“Vivemos nova Páscoa em cenário completamente diferente, com uma cidade multiplicada em profissões de amore religiosidade, e em grande parte recolhida sob o temor da pandemia de uma gripe voraz, mas sem perder a fé e a esperança”
A expressão da fé entre os amazonenses vem de há muito. Repetidos anos as famílias se reúnem, conforme a religião que professam, para o encontro da Páscoa. Dentre as muitas programações que ornam a história da nossa sociedade em relação a esses atos, julgo, sem pensar em impedir contestações, que aqueles que foram levados a efeito em 1885 tiveram forma bastante expressiva e, por isso, sem demérito de outros tantos, decidi recuperá-los nesses tempos de pandemia e recolhimento social.
Naquela época a religião católica apostólica romana predominava como oficial do Império do Brasil, o que também levava a população a professá-la com regularidade, uns com entusiasmo, outros por submissão. As celebrações de missas eram frequente se davam-se nas igrejas de Nossa Senhora dos Remédios e Nossa Senhora da Conceição, em horários matutinos e vespertinos, além da exposição do Santíssimo Sacramento, das solenidades de meio-ofício das trevas e do conhecido lava-pés, sempre na igreja matriz, da qual sala a procissão dos fogaréus.
Em outro dia rezou-se a missa dos pré-santificados, procedeu-se ao descimento do Senhor e à adoração da Cruz, eventos que reuniram muitos populares na matriz da Conceição. Partindo da Igreja do Seminário de São José saiu a procissão do enterro, iniciando às seis da tarde, com grande acompanhamento, seguindo até a matriz. Era um trajeto curto, mas os fiéis fizeram questão de caminhar, convictos, terços à mão e véus sobre as cabeças pecadoras que buscavam redimir dívidas. Seguia pela Praça da Imperatriz, Rua Municipal, Praça Pedro II, Rua Henrique Antony, Matriz, Rua Municipal, Rua do Imperador, Rua marques de Santa Cruz e ponte do Espírito Santo.
O esperado Sermão da Paixão deu-se nas duas igrejas da cidade, mas a procissão da Soledade circundou apenas a própria matriz da Conceição, a santa padroeira da cidade desde que os padres carmelitas adentraram à Barra do Rio Negro.
Naqueles anos o sábado era dito de Aleluia. E foi naquele dia que se deu a Benção do Fogo, do Círio Pascal, da Pia Batismal tudo seguido de missa solene. Embora os quatro dias de eventos católicos tenham sido intensos e com grande afluência de público, um dos momentos mais esperados era o Domingo de Páscoa, no qual dava se a redenção da alegria após o acompanhamento do sofrimento de Jesus Cristo como ensinavam os párocos da época. Por isso todos os eventos católicos tiveram outra pompa. Acontecia o instrumental na igreja da Conceição, ainda bem cedo, precisamente às 4,30 horas da madrugada, e, em seguida, às 5h., na igreja dos Remédios. O “Te Deum solene realizado naquela noite especial de domingo, entretanto, levou o povo a ocupar todos os bancos da matriz da Conceição e deixou seus arredores apinhados em grande movimento de fiéis em trajes de gala.
Além dessas respeitáveis solenidades havia hábito diferente no cotidiano da cidade. Silêncio quase sepulcral por todas as casas. Terços rezados em família. Reflexão profunda, especialmente dentre a população de senhoras mais idosas, mas a cidade parecia parar e quedar-se aos atos de contrição e fé sempre bem recomendados naquelas ocasiões.
Depois, os eventos mundanos. No Teatro Beneficente, no dia da Páscoa, deu-se um grande festival dramático com os destacados artistas Cândida de Mendonça e Antônio dos Passos, sob a direção de Augusto César e orquestra sob a regência do professor N. Lavor. As comédias “FFF, RRR”, de Bartolomeu de Magalhães, “Ao calçar das luvas para o casamento” de Rangel de Lima e “Madalena Remedida” de José Romano, além de “Tribulação e Aventura”.
Passados mais de cem anos vivemos nova Páscoa em cenário completamente diferente, com uma cidade multiplicada em profissões de amore religiosidade, e em grande parte recolhida sob o temor da pandemia de uma gripe voraz, mas sem perder a fé e a esperança.