Manaus, 26 de julho de 2024

Pax-vóbis, Auricélia!

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A morte de Auricélia Fernandes, ocorrida na manhã de ontem (22/02/2016), silenciou Itacoatiara: cidade que a viu nascer e onde se fez professora de nível médio, além de intelectual ativa e muito produtiva; cidade que amou profundamente e enalteceu com versos românicos, telúricos, cheios de deslumbramentos. Nascida aos 14/06/1941, a ilustre poetisa era graduada em Ciências Sociais e foi membro cofundadora da Academia Itacoatiarense de Letras. Além da participação em eventos promovidos pelo FECANI, publicou As quatro Lenes e Motim dos Retábulos e deixou inéditos os livros Devaneios, A razão de uma esperança, Perfil de um grande amor e O poder das vidraças. Sua poesia é repleta de musicalidade, mas contrasta com a variedade dos temas que aborda: amor à terra natal, saudade, dramas, decepções, morte, misticismo.

O desenlace da poetisa deu-se numa segunda-feira, exatamente como pedira em um de seus últimos poemas: Quero morrer numa segunda-feira / Sem dobrar o sino, sem canto funeral /Mas quero que todos compreendam / que a morte para mim não é o final.

Seu apelo fúnebre foi atendido pelo alto comando celestial. Coincidiu com aquilo que lhe reservara o destino. Puro mistério; um segredo, um enigma que é impenetrável à razão humana. Tema que oportuniza a reflexão. Mistério é a qualidade estranha e imponderável que a todos prende e encanta. Segundo os teólogos, “No cristianismo [mistério] é desígnio divino sobre a história do mundo, especialmente sobre a salvação, manifestado no tempo”. Esse poema de Auricélia me faz lembrar Augusto dos Anjos (1884-1914), cuja poesia violenta, que canta a miséria da carne em putrefação, rendeu-lhe o epíteto de “Poeta da morte”, dada a obsessão que o poeta nutria pelo tema. Esses elementos podem ser observados no poema “Versos Íntimos”: Vês! Ninguém assistiu ao formidável / Enterro de tua última quimera. /Somente a Ingratidão – esta pantera – / Foi tua companheira inseparável! / Acostuma-te à lama que te espera!

O corpo de Auricélia Fernandes foi transladado para Itacoatiara e sepultado no Cemitério Divino Espírito Santo, hoje à tarde, depois de receber homenagens na sede do Centro Recreativo dos Professores de Itacoatiara, na Igreja de São José Operário e na Academia Itacoatiarense de Letras.

Durante sua trajetória terrena, Auricélia Fernandes enfrentou desafios, foi persistente e corajosa. Pelejou pela educação, pela cultura e pela paz. Em muitas ocasiões, celebrou a vida junto a seus familiares, amigos comuns e companheiros de intelectualidade. Assídua frequentadora de solenidades, desde as mais simples às mais importantes, cívicas ou comemorativas, aqui e ali estava declamando e, por que tinha o dom da palavra, quando falava cativava o coração de todos os presentes.

Só a morte emudeceria a outrora irrequieta estudante do grupo escolar Coronel Cruz e do colégio Nossa Senhora do Rosário, a expansiva professora da escola Vital de Mendonça e a mui falante poetisa-acadêmica de Itacoatiara.  Hoje, estreando entre os habitantes do espaço sideral, sob o clarão de milhões de estrelas, Auricélia Fernandes declama com Luís Vaz de Camões (1524-1580): Se lá no assento etéreo, onde subiste, / memória desta vida se consente, / não te esqueças daquele amor ardente / que já nos olhos meus tão puro viste.

Descansa em paz, Auricélia!

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