
*Wilma Tereza dos Reis Praia
Continuação…
Outras Lendas
O SOL E A LUA
Os parintintim viviam entre o rio Madeira e seus afluentes.
Os indígenas parintintin seriam uma nação que viera do litoral atlântico, que invadiram a mata na Amazônia, fugindo dos conquistadores lusos, franceses e holandeses.
Ainda existe uma aglomeração pequena desses índios constituídos por algumas centenas de indivíduos, habitando em reservas no rio Ipixuna e afluentes do Rio Madeira no município de Humaitá (AM).
Uma de suas lendas diz respeito ao aparecimento do Sol e da Lua:
O Sol e a Lua, há muitos e muitos anos, eram pessoas assim como nós.
O Sol era um belo rapaz muito forte e inteligente. A Lua era uma indiazinha bonita e delicada. Encontraram-se um dia numa festa da tribo, uma grande festa iluminada por fogueiras e vaga-lumes. O Sol viu a Lua e ficou apaixonado por ela. A Lua viu o Sol e ficou também apaixonada por ele. E se tornaram namorados.
A Lua era muito orgulhosa e gostava de ser importante. Não era a qualquer festa que ela ia. Nem a qualquer passeio.
Sol era mais camarada e aceitava qualquer convite. Assim, quando a Lua ficava geralmente fechada na cabana, o Sol andava por tudo quanto era lugar divertindo-se a valer. Caçava pescava e nadava.
A Lua não estava nada contente com a vida que o Sol levava. Queria que ele selecionasse as suas amizades. Mas como era orgulhosa, nada lhe dizia. O Sol notava que ela não estava satisfeita, perguntava-lhe o porquê, mas ela simplesmente respondia: “Não é nada, você está cismado”.
A Lua era muito vaidosa e gostava de enfeitar-se, de pintar-se. O Sol não se cuidava muito, ele vivia ocupado em gozar a vida.
Tanto insistiu o Sol que a Lua resolveu contar-lhe o que se passava: “você deveria ser mais vaidoso e mais exigente”. Queria que ele se enfeitasse mais e escolhesse melhor as suas amizades. O Sol disse-lhe que gostava de ser simples, de ir a todos os lugares e conviver com todos.
O Sol ficou muito triste. Mas como gostava da Lua, pensou muito no que ela havia dito. Começou a evitar os amigos e a sair sozinho. Começou a enfeitar-se também.
Enfeitava-se com as mais lindas penas. Sua preocupação agora era encontrar os enfeites mais bonitos. A Lua, vendo que o Sol estava ficando mais enfeitado do que ela, tratou de conseguir coisas mais valiosas e não deu mais sossego ao pai dela.
Sempre que ela pedia mais enfeites, ele lhe pedia que ela lhe contasse o segredo de tanta vaidade.
Tanto insistiu que ela acabou lhe contando tudo.
O pai ficou chateado: “então, pensou, era por causa do Sol que ele que já não era muito moço, andava pela selva, procurando enfeites para a filha. Xingou, mas continuou a fazer a vontade da Lua. Não pode, porém, ver mais o Sol. Estava com uma raiva daquele moço que só sabia enfeitar-se”.
Um dia o pai da lua estava caçando pássaros para conseguir penas, pois logo haveria uma grande festa. O Sol deveria ir e por isso também procurava penas bonitas.
Embora o pai continuasse com raiva do moço continuaram a amizade.
– O Senhor também está caçando? Perguntou-lhe o Sol assim que se avistaram.
– Sim, respondeu-lhe o índio meio carrancudo. Vai haver uma grande festa e minha filha quer ir bem enfeitada. Aliás, aproveitando a ocasião, você poderia também encontrar penas e enfeites para a Lua não é mesmo? Afinal não seria mais do que sua obrigação. Já não sou tão novo para andar atrás dessas coisas.
– Realmente, mas a culpa não é minha. Ela não aceita nenhum presente meu. Ela é muito orgulhosa e diz que a obrigação é do senhor.
Os dois continuaram caçando.
O Sol, como era mais moço, levava a melhor e caçava sempre os pássaros das penas mais bonitas.
Aí surgiu no céu, voando majestosamente, uma ave muito bonita. Devia ter vindo de longe, pois eles não sabiam que ave era.
– Olhe! Que ave maravilhosa! gritou o Sol.
– Que ave será? Não a conheço. Vai ver que Tupã enviou-a para que eu me enfeite com suas penas.
– Se Tupã a enviou, foi para minha filha ser a mais linda da festa. A ave desceu e pousou numa árvore muito alta. Agora eles podiam ver melhor as suas cores.
Ambos retesaram os arcos e atiraram as flechas em direção da ave que imediatamente voou ganhando altura. O Sol, embora fosse melhor que o velho, errou; sua flecha passou longe. A flecha do outro acertou em cheio. Mas ave foi cair do outro lado do rio.
O Sol ficou louco de raiva e chutou uma pedra que o fez urrar de dor. O velho, ao contrário, ficou muito contente.
Pulando de alegria ele falou: “não disse que Tupã a enviou para a minha filha?”.
– Então não foi Tupã, porque se fosse eu teria acertado.
– Então você se julga melhor do que eu? gritou o pai da Lua mostrado que não estava para brincadeiras. O Sol, percebendo que não podia irritar o velho, pois não queria a sua inimizade, procurou acalmá-lo. E disse-lhe:
– Eu não quis dizer isso. Bem, vou buscar a ave para o senhor.
– Nada disso. Se minha filha não quer favores seus, eu também não quero. Eu mesmo vou buscá-la.
– Mas é preciso atravessar o rio e não temos nenhuma canoa aqui. Tem de ser a nado.
O velho era teimoso e não quis saber de nada. Pulou na água e foi nadando. No meio do rio começou a afogar-se. O Sol saltou na água e nadou rapidamente em direção ao pai da Lua. O velho já estava nas últimas. O Sol chegou bem a tempo, pôs o velho a salvo e foi buscar a ave.
– Eis a sua ave; disse o Sol.
– Minha não! Sua! exclamou o velho.
– Como assim? admirou-se o Sol.
– A ave é sua e não minha, sabe por quê? – Se você me salvou a vida e ainda foi buscar a ave, tem mais direito a ela do que eu!
– De nenhum modo; não posso aceitar, fique com ela.
Os dois permaneceram naquilo um bom tempo. Aí o velho teve uma ideia e não revelou ao Sol.
– Está certo. Levarei a ave. Vamos, disse o pai da Lua.
Quando chegaram à aldeia, o velho propôs dividir as penas entre o Sol e a Lua. O Sol ficou horrorizado e disse: Nunca! A Lua ficou brava como a onça. O quê? Nem sonhando. O Sol que ficasse com a ave inteira. Como ambos não aceitaram, a ave ficou jogada num canto da cabana. O Sol ficou zangado e foi embora.
Ao saber que o Sol havia salvado a vida de seu pai a Lua ficou mais aborrecida ainda. Não tinha dúvida de que o Sol ia ficar mais vaidoso do que nunca.
Pouco depois, toda a aldeia sabia do caso e prestaram as maiores homenagens ao herói. Só se falava no Sol.
A Lua, para acalmar-se, foi passear pela redondeza. Ao passar perto de um abismo muito profundo ouviu gritos que vinham de dentro dele. Olhou cuidadosamente para ver o que era. Logo abaixo, agarrada a umas pedras, estava a mãe do Sol, já no fim de suas forças. Tinha-se distraído e caíra no abismo. O que fazer?
Rapidamente a Lua agarrou um cipó, amarrou-o a uma árvore perto do abismo e, agarrando-se ao cipó, desceu até as pedras. Arriscando a vida, conseguiu amarrar a mulher pela cintura. Subiu e começou a puxar a mãe do Sol. Não teria aguentado aquele peso, mas, sentindo-se perto da salvação, a mulher agarrou-se com unhas e dentes às beiradas do abismo. E ajudou a Lua a salvá-la.
Quando voltaram à aldeia, o Sol estava entre uma rodada de rapazes contado como salvara o pai da Lua. Aí a mãe dele contou-lhe o que havia acontecido. Logo a Lua começou a ser homenageada. Com todo orgulho possível ela disse ao Sol:
– Agora estamos iguais, não estamos? Continuaram a namorar, porém a disputa foi maior do que antes. Um não sabia o que fazer para se destacar mais do que o outro. Toda a tribo acompanhava a luta dos dois.
A Lua e sua família estavam tão preocupadas que nem se lembraram da ave lançada num canto. Entretanto, a festa ia realizar-se e novamente o pai e o namorado da Lua estavam a procurar novos enfeites e andavam na selva com a mesma intenção.
Mais tarde a Lua recebeu os enfeites e preparou-se o melhor que pôde. Quando o sol chegou, ela estava muito bonita. Ele também chamava a atenção. Aí ele disse à namorada: “Você está muito bonita”. A Lua ficou muito orgulhosa. Mas ele acrescentou: “Mas os meus enfeites são mais bonitos”. A Lua caçoou do Sol com cara de compaixão:
“Os seus”?
O velho aflito, para acabar com aquilo, disse: “Olhe, aquela ave que nós caçamos ainda está aqui”. A Lua olhou horrorizada: “Ainda está aqui”?
O Sol aproveitou para fazer um comentário maldoso:
– Aquela ave? Não acredito! Então, Lua? Não é só a vaidade pessoal que tem valor. A cabana merece um pouco de cuidado. A Lua, enfurecida, respondeu que ele não tinha nada a ver com isso.
O pai da Lua percebendo a ave se mexer, deu um grito que atraiu todos os índios da aldeia. Ouviu-se um estrondo e, através de uma fumaceira, apareceu Tupã em pessoa, que assim falou:
– Vocês são muito vaidosos e orgulhosos. Não é possível o que estão fazendo. Só se preocupam em serem notados. Só desejam riquezas.
– As penas da ave que enviei eram mágicas. Se tivessem sido repartidas entre si, vocês teriam deixado de ser assim. Mas a vaidade venceu. Pois vão ser ricos e adorados. Você, Sol, será transformado num rei adornado de ouro. E você, Lua, será transformada numa rainha coberta de prata.
Imediatamente Tupã e os dois moços sumiram. A partir daquele momento o Sol e a Lua começaram o seu passeio pelo céu.
COBRA GRANDE
A Cobra Grande apresenta-se como enorme réptil que é capaz de virar ou fazer naufragar as embarcações, sejam pequenas ou grandes, comendo ou levando para o fundo dos rios os passageiros.
A baía de Buiuçu, ou Buiaçu, situa-se mais ou menos vinte e quatro léguas, a distância de Manaus, e possui quatro léguas de largura; fica localizada na parte inferior do rio Negro. É ampla, sem muita profundidade e está sujeita às agitações perigosas entre onze e dezesseis horas do dia.
O nome vem de tempos imemoriais, (…) e melhor local não haveria para palco de uma saga em nada parecida com outra igual, que representa um dos capítulos mais sensacionais e movimentados da grande e palpitante história sentimental indígena. (MONTEIRO, 1995, p. 63)
Muito temida pelos ribeirinhos, sobretudo os dos grandes rios regionais, a Cobra Grande apresenta variação quanto a sua origem: ora é um ser representativo do mal, ora é um ser encantado e que carrega a forma de um ofídio como sina, até haver quem o desencante, ora pode transformar-se em imenso veleiro, que aparece luminoso, sempre à noite, e que, ao aproximar-se dos trapiches ou de outras embarcações, desaparece misteriosamente.
A maioria dos ribeirinhos já viram ou conhecem alguém que já se defrontou com a Cobra Grande em forma de navio.
A Boiúna (do Tupi, “cobra negra”) é também uma enorme cobra, de cor preta, que possui os mesmos sortilégios da Cobra Grande. Muitas vezes confunde-se a Boiúna, ou “cobra negra ou preta”, com a Cobra Grande.
Dizem ter muitos metros de comprimento, seus olhos são dois grandes faróis; entretanto há quem diga que os olhos da Boiúna são, na verdade, os candeeiros colocados na frente da casa dos ribeirinhos, para ajudar a navegação. Boiúna e Cobra Grande se confundem tornando-se uma.
Eis a lenda: No Amazonas, há muito tempo, existiu em uma das tribos uma índia muito má, que era canibal e devorava crianças.
Não suportando mais tantas dores causadas por ela, a tribo decidiu jogá-la no rio, para que morresse afogada e nunca mais viesse a perseguir ninguém. Anhangá, o gênio do mal, entretanto, decidiu poupá-la da morte e casou-se com ela, dando-lhe um filho.
O pai transformou o menino em uma cobra, para que ele pudesse viver dentro do rio. A cobra, porém, logo começou a crescer e cresceu muito.
Assim o rio tornou-se pequeno para abrigá-la e os peixes iam desaparecendo devorados por ela. Durante a noite seus olhos eram como dois faróis a iluminar, vagando fosforescentes por sobre os rios e as praias, espreitando a caça e os homens, para devorá-los. As tribos apavoradas chamaram-na de Cobra Grande.
Quando a mãe da Cobra Grande morreu, sua dor foi tão intensa que logo se manifestou por um ódio mortal, e dos seus olhos brotavam flechas de fogo atiradas contra o céu e, dentro da escuridão, transformavam-se em coriscos.
Depois, a cobra grande se recolheu e conta a lenda que vive adormecida debaixo das grandes cidades. Dizem que ela só acorda para anunciar o verão no céu em forma de serpentário, ou quando se formam as grandes tempestades para amedrontar, com relâmpagos e trovões, as tribos apavoradas.
A COBRA GRANDE OU BOIÚNA
Quando a lua aparece em quarto minguante e projeta a sua luz sobre a água do rio Amazonas, pela madrugada, aparece a Boiúna em forma de uma galera (navio a vela) encantada, singrando silenciosamente as baías, os lagos, os paranás e os igarapés.
Os nativos dessas paragens dizem que essa galera é toda feita de ossos e caveiras. Dessa aparição, sobressaem dois feixes de luz azulados, como se fossem olhos em contraste com o negro fundo da noite.
Essa nau misteriosa desloca-se de um lado para outro, virando canoas, matando náufragos além de afugentar os animais das margens. Devora tudo o que encontra pela frente. Quem a vê fica cego; muitos procuram prendê-la, mas ninguém consegue; os mais afoitos que a perseguem, por ignorarem o perigo, a galera-fantasma afoga a vítima e a leva para a profundeza das águas soltando uma espécie de gargalhada amedrontadora.
Quando ela entra pela terra em noites de tempestade vai derrubando árvores e, como o raio, deixa uma clareira enorme tostada na floresta, para exibir o seu porte descomunal.
A Boiúna toma diversas formas, e às vezes engana as pessoas parecendo um transatlântico. Quando a noite está calma, o ruído de um vapor que se aproxima se faz ouvir. Percebe-se, ao longe, uma pequena marca luminosa, precedida pelo barulho do banzeiro batendo no barranco.
As luzes aumentam, pouco a pouco, e se percebe a fumaça grossa saindo pela chaminé. Momentos depois, escutase um apito anunciando a interrupção da viagem. O transatlântico pára, lança âncoras. Um belo espetáculo de luz e de som. Os caboclos da margem se dirigem logo para bordo, como de hábito no Amazonas.
Tomam suas canoas e seguem alegres, remando, buscando um contato com a embarcação recém-chegada. Mal atingem, porém, o halo que circunda o paquete, desaparecem engolidos por um mistério.
O navio desaparece também misteriosamente, desconcertando velhos e moços. Resta apenas o banzeiro, a confusão, o cheiro da morte.
Morcegos vibram no ar; pios de coruja se entrecruzam e um assobio fino, sinistro, entra na alma, corta, o espaço, deixando perplexas as mulheres e crianças que permaneceram no barranco.
Confundem-se na escuridão, entreolham-se, persignam-se com o sinal da cruz, e apavoradas correm para suas choupanas.
Foi a Boiúna que fez tudo aquilo, matando e assombrando aquela gente crédula e simples. É por isso que o caboclo nunca abre a janela ou a porta de sua palhoça durante a noite, tem medo da Boiúna, o espírito do mal, o ser mais temido de todo o Grande Vale.
Continua na próxima edição…
*Wilma Tereza dos Reis Praia, nascida em Manaus, é formada no Curso Técnico de Análise Clínicas pelo Colégio Amazonense D. Pedro II. Trabalhou como funcionária pública na extinta CODEAMA e ministrou aulas particulares para estudantes de nível médio. Atualmente, dedica-se à digitação de artigos acadêmicos e pesquisa sobre povos e lendas da Amazônia. Dessa pesquisa, nasceu sua obra “Raízes da Amazônia – LENDAS DA AMAZÔNIA”, composta por dois volumes, cada um contendo 45 lendas, publicada em 2011.
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