Presidenciável Ulysses Guimarães
Ulysses da Silveira Guimarães. Natural de Rio Claro/SP, nasceu em 6 de outubro de 1916. Advogado, professor e desportista. Deputado estadual por São Paulo (1947-1951). Deputado federal onze vezes consecutivas: eleito pelo PSD (1951-1965); pelo MDB (1965-1979); e pelo PMDB (1979-1991). Foi presidente da Câmara dos Deputados (1956-1958), delegado do Brasil junto à ONU, durante a gestão de Horácio Lafer no Ministério das Relações Exteriores, quando ali se debatia a questão do apartheid (1959-1961), ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio no Gabinete Parlamentarista de Tancredo Neves (1961-1962) e presidente do Parlamento Latino-Americano (19671968). Como presidente do MDB e, após 1980, do PMDB, sustentou com firmeza a luta parlamentar pelo restabelecimento do regime democrático em nosso País. Em 1984 comandou a campanha em favor das eleições diretas para a Presidência da República. Com a eleição de Tancredo Neves, pelo Colégio Eleitoral, em 1985, foi eleito presidente da Câmara dos Deputados e presidiu a Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988) que elaborou a Constituição de 1988. Com a doença de Tancredo apoiou decididamente, em março de 1985, a posse do vice-presidente José Sarney, efetivado na cadeira presidencial com a posterior morte do titular. Ulysses Guimarães morreu num acidente de helicóptero na baía de Angra dos Reis/RJ, junto à esposa dona Mora (Ida Malani de Almeida), em 12 de outubro de 1992, e seu corpo jamais foi encontrado.
A visita a Itacoatiara do presidente nacional do MDB, Ulysses Guimarães, ocorreu numa segunda-feira, 12 de janeiro de 1976. Dois anos antes, mesmo sabendo que perderia para o candidato Ernesto Geisel, do partido oficial (ARENA), o líder emedebista disputara como “anticandidato” a eleição presidencial de 15 de janeiro de 1974, tendo como candidato a vice-presidente o jornalista Barbosa Sobrinho. Era considerado favorito para disputar a Presidência em oposição ao regime militar se fossem aprovadas as eleições diretas em 1984, o que não ocorreu. Outra vã tentativa: em 1989, na primeira eleição direta pós-regime militar, Ulysses Guimarães ficaria em sétimo lugar.
Quando da chegada do líder nacional da oposição, Itacoatiara vivia momentos ansiosos e de perplexidade. Desde a criação da Zona Franca de Manaus, na década anterior, o Município estava com um decréscimo populacional. A população urbana variava de 20 a 23 mil habitantes e outro tanto vivia espalhada pelo interior. As políticas agrária e agrícola eram (ainda são) questões muito complicadas e os pequenos produtores continuavam desassistidos. Com o esvaziamento da indústria extrativa, a atividade econômica local concentrava-se nas atividades agropecuárias, industrialização da madeira e, em menor escala, na pesca artesanal e na produção de hortifrutigranjeiros.
As dificuldades se ampliavam face à ‘fuga’ dos recursos oriundos da atividade madeireira, capitaneada por empresas estrangeiras e associadas (Gethal, Atlantic, Trevo etc.). Segundo denúncias do Sindicato dos Trabalhadores Madeireiros de Itacoatiara, à época, as madeireiras atuariam num vasto esquema de extração e transporte ilegal de madeira no Município. O outro complicador era a Zona Franca de Manaus: instalada na capital amazonense em 1967, sob o pretexto de desenvolver a Amazônia Ocidental, na verdade, deixara os municípios interioranos vulneráveis e decadentes, com uma economia anacrônica e inviável.
O modelo Zona Franca foi baseado em experiências capitalistas de outras zonas francas asiáticas. O historiador amazonense Aguinaldo Figueiredo preleciona a respeito:
[…] A Zona Franca de Manaus, além de indústrias sem o fundamento regional, na maioria de montagens de bens de consumo, criou, nos seus primeiros anos de existência, um forte comércio de mercadorias importadas, que, além de abastecer o mercado local, permitia, por intermédio de cotas de estabelecidas a ‘exportação’ desses produtos para o restante do País. Mas a partir de 1976, o comércio da Zona Franca sofreu um duro golpe do governo militar, que impôs severas restrições às importações e exportações de mercadorias, em razão de uma crise econômica que extrapolava as fronteiras regionais”.
Decorridos mais de meio século de sua implantação, a Zona Franca tem sua sobrevivência explicada apenas pela continuada concessão de incentivos tributários. Criada como um instrumento de integração da Amazônia, deixou de pertencer às prioridades da agenda nacional de desenvolvimento. O modelo precisa de ajustes, de diversificar suas atividades; sair do atual quadro marcado por uma forte expansão da renda em um cenário de persistente vulnerabilidade social, além de uma distribuição irregular da riqueza com os municípios do interior.
Ao longo de todos esses anos, Manaus que na década de 1960 tinha menos de 200 mil habitantes, tornou-se – segundo comentário do sociólogo e professor da UFAM Marcelo Seráfico, datado de 2013, porém, atualizadíssimo conceitualmente:
“[…] o caótico abrigo para mais de 1.900.000 pessoas. Mutas dessas, vindas do interior do Estado, foram convertidas de trabalhadores do campo em operários industriais, deixando rapidamente a rotina da pesca, da coleta de frutas, da produção de subsistência e se integrando à rotina das linhas de montagem, da padronização dos movimentos de produção capitalista. A estas se somaram outras tantas pessoas vindas de outros quadrantes do Brasil, em busca de melhorias nas suas condições de vida, algo que a cidade parecia prometer. Foram variados os impactos sociais e econômicos desencadeados pelas diferentes fases da zona franca; em todas, porém, uma tendência parece reiterar-se: a de conversão de Manaus numa ‘capital-de-si-mesma’, na feliz expressão de Samuel Benchimol. Ao invés de capital do Amazonas, a cidade tornou-se a capital da Zona Franca, no centro do qual faz parte e para o qual flui toda a dinâmica de um mecanismo econômico que afeta a vida de milhares de trabalhadores e milhões de amazonenses”.
Na verdade, a Zona Franca de Manaus nunca se voltou para o maior potencial da Amazônia: a floresta e a biodiversidade. O caminho é a Bioeconomia, sem dúvida. Nesse interim, a teimosia responde pelo atual quadro de desigualdade do Amazonas. Segundo estimativas do IBGE, datadas de 1º de julho de 2020, em números redondos o Município de Manaus possui 2.200.000 habitantes. Os dois maiores do interior, Parintins e Itacoatiara, somente 115.000 e 102.000 habitantes, respectivamente. Itamarati e Japurá, os últimos da lista de 62 municípios: 7.800 e 2.200 habitantes. Em se tratando de PIB e IDH, maiores são as disparidades.
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Dois anos antes da vinda de Ulysses, a Prefeitura de Itacoatiara comemorara o centenário da autonomia municipal. A cidade defrontava-se com os problemas naturais de uma comunidade amazônica, mas era perfeitamente habitável, boa de se viver – dotada de estrada de rodagem ligando-a à capital, aeroporto, porto, escolas de nível médio, sindicatos patronais e de trabalhadores, junta de conciliação e julgamento, agências do Banco do Brasil e Banco da Amazônia, escritórios aduaneiros, restaurantes, rede hoteleira regular, cinema, correios, serviço telefônico local e interurbano, estádio de futebol, empresa de frigorificação de pescado, movimentado comércio varejista, clubes esportivos e de serviços, duas emissoras de rádio, repetidora de televisão, etc.
A representação política local continha alguns líderes propositivos, e entre eles destacavam-se os deputados estaduais Paulo Sampaio, do MDB, e Cleuter Mendonça, da ARENA. As classes conservadoras reuniam-se na Associação Comercial e na Associação Rural. O campeonato de futebol amador animava os fins de semana, e, disputando a hegemonia do esporte bretão, os embates realizavam-se aos domingos no Estádio Floro de Mendonça entre as equipes de Brasil, Luso Brasileiro, Náutico, Penarol e Santa Luzia. Alheios à crise econômica, grupos de intelectuais e boêmios animavam as noitadas da cidade. A juventude estudiosa e idealista, ansiosa de crescer social e culturalmente, estava sempre se reunindo nos grêmios estudantis, clubes de teatro, dança e outras atividades artísticas.
Quando Ulysses pisou, pela primeira vez, o solo itacoatiarense, o prefeito era Aurélio Vieira e o vice-prefeito David Braga, ambos filiados à ARENA. A Câmara Municipal, integrada por sete vereadores, estava sob a presidência do experiente homem público Francisco Fiuza, eleito pela legenda do MDB. No dia 15 de novembro daquele ano (1976) ferir-se-iam eleições municipais na qual concorreriam cinco candidatos – um fato estranho, porém possível graças à instituição pelo governo militar, do instituto das sublegendas. Saiu-se vitorioso o candidato Chibly Abrahim, da ARENA-1, e o segundo colocado concorrendo pelo MDB-1 foi o Autor deste trabalho.
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Para melhor compreender os fatos alusivos à vinda de Ulysses, rememoremos…
Em 1964, o Brasil atingira os 80 milhões de habitantes. O movimento civil- militar que subiu ao poder no final de março desse ano, amparado pela grande imprensa e por setores da Igreja, transformou-se num processo político de amplas repercussões em todos os setores da vida nacional. Logo de saída, os militares mandaram editar o AI-1 suspendendo imunidades parlamentares, autorizando o Executivo federal a cassar mandatos eletivos, além de cancelar a vitaliciedade dos magistrados e a estabilidade dos servidores públicos.
Na opinião do historiador Aguinaldo Figueiredo, o regime de linha dura implantado em 1964:
“[…] propiciou momentos aterrorizantes para o povo brasileiro […] O novo regime acumpliciou-se com o grande capital internacional para facilitar a implantação de multinacionais. Para isso, teve de arrochar salários, promover a cassação de direitos políticos e de cidadania de lideranças políticas e sindicais, intelectuais, jornalistas, religiosos, professores, estudantes e todos que se opunham a ele”.
Abolidas as eleições diretas, a 11 de abril de 1964 o marechal Castello Branco elegeu-se presidente com o voto de 350 deputados e senadores. Para vice-presidente foi escolhido José Maria Alkmin, do PSD. Castelo Branco governaria o País até março de 1967.
Mantendo o calendário eleitoral, que previa eleições para governador em 1966, o governo acabou derrotado na maioria dos estados. A vitória oposicionista soou como desaprovação ao regime. Por isso, os militares decidiram editar o Ato Institucional nº 2 que, extinguindo os partidos políticos, instaurou um sistema partidário com duas opções apenas, sendo criados: a ARENA, de apoio ao governo, e o MDB, reunindo os políticos que tiveram coragem de fazer oposição ao regime autoritário.
Para substituir Castello Branco, foi eleito pelo Congresso em outubro de 1966 o marechal Costa e Silva, tendo na vice-presidência o jurista Pedro Aleixo. A seguir, é promulgada a Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967, inspirada no Ato Institucional nº 4, decretado no início do mandato presidencial de Costa e Silva. Composta de 189 artigos, a Carta pecava por “defeito de origem”, merecendo por isso ataques da oposição que, defendendo a instalação de uma Assembleia Nacional Constituinte livre e soberana, negava legitimidade ao seu texto antidemocrático, nascida de uma imposição claramente autoritária.
Nesse período, o País passa por um processo de grande desordem. Comprimida pela falta de liberdade, expressiva parcela da população passou a contestar o regime, sobretudo em 1968. No Rio de Janeiro, estudantes, políticos e religiosos protestaram; repetidos em São Paulo, os atos públicos foram se multiplicando ao longo do ano. Greves e passeatas tornaram-se cada vez mais comuns.
No Congresso, o deputado emedebista Márcio Moreira Alves pronuncia um violento discurso considerado ofensivo às Forças Armadas. Negado o pedido de licença formulado pelo governo para processá-lo, a escalada completou-se em 13 de dezembro de 1968 com a edição do famigerado Ato Institucional nº 5, e a partir daí o regime endureceria muito mais. No auge da crise, o presidente Costa e Silva sofre um derrame sendo substituído por uma junta militar, cuja solução para a crise foi intensificar ainda mais a repressão.
O AI-5 escancarou de vez o autoritarismo: promoveu a maior concentração de poder já vista na história do País. O Executivo federal incorporou várias atribuições do Legislativo; podia decretar a intervenção em estados e municípios sem precisar atender às limitações da Constituição; podia suspender direitos políticos de qualquer cidadão pelo prazo de dez anos; cassar mandatos legislativos; demitir, remover ou aposentar funcionários do governo ou de empresas estatais; confiscar os bens de qualquer funcionário. Nem o Judiciário escapou ao controle. Além de atribuir ao Executivo o poder de aposentar juízes, o AI-5 suspendeu a garantia do habeas corpus.
A 17 de outubro de 1969 é outorgada a Emenda Constitucional nº 1, subscrita pelo triunvirato militar, a qual reitera o caráter autoritário da Constituição de 1967, mediante emendas modificativas, supressivas e aditivas adotadas em seu texto. No plano político, o caráter mais saliente dessa Carta é a desconfiança e hostilidade contra o Congresso Nacional. Em meio ao arbítrio total – proibição de manifestações políticas, censura à imprensa, prisões arbitrárias que resultaram em tortura e até mortes, naquele mesmo dia foi empossado presidente o general Emílio Médici (29).
Paradoxalmente, o período do governo Emílio Médici (19691974) é caracterizado pelo chamado “milagre brasileiro”, de crescimento econômico pautado na modernização da agricultura, no crescimento industrial e no acúmulo de enorme volume de recursos públicos. Mas é o próprio presidente quem adverte: “A economia vai bem, mas o povo vai mal”. Por outro lado, o terrorismo urbano recrudesce e se espraia para a zona rural do Araguaia, na Amazônia Oriental, onde guerrilheiros enfrentam forças do Exército. A abertura democrática prometida começou a ser protelada. O período compreendido desde aí até 1975 foi determinante para a nomenclatura histórica conhecida como “anos de chumbo”.
Em novembro de 1970, um ano depois da instalação do governo do general Médici, Ulysses foi reeleito deputado federal por São Paulo. Nacionalmente, as eleições foram realizadas num clima de grande repressão e o partido da oposição foi derrotado. Em fevereiro de 1971 ele assumiu a presidência do MDB substituindo Oscar Passos que não conseguiu se reeleger senador pelo Acre.
Quando Ulysses Guimarães assumiu o comando do MDB, a situação era muito difícil. O regime militar vivia sua fase de maior fechamento e a oposição estava bastante cerceada. Em 1966, para requerer seu registro original, havia apresentado a adesão de 21 senadores e 140 deputados. Agora, estava reduzido a sete senadores e 87 deputados: menos de um terço dos congressistas e, assim, não conseguiria aprovar nenhum projeto nem impor qualquer derrota à ARENA. Em face disso, alguns emedebistas lançaram a tese da autodissolução do partido, mas foram desaconselhados por Ulysses Guimarães que, aos poucos, foi consolidando sua liderança, conseguindo estabelecer uma ponte entre os dois grupos em que o MDB se dividia: autênticos e moderados.
Ao presidente Médici sucedeu o general Ernesto Geisel, eleito pelo mesmo ritual que consagrou seus antecessores. Porém, os antecedentes dessa eleição vieram confirmar que Ulysses Guimarães veio ao mundo predestinado a cumprir uma missão, como magistralmente revela, verbi gratia, a Assessoria de Imprensa e Comunicação do IPEA, ao traçar lhe o perfil:
“[…] Assim como o rei de Ítaca, do poema épico de Homero, ele também enfrentou uma odisseia: a luta incansável, nas águas turbulentas da ditadura, para que o País conquistasse as liberdades democráticas. […] Em protesto contra a farsa da eleição presidencial promovida pelos militares, prevista para janeiro de 1974, Ulysses lançou sua candidatura à sucessão de Garrastazzu Médici (1969-1974), tendo como vice o jornalista Barbosa Lima Sobrinho. […] Queria concorrer apenas para denunciar o sistema eleitoral”.
Conforme referimos no início deste verbete, mesmo sabendo que perderia para o candidato Ernesto Geisel, Ulysses disputou a eleição como “anticandidato”. Não havia a menor chance, pois a ARENA tinha mais de dois terços do Colégio Eleitoral. Ulysses queria concorrer apenas para denunciar o regime autoritário e acelerar o processo de abertura democrática.
Arremata assim a competente equipe da Fundação IPEA:
“Na convenção do MDB, Ulysses emocionou os correligionários ao final do discurso primoroso […] a caravela vai partir. As velas estão paridas de sonho, aladas de esperança. O ideal está ao leme e o desconhecido se desata à frente. No cais alvoroçado, nossos opositores, como o velho do Restelo de todas as epopeias, com sua voz de Cassandra e seu olhar derrotista, sussurram as excelências do imobilismo e a invencibilidade do establishment […] Nossa carta de marear não é a de Camões e sim a de Fernando Pessoa ao recordar o brado: Navegar é preciso. Viver não é preciso […] ‘Alvíssiras, meu capitão. Terra à vista!’. Sem sombra, sem medo ou pesadelo, à vista a terra limpa, abençoada da liberdade’ […] não houve terra à vista, naquele momento histórico. A chapa governista […] venceu a eleição, como estava previsto. Mas a anticandidatura de Ulysses uniu e fortaleceu o MDB – e encheu de esperanças os brasileiros com a antevisão da democracia”.
Empossado em 15 de março de 1974, ao lado do vice-presidente Adalberto Pereira dos Santos, Ernesto Geisel enfrentou a crise do petróleo, denunciou acordos militares com os Estados Unidos, celebrou um acordo nuclear com a Alemanha e ampliou o processo de estatização da economia brasileira.
Em 1974, o MDB venceu as eleições parlamentares fazendo críticas à política econômica. O presidente Ernesto Geisel reagiu com uma promessa de abertura, ou seja, aos poucos o regime se abrandava: diminuía a censura à imprensa e eclodiam greves. Mas o governo ainda tinha força para levar outro militar à Presidência da República. Realmente, na reunião do Colégio Eleitoral em 14 de outubro de 1978, seria eleito o general João Figueiredo, tendo a seu lado o vice-presidente Aureliano Chaves.
Sob a liderança de Ulysses Guimarães foram organizados comícios pelas eleições diretas para presidente em todas as capitais e várias outras cidades do Brasil. Inclusive Itacoatiara.
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Ainda no início do regime autoritário, repetindo-se o que ocorria em todo o País, em Itacoatiara vicejavam os embates políticos. Em razão de notícias levadas a conhecer pelo núcleo do sistema, de que certos homens públicos deste município eram useiros e vezeiros em discutir ideias progressistas, consideradas pelos militares de “teor subversivo”, o governo federal resolveu tomar duas medidas gravíssimas: decretou intervenção federal em Itacoatiara e mandou prender dois “inimigos do regime”.
Realmente, em 7 de novembro de 1966, o presidente Castello Branco nomeia o senhor Armindo Magalhães Ausier como interventor federal, cujo ato, além da assinatura presidencial, foi chancelado pelo ministro da Justiça Carlos Medeiros, cujos considerando pautavam-se no artigo 1º do Ato Complementar nº 11 baixado para regulamentar o ato AI-3, de 5 de fevereiro de 1966. Posteriormente, face à delegação concedida pelo “comando da Revolução” aos governos estaduais, o governador do Amazonas, Danilo Areosa, e o secretário de Interior e Justiça, Áderson Dutra, referendariam a nomeação do interventor através do decreto estadual de 31 de janeiro de 1967.
Homem de temperamento forte, Armindo Ausier não se dava bem com a classe política, inobstante tenha sido vereador e ocupado a vice-presidência da Edilidade, nos anos 1925-1930. Farmacêutico, formado pela antiga Universidade Livre de Manaus, dedicara-se a vida inteira às atividades privadas. Sua gestão à frente da Interventoria deu azo a uma grande desinteligência entre o próprio e os vereadores. A crise ganhou vulto e, não aceitando pressões, Armindo Ausier renúncia ao cargo no dia 6 de setembro de 1967. Para substituí-lo, na mesma data a Câmara Municipal de Itacoatiara elege o prefeito Aurélio Vieira dos Santos.
Quanto aos “inimigos do regime”, tratava-se do vereador Paulo Sampaio e do suplente de vereador Argos Valente, ambos do diretório municipal do PTB, acusados de ligações com o regime cubano. O primeiro, além de cassado por seus colegas de plenário, em 1965, foi detido em meados de 1967 juntamente com o segundo. Ambos, a seguir, foram levados à prisão em um quartel do Exército em Manaus. Solto, posteriormente, Paulo Sampaio impetrou mandado de segurança e retornou à atividade legislativa.
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Pregando liberdade, denunciando as falhas do regime militar e a opressão do sistema, Ulysses Guimarães empreendeu viagem por todo o País. Estávamos em 1976. À frente de uma pequena comitiva, em Brasília, o presidente nacional do MDB tomou um avião da VASP e voou para Manaus, aonde chegou ao entardecer de 11 de janeiro. Seguidamente aos compromissos político-partidários previamente agendados na capital do Amazonas com o diretório central do Partido, embarcou no navio/motor Ana Maria IV e amanhecia quando aportou em Itacoatiara. Veio acompanhado do senador amazonense Evandro Carreira; do deputado federal paranaense, líder do partido na Câmara dos Deputados, Laerte Vieira; dos deputados federais pelo Amazonas Joel Ferreira e Antunes de Oliveira; dos deputados estaduais José Cardoso Dutra (presidente da Assembleia Legislativa), Damião Ribeiro e Natanael Rodrigues; e do vereador de Manaus Irineu Tavares.
Destacamos aqui parte do que escreveu o repórter da Revista Veja sobre a viagem de Ulysses:
“Às cinco horas da manhã, escorregando perigosamente sobre a tábua estreita e úmida que servia de ponte de embarque ao motor ‘Ana Maria IV’, Ulysses Guimarães não perdeu de vista o horizonte político de sua viagem. ‘Nós, da oposição, vivemos nos equilibrando’, declarou. A bordo, ele logo descobriria que estava obrigado a fazer toda a viagem curvado – a coberta do barco era mais baixa que sua cabeça. E uma noite no camarote minúsculo faria o deputado Laerte Vieira, líder do MDB na Câmara, amanhecer com torcicolo. Mas Ulysses, aos 59 anos de idade, quase 30 de política, não pode ser confundido com um marinheiro de primeira viagem. Acostumado desde sempre a improvisar logo aprendeu a se instalar numa cadeira de balanço no tombadilho e ali, cercado de chefes oposicionistas locais, passava a observar as margens do Amazonas. Citava Euclides da Cunha para a comitiva. Espantou-se com o despovoamento das margens do rio. A dieta de bordo era frugal e, para beber, servia-se apenas o guaraná da terra. Mas o experiente Ulysses tinha levado seu estoque particular de scotch, consolo para os que tiveram de comer feijão com carne seca, macarrão e galinha dois dias seguidos”.
Ulysses e seus companheiros foram recepcionados pelo presidente do diretório municipal do MDB, deputado Paulo Sampaio, os vereadores Francisco Fiuza Lima, Antônio Pereira Simões e Bernardo Almeida, o ex-prefeito Acácio Soares de França Leite, o advogado Francisco Gomes da Silva, José Tomás de Aquino, Getúlio Borsa Lima, Dinamérico Peixoto, Lázaro da Silva Rebelo, Djanildes Rebelo da Silva e outros – seguidos de grande massa popular. Ato contínuo, a comitiva visitou o bispo dom Jorge Marskell e se reuniu no diretório municipal.
Ainda, conforme relatado pelo repórter da Revista Veja,
“Antes da atracação, os dois alto-falantes do Ana Maria IV vinham gritando: ‘Povo de Itacoatiara. Esta é a caravana da esperança. Esta é a primeira vez que um líder nacional, em todos os tempos, deixa a cidade e vem ao interior do Amazonas falar ao povo’. Isso somado aos foguetes disparados pelos correligionários de terra, teve seus efeitos. Acorreram quase 1.000 pessoas à concentração do MDB e Ulysses Guimarães ainda teve o consolo de ficar sabendo que receberá uma homenagem para ser lembrado após sua morte: ‘Nós vamos colocar sua fotografia na nossa sede’, anunciou-lhe Francisco Gomes da Silva, futuro candidato da oposição à Prefeitura da cidade”.
Às 20:00 horas daquele dia, em comício na Praça de Nazaré, apinhada de populares, que o aplaudiram delirantemente, o chefe nacional da oposição fez um relato da luta empreendida a prol da recuperação dos direitos civis do povo brasileiro subtraídos pelo golpe de 1964. A fala do deputado deputado-líder Laerte Vieira também foi marcante, como o foram os discursos dos demais parlamentares que assumiram à tribuna naquela noite. O senador Evandro das Neves Carreira, em entusiástico discurso, revelou que “o MDB lavrará um tento importante na conquista de Itacoatiara, que poderá, no pleito de novembro consagrar o nome do jovem cidadão Francisco Gomes como prefeito municipal”. Após o comício, a comitiva de Ulysses Guimarães foi homenageada com um jantar no Restaurante Lírio Hotel.
Aproximava-se da meia noite quando Ulysses Guimarães deixou Itacoatiara e foi visitar Urucará e Parintins, donde retornaria dois dias depois para ainda cumprir extensa programação em Manaus. Sua epopeia no Amazonas teve a cobertura dos principais jornais do Rio e São Paulo, da Revista Veja e dos jornais amazonenses A Notícia, Jornal do Comércio, O Jornal e A Crítica.
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Quase um ano depois, precisamente no dia 17 de dezembro de 1976, Ulysses Guimarães voltou a Itacoatiara. Viajando através da Rodovia Vital de Mendonça, acompanhavam-no o vice-líder do MDB na Câmara, deputado federal Mário Frota, os deputados estaduais José Cardoso Dutra e Damião Ribeiro, o vereador à Câmara Municipal de Manaus, Fábio de Lucena e outras figuras do mundo político do Amazonas. O empresário Chibly Calil Abrahim, prefeito eleito em 15 de novembro do mesmo ano, conduzido pelo procurador Vicente de Mendonça Júnior, foi cumprimentar Ulysses no palanque armado no início da Avenida 15 de Novembro, próximo ao Mercado Municipal, onde dali a instantes se pronunciaria encerrando o comício que se iniciara com a fala dos líderes locais Francisco Gomes, Paulo Sampaio e Francisco Fiuza Lima.
Enorme multidão assistiu e aplaudiu o evento, onde ainda se pronunciaram Mário Frota, José Dutra, Fábio Lucena e outros membros da caravana emedebista. Passavam das 12:30 horas quando Ulysses e seus companheiros se retiraram do local e, sempre ovacionados por muitos populares, deram uma volta pelas ruas centrais e em seguida retornaram a Manaus.
As duas visitas simultâneas do líder nacional da oposição repercutiram em todo o País; resultaram na aceitação e fortalecimento da imagem do MDB na Amazônia. Incomodaram as hostes governamentais, e como o assunto merecia um contraponto, dois anos depois (1978), o presidente Ernesto Geisel visitaria Itacoatiara.
*Capítulo Sétimo do livro Presidentes e Presidenciáveis da República em Itacoatiara, do Autor.
Obs. Este artigo teve suprimidas suas notas. A quem interessar a leitura do texto original, completo, pode acessar o link a seguir. https://www.franciscogomesdasilva.com.br/bibliografias/
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