Tenório Telles parou um pouco para trabalhar a sua poética. Há vinte e quatro anos aliou, à sala de aula onde ministra cursos de Literatura, a editoração, tendo preparado a edição de um mil e cem livros ao lado de Isaac Maciel na Valer Editora de Manaus. Editou autores contemporâneos, estreantes e os clássicos amazônicos desde as origens aos dias de hoje, a Amazoniana, de Alexandre Rodrigues Ferreira a Nunes Pereira, de Tenreiro Aranha a Luiz Bacellar, com alguns títulos então de difícil acesso ao leitor de hoje. Estimulou a produção de literatura infantojuvenil e lançou belas coleções no gênero, numa programação editorial pioneira entre nós, dirigida à formação de leitores.
O poeta voltou à sala de aula, agora para completar a sua formação acadêmica, na cidade de São Paulo. Em 2019, concluiu o mestrado com a dissertação O sagrado na lírica de Murilo Mendes e está encerrando o doutorado em Literatura e Crítica Literária, com a tese O sagrado na lírica de Hölderlin e Murilo Mendes,
Fez uma pausa também para se recolher aos seus poemas. Este livro enfim é um testemunho da resistência do poeta que se salvou velejando entre a alegria das metáforas que brilham como as estrelas no céu, quando a noite azul oferece às criaturas a chance de se enriquecerem com o que há de melhor nos caminhos que as iluminam.
E não vai estacionar. O poeta anuncia que retomou a sua viagem.
Manaus, Praia da Ponta Negra, o rio parou de subir e se prepara para baixar, em junho de 2020.
Continua na próxima edição…
Views: 2



















