
*Wilma Tereza dos Reis Praia
Continuação…
OUTRAS LENDAS
ELDORADO
O rio Amazonas, através de seus afluentes, abraça a floresta onde existem lagoas sagradas, nas quais os índios fazem sacrifícios em honra ao Sol.
Ao fazer como era costume naquela época, o seu sacrifício ao deus Sol, o cacique, ao jogar as suas oferendas na água, viu aparecer uma enorme serpente.
No outro dia, os índios que moravam perto da lagoa procuraram o cacique e lhes disseram:
– Ontem à noite tivemos a impressão de ver uma de suas mulheres, a mais bela, passeando muito triste na beira do lago. Logo a perdemos de vista, mas ouvimos seu choro a noite inteira. Procuramos, mas não conseguimos encontrá-la. Sua voz parecia vir da água, e desde hoje de manhã há uma luz estranha brilhando no fundo da lagoa. Além disso, a água nunca foi tão tranquila.
O cacique compreendeu que jamais voltaria a vê-la. Era a mulher mais bela e a mais nobre de todas as suas favoritas. Nunca iria se conformar com o seu desaparecimento.
Procurou o pajé na esperança de que ele pudesse trazê-la de volta. O pajé o acompanhou até a beira da lagoa, sentou-se na margem e começou a tomar uma bebida preparada por ele para conseguir ver a morte no fundo da água. Mandou que outros índios fizessem uma fogueira bem grande junto a lagoa e nela jogou uma porção de pedrinhas que recolhera com muito cuidado.
Enquanto esperava, pronunciava palavras mágicas. De repente, levantou-se e recolheu as pedrinhas brilhantes, colocando-as num jarro. Entrou na água e foi jogando as pedras, uma a uma em direções diferentes. Ao entrarem em contato com a água, elas faziam espirrar jatos de vapor, que assobiavam forte. O pajé mergulhou até desaparecer nas águas.
Quando o pajé reapareceu, contou ao cacique que tinha visto sua mulher e que ela estava muito feliz no reino do Dragão da Lagoa e não queria voltar.
Mas o cacique, que a amava demais, pediu ao pajé que voltasse novamente ao reino do Dragão da Lagoa.
Mas, desta vez o pajé voltou aterrorizado. Contou que o Dragão se zangara e que jamais iria devolver a mulher do cacique ao mundo dos vivos e que, se o cacique não desistisse da idéia de tornar a vê-la, iria castigar todos os habitantes da aldeia.
Os índios ficaram muito apavorados, se ajoelharam à beira da água e, recitando encantamentos, pediram à jovem morta que os protegesse lá no fundo.
A partir daquele dia, cada vez que alguém se aproximava da lagoa, a gigantesca serpente saia da água e se transformava, assumindo os traços da mulher do cacique. Depois se enrolava num grande manto vermelho e começava a anunciar todo o tipo de desgraça: morte, doenças, fome, e desaparecia num grande turbilhão negro. A lagoa voltava a ficar tranquila e silenciosa.
Os índios começaram a multiplicar os sacrifícios na lagoa com oferendas cada vez mais preciosas, na esperança de que a mulher do cacique acabaria convencendo o Dragão a evitar todas aquelas desgraças.
Os índios resolveram falar com o cacique, pois ele jamais vira uma aparição, e mesmo porque desde a morte da mulher não quis mais aproximar-se da lagoa. Mas o povo insistiu tanto que ele acabou cedendo e preparou uma cerimônia inesquecível.
Ordenou que os índios fossem buscar na floresta a resina que escorria de uma árvore, ao ser cortada; em seguida ordenou aos guerreiros que fossem a todas as aldeias e recolhessem todos os objetos de ouro e esmeralda que encontrassem. Pediu às mulheres que preparassem no pilão uma grande quantidade de ouro em pó. Encarregou seu melhor caçador de lhe trazer pássaros da cor de fogo, para fazer um diadema parecido com os raios do sol.
Mandou traçar duas cordas bem compridas e, com pedaços de madeira escolhidos pelo pajé, ordenou que construíssem uma jangada. Depois de dar todas essas instruções, recolheu-se, deitou-se na rede e começou a fumar cachimbo.
Quando tudo estava pronto, o cacique, o pajé e todos os outros índios partiram para a lagoa. Quando lá chegaram, o cacique mandou que quatro índios segurassem as pontas de duas grandes cordas que mandara tecer. Um ficou ao norte da lagoa, outro ao sul, o terceiro ficou a leste e o quarto a oeste.
Prenderam então as cordas à arvore, amarrando bem firme de modo que elas ficassem na superfície da água. Formavam uma cruz, cuja interseção indicava o centro exato da lagoa.
Depois de tudo arrumado, era só esperar o dia raiar.
Assim que a escuridão ficou menos densa, o cacique começou a se preparar: untou o corpo com a resina e salpicou-se da cabeça aos pés com o pó de ouro que as mulheres haviam preparado. Pôs na cabeça o cocar de fogo, prendeu guirlandas em volta dos joelhos e pendurou nas orelhas seus imensos brincos em forma de disco. Um enfeite de ouro cobria seu peito.
Os índios que o observavam, estupefatos, recuaram um pouco. Pois era assim que eles imaginavam o deus Sol.
O cacique subiu na jangada. Trouxeram-lhe todos os objetos de ouro e esmeralda que havia recolhido em longas viagens. Ele se voltou para a lagoa, mirou o ponto onde as cordas se cruzavam e avançou lentamente. Quando chegou ao lugar da cerimônia, deteve-se. Os índios soltaram as cordas e as puxaram para a margem.
De repente, o Sol apareceu entre duas montanhas e o iluminou. Foi um deslumbramento! O homem dourado, ou El Dorado, parecia brotar do centro da lagoa. Lançava para todos os lados braçadas de objetos de ouro, que brilhavam como mil fogos.
Os índios acreditaram que fosse um milagre. Como naquele momento alguns dele fizeram pedidos, e uma parte se realizou, em pouco tempo a mulher do cacique se transformou em objeto de culto.
As cerimônias se multiplicaram, e as tribos distantes passaram a chegar cada vez mais de longe para participar das oferendas do infeliz cacique.
Seus descendentes preservaram essa tradição, e durante muitos séculos, em algumas manhãs, no instante exato em que o Sol aparecia por detrás da montanha sagrada, um homem de ouro falava ao sol.
É por isso que, quando os europeus chegaram à América do Sul e ouviram falar desta lenda, imaginaram as toneladas de ouro e esmeraldas que deviam estar depositadas no fundo da lagoa.
Assim, até hoje, muitos procuram entre as montanhas “sagradas” a localização do El Dorado.
IARA
A Lenda da Iara surgiu no século XVIII, quando no meio das águas do Rio Amazonas, apareceu pela primeira vez a Uiara ou Iara, uma sedutora sereia.
Os indígenas da Amazônia, assim como todo pescador ribeirinho, relatam fatos ou histórias de moços que cederam aos encantos da bela Uiara e terminaram afogados no grande rio completamente apaixonados ou encantados pela bela sereia.
Dizem que ela vem do fundo das águas, ao cair da tarde, metade mulher, metade peixe, cabelos longos, olhos castanhos profundos. Sempre que surge do meio das águas, leva algum pescador que se encanta por ela.
Certo dia a mãe das águas, como também é conhecida a Iara, ao cantar, hipnotizou um índio Tapuia, que a viu surgir das águas e não resistiu aos seus encantos.
Contam os índios que, Iara é tão linda que ninguém resiste aos seus encantos. Canta com voz tão doce que atrai a gente e quando se percebe é muito tarde. Ela arrasta o rapaz para o fundo das águas.
Os indígenas têm medo de ir ao rio ao entardecer; evitam também ficar perto dos lagos; receiam ser atraídos pelo seu encanto.
Jaguari era um índio muito forte e tão corajoso como uma onça. Os outros índios viviam com inveja dele. Os velhos índios gostavam dele porque era muito bondoso. As moças então, só sabiam elogiá-lo.
Um dia, ele partiu bem cedo para pescar; a manhã estava linda, o sol transformava tudo em vida e alegria.
O jovem índio sentia-se mais feliz do que nunca e não parava de admirar as maravilhas que encontrava. Resolveu aproveitar bem aquele dia maravilhoso, foi caminhando pela selva adentro em lugares onde nunca havia estado.
Encontrou um lago muito bonito, o mais bonito que ele havia visto. Tinha uma superfície tão calma e cristalina que parecia ser de vidro; não resistiu, resolveu dar um mergulho.
Depois de banhar-se nas águas, deitou-se à beira do lago e ficou admirando a beleza do céu. Ficou assim horas e horas esquecido do que havia ido fazer.
Quando se lembrou deu um salto, apanhou o arco e as flechas e partiu para a caça. Mal ele começou a andar, ouviu um canto que o deixou “maravilhado”. Nunca havia ouvido um canto tão bonito. Jaguari ficou encantado, queria ir embora, mas já era tarde; sem perceber, foi andando para onde vinha a mágica e doce melodia.
Foi então que ele viu a Iara. Era realmente muito bonita, tinha um rosto tão lindo que ele ficou impressionado. As moças de sua tribo desapareciam diante de tanta beleza.
Sendo sempre atraído, ele já estava quase dentro da água. Lembrou-se, porém, do que os mais velhos costumavam contar sobre a Iara e agarrou-se desesperadamente ao tronco de uma árvore à beira do lago.
A Iara o viu, e se apaixonara por ele, queria levá-lo para dentro das águas. Como não gostava da luz do dia, esperou até o entardecer para atrair o moço com o seu canto mágico.
Jaguari, por ser forte, muito forte, conseguiu resistir agarrando-se ao troco de uma árvore. E de cipó em cipó, conseguiu sair das águas e afastar-se do lago. Percebeu então que havia por perto uma porção de animais atraídos pelo canto da Iara.
Quando chegou à aldeia sua mãe notou que ele estava diferente, preocupado e triste. Todos queriam saber o que tinha acontecido com ele.
– Vi a Iara; minha mãe. É a moça mais linda que me apareceu. Não existe outra igual. Seu canto é tão belo que não consigo esquecê-lo. Preciso vê-la outra vez e novamente ouvir sua voz maravilhosa. Ao ouvir as palavras do filho a mãe pôs-se a chorar. – Fuja da Iara! pediu-lhe a mãe. Ela conseguiu enfeitiçá-lo e você será morto se não se afastar dela!
Ele foi para a rede e não conseguiu dormir. A lembrança do canto da Iara roubou-lhe o sono. Não conseguiu conter-se. Precisava ir até o lago! Sendo tarde demais para ir à floresta, tomou a canoa e começou a descer o rio. Ele foi remando o mais depressa que podia.
No outro dia, ao cair da tarde, sua igara deslizava, mansamente, pelo rio, na direção da ponta do Tarumã.
De repente alguns índios começaram a gritar:
– Olhem! Ele não estava sozinho?
– Pois agora não está! Vejam!!!
Ao longe avistava-se Jaguari de pé na canoa em companhia de uma moça, era a Iara.
Esta foi à última vez que alguém viu Jaguari. Iara levou-o para sempre, ela possuía um palácio no fundo do rio e levou o para viver com ela.
Continua na próxima edição…
*Wilma Tereza dos Reis Praia, nascida em Manaus, é formada no Curso Técnico de Análise Clínicas pelo Colégio Amazonense D. Pedro II. Trabalhou como funcionária pública na extinta CODEAMA e ministrou aulas particulares para estudantes de nível médio. Atualmente, dedica-se à digitação de artigos acadêmicos e pesquisa sobre povos e lendas da Amazônia. Dessa pesquisa, nasceu sua obra “Raízes da Amazônia – LENDAS DA AMAZÔNIA”, composta por dois volumes, cada um contendo 45 lendas, publicada em 2011.
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