Continuação…
A arte da madeira1
Neste catálogo falam os textos assinados pelos dirigentes das instituições promotoras, o testemunho dos designers monitores dos projetos elaborados e as legendas ilustrativas das peças desta exposição. Mas fala mais alto o diálogo estabelecido entre professores e alunos, segundo pode-se conferir dos documentos aqui reunidos, conversas ricas em solidariedade humana e que ofereceram a possibilidade de acrescentar, à experiência intelectual desses artistas, uma visão nova sobre a realidade amazônica. Vê-se, pela demonstração desses registros, que a metodologia adotada no trabalho fugiu o quanto possível das práticas convencionais. E o resultado foi a obra que estamos avaliando nesta exposição e de que é um belo resumo este catálogo.
Toda obra de arte necessita de uma linguagem própria, de uma forma de expressão, de um meio com que o artista se revele e assim comungue, num abraço fraterno, com os seus semelhantes. Na arte da madeira fala a linguagem da madeira. E nada mais rico há, nesse universo, do que a floresta amazônica. A diversidade de espécies, com os cheiros, os travos, as cores e a textura dos seus âmagos, oferece ao artista as amplas possibilidades de expressão observadas nesta mostra. Põe-se, ainda, em relevo, o aspecto eminentemente preservacionista respeitado nesta atividade. Num pensamento livre de qualquer nódoa de maniqueísmo, pode-se dizer que a Amazônia, só a Amazônia, pela própria diversidade de sua natureza, é capaz de oferecer muitas espécies em espaços reduzidos de área florestal, possibilitando, de outro modo, que, no lugar das árvores cortadas, sejam plantadas outras, num processo racional de renovação.
Observa-se, com clareza, na concepção das formas, a efetivação de uns intercâmbios essenciais, ocorridos entre o tradicional artesanato dos trabalhadores da madeira da região, e o pensamento estético ocidental, mais propriamente agitado com o movimento renascentista italiano, período da história da arte que mais deixou profundas marcas no fazer artístico moderno. Superado o ciclo medieval, em que se buscava a revelação, com o renascimento, o artista, entre outras atitudes adotadas, voltou-se para a realidade circundante, mostrando, assim, um novo mundo, com os sentimentos humanos à flor da pele, como se tudo houvesse renascido.
Numa reflexão sobre a matéria, há de se distinguir, nos seus modos de ser, a postura do artesão e a do artista. Todo artista possui muito de artesão, mas nem todo artesão é um artista. Para alcançar os objetivos de sua sensibilidade, o artista precisa conhecer as técnicas do artesanato. Já o artesão se satisfaz em copiar a realidade, mesmo que tenha adquirido com a prática o corte mais preciso do formão e a dança mais doce da goiva sobre a peça de madeira. O artista não se satisfaz com a cópia. O artista até pode sensibilizar-se com a realidade nua e crua, mas para transformá-la, como fizeram os autores dos trabalhos desta exposição.
Artesanato e arte, estética e realidade geográfica, se harmonizam nesta exposição, em que se percebe, com clareza, por exemplo, a presença da Amazônia nos objetos com que se fixa a concepção da piranha caju com seu poderoso maxilar, do desenho do olha da calda do tucunaré, das praias do rio Amazonas no município de Itacoatiara; dos móveis inspirados no arco e flechas e nas cuias estilizadas dos moradores de Manaus; nas formas da mulher amazonense, no uso do caroço de tucumã, na transposição dos moldes de água formados pelas cachoeiras do município de Presidente Figueiredo.
O que se concluí, ao apreciar as peças desta exposição, é que os seus patrocinadores, o Sebrae, o Inpa, a Fucapi, com a iniciativa provocaram um salto qualitativo invulgar, comprovando o talento, a capacidade criadora e o poder transformador do homem da Amazônia.
1 Texto escrito para apresentar um catálogo de exposição de moveis de madeira construídos por artesãos amazonenses.
Continua na próxima edição…
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