Manaus, 16 de setembro de 2024

Por que atraso?

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Recebi crítica, que agradeço, sensibilizado, ao que escrevi na crônica da semana que passou, falando do que chamei de temporada de delírio das vaidades. Respeito a discordância, embora não consiga encontrar, no que disse, nada que se reporte a xenofobia, até porque, filho de baiano com pernambucana, devoto, por exemplo, profundo respeito ao legado de Eduardo Ribeiro, nascido em São Luís do Maranhão em 18 de setembro de 1862. Tê-la-ei praticado, isto sim, quando reservei 80% das vagas postas em vestibular na nossa Universidade do Estado do Amazonas, quando lá estive como primeiro reitor, para os que, trabalhando no Amazonas, nascidos aqui ou não, contribuíam, diretamente ou por familiares seus, para a composição dos recursos financeiros que sustentavam a Instituição. O que mencionei foi que a um governante, pelo fato simples de não haver nascido e morado desde cedo no Amazonas, não se lhe pode conferir o direito de desconhecimento de pelo menos parte da história deste lugar, de sorte a poder, negando o quanto constitui legado dos que o antecederam, falar de necessidade de resgatar não sei quantos anos de atraso. É que, professor por vocação e por convicção por mais de meio século, tenho como indispensável aos que fazemos a história, respeitar a verdade.

Nas tribos, os caciques costumam impor-se sobretudo pelo esmero no exercício de seu mister e pelo respeito que merecem por prezarem sempre a verdade, tal como no magistério. E nisso, você tem inteira razão, meu caro amigo, se me permite chamá-lo assim. E, para atender ao que me pediu, vou falar de coisas feitas no passado que lustram os tempos de hoje.

Em 2002, não havia acesso fácil à rede mundial de computadores na quase totalidade dos municípios do interior do Amazonas. Em Manaus, era precário. Pois bem, utilizando a televisão e o telefone, com banda de satélite propriamente alugada, a Universidade do Estado do Amazonas, criada no ano anterior, realizou o maior programa de graduação de que se tem notícia neste Estado, formando mais de 15.000 professores das séries iniciais do ensino fundamental, correspondente a 98% da rede pública, em Manaus e em todos os 61 municípios do Interior do Estado. Olhos de quem quer ver conduzirão, certamente, a manter a proclamação, tantas vezes feita desde então, de que se tratou de um divisor de águas na qualidade da educação neste canto do Brasil. Os prêmios que o PROFORMAR recebeu – essa era a sigla do programa – inclusive da UNESCO, não constituem qualquer coisa que que se possa desprezar só porque se angaria votos.

Diga-se o mesmo do “Reescrevendo o Futuro”, que tirou da escuridão do analfabetismo mais de 125.000 brasileiros de até 75 anos de idade. Não há registro de programa igual, capaz de abrir as portas da cidadania e da liberdade a quem habitava os lugares mais longínquos, as comunidades mais distantes, em todos os municípios do Amazonas. Era, talvez, a Universidade construindo os tempos de hoje.

Já em 2001, em seu primeiro vestibular, a UEA reservava 50% das vagas dos cursos de medicina, odontologia e enfermagem para alunos do Interior do Estado, aos quais recebeu em Casa do Estudante instalada em prédio de 5 andares, em Manaus, com serviços de hotelaria, e a quem garantiu transporte e alimentação durante todo o curso. Dia desses, para minha alegria, tomei conhecimento de que o chefe de um dos serviços de cirurgia cardíaca de hospital especializado em São Paulo é ex-aluno da UEA, vindo de município do Interior.

A telemedicina, que a Universidade dos povos da floresta implantou e distribuiu para o país, já permitiu a realização de mais de milhão de exames, mesmo nos municípios mais distantes da Capital com leitura e análise em Manaus, para orientação dos médicos locais. Não há atraso nisso, penso, nem mesmo no envio dos resultados. Vidas salvas, isto sim, diferente, bem diferente, do que se deu recentemente na pandemia quando faltou leito e oxigênio nos hospitais públicos de Manaus.

O gasoduto Coari-Manaus é fonte indiscutível de geração e de manutenção de emprego e renda. Perguntem ao povo de Coari o quanto se modificou sua qualidade de vida nos anos em que hoje se diz que nada houve.

O Amazonas foi o primeiro Estado da Federação a criar programa assistencial que buscou colocar alimento na mesa dos brasileiros de renda menor. O “Direito à Vida”, criado pelo Amazonino, é a origem do cartão que hoje inclusive serve à campanha para a Presidência da República, assim como para o Governo daqui. E, naquela época, graças a Deus não havíamos tido uma pandemia que conduzisse os governos a aconselhar as pessoas a ficarem em casa, com as consequências conhecidas sobre a economia do País. O “Prato Cidadão” fez a 1 real o alimento diário para os mais pobres, também quando não havia o desastre causado pela gripe importada da China, com efeitos em todo o planeta. Você tem razão, amigo, em dizer que ninguém reinventa a roda, sem incorrer em delírio de vaidade.

Na Secretaria de Educação, em 2018, chegamos à ousadia, com um grupo extraordinário de técnicos que ali existe, de construir, com livros propriamente escritos por nossos professores, o embrião do que viria a ser um modelo de educação. Foi assim que o Ceará fez, e que deu certo, muito certo. Criamos a editora e juntamos professores da rede pública, inclusive da UEA e da UFAM, com empolgação extraordinária, para mergulhar na tarefa de fazer com que nossos alunos fossem conduzidos a construir conosco a nossa forma de educar. Isso foi extinto por decreto, dissolvidos os grupos constituídos. Nós só queríamos melhorar o desempenho, por exemplo, na Olimpíada de Matemática, que o Ministério da Educação realiza anualmente. Às vezes, pensando em coisa assim, tenho medo de que se estabeleça a preferência da mão esquerda, dos ingleses, sem modificar o lado em que é posto o volante dos carros nacionais e as demarcações todas, verticais ou horizontais, que orientam o trânsito no Amazonas, como no Brasil, aliás.

Bom, do que chamei de delírio de vaidade pergunto por que nossos professores, nossos técnicos, nossos educadores não poderiam construir nossos próprios livros, falando de canoas ao invés de jangadas, de banzeiros em lugar de maré alta ou ressaca, de sardinha, jaraqui, tambaqui ou pirarucu para falar de peixes em lugar de baleia, namorado, dourado, anchova, robalo, badejo…? Bom, sem propor discriminação qualquer, talvez assim se fizesse mais fácil construir nosso próprio modelo de educação, com a mesma universalização. O passo seguinte seria investir no ensino e no estudo da tecnologia cujos aparelhos vendemos para o mundo e construir com ela a modernização possível e desejada.

O Amazonas faz chegar, desde quando a UEA criou o modelo em 2002, em todos os dias da semana, a regiões rurais de todos os municípios do Interior aulas das disciplinas que constituem o currículo do chamado ensino médio, usando tecnologia que tem sido exportada para outros Estados. E em 2018 criamos programa de preparação para o exame vestibular, via de ingresso na Universidade, público e gratuito, que recebeu o nome de “Conquistar”, justo porque compreendemos que jovens de baixa renda não dispõem de condições financeiras para pagar os tradicionais cursinhos particulares, todos de extraordinária contribuição na preparação de nossos alunos, e também porque essas iniciativas, que louvo muito, não existem na grande maioria dos municípios interioranos. Foi a repetição do que fizéramos na UEA com programa com a sigla APROVAR.

Bom, o Amazonas, em meio à desordem, ao medo, à insegurança, à fragilidade que trouxe ao mundo a pandemia de uma gripe que nasceu na China, parece ter-se feito terra do pavor e de ninguém, e acabamos comprando, como você mesmo indica, meu caro leitor, respiradores em loja que vende vinho, aparelhos que, em verdade, só servem para auxiliar as pessoas a um sono tranquilo. Os que se destinam aos doentes recolhidos a unidades de tratamento intensivo têm outra configuração e outra potência, diz-me quem disso entende. O pior: o preço pago pelo pequeno foi o do grande. A consequência, que o Amazonas não deve jamais esquecer, foi enterros em valas comuns, com caixões enfileirados, a não permitir nem mesmo aos sobrevivos prantearem seus mortos, ainda que fosse diante de uma simples cruz cravada sobre a parte de terra que a cada um pudesse ter cabido como herança última.

Assisto a vídeo de propaganda política onde o que chamei de delírio das vaidades conduz o locatário do poder a ser conduzido a esconder a verdade, ao falar de escolas de tempo integral. Eis porque disse, no artigo anterior, que a ele não se lhe deve conceder o direito de desconhecer a história do lugar que dirige e não pela xenofobia que você condenou. Piscina semiolímpica, campo de futebol, ginásio poliesportivo, sala de música, refeitório, auditório com palco multiuso, consultório odontológico, escovódromo, nada disso constitui novidade do que ele chama de padrão de seu governo. Afinal, foi assim que entregamos centros de tempo integral em Itacoatiara, em Humaitá, Urucará… E como deixamos em vias de conclusão o de Presidente Figueiredo. E, apenas porque falo do vídeo que isso esconde, lembro que também são municípios do Interior, como os dois que menciona o mandatário, em sua propaganda. Não há inovação nessas escolas que são construídas com recursos do governo federal, assim como não há no cartão que sucedeu ao “Direito à Vida” e ao prato que deixou de ser “Cidadão” para ser “Feito” e também é sustentado com recursos da União, diferente do tempo do “atraso”. Grato por me permitir explicar esse “desconhecimento”, proposital ou não, a que me referi no artigo da semana última, sem pretender praticar xenofobia. Mas, aceito a crítica, com alegria e respeito.

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