
*Wilma Tereza dos Reis Praia
Continuação…
Outras Lendas
A NOITE (LENDA MAUÉ)
Numa aldeia indígena do povo Maué próxima à cidade de Parintins, um dos primeiros povos a habitar o Brasil. Terra dos “papagaios faladores”, que é o significado de Maué.
A tribo Maué, como tantos outros povos da região Amazônica, travou seus primeiros contatos com o homem branco há mais de 300 anos.
Descobriram os poderes energéticos do guaraná, e dele fazem uso intenso. Como sua mitologia de origem está associada à este tipo de arbusto muito comum na Amazônia – são conhecidos como “Os filhos do Guaraná”. Também explicam a origem da noite através de lendas, como a que se descreve a seguir.
Depois de criado o mundo, não havia noite para o índio Maué dormir. Uánham, sabendo que Surucucu era dona da noite resolveu ir buscá-la. Levou consigo arco e flechas para com eles comprar a noite.
A Surucucu, porém, recusou, pois não possuía mãos. Uánham voltou com uma liga para as pernas. Surucucu mandou-lhe amarrá-la no seu rabo, porque não podia se levantar (por isso, quando a cobra se zanga, sacode o rabo, fazendo barulho, ché, ché, ché para prevenir quem passa). Não lhe entregou, porém, a noite.
Uánham voltou com venenos. Surucucu, então necessitada de venenos, arrumou a primeira noite numa cesta e entregou-a a Uánham.
Assim que saiu da casa da Surucucu, seus companheiros correram ao seu encontro ansiosos pelo resultado do negócio. Uánham fora recomendado pela Surucucu que só abrisse a cesta em casa. Seus companheiros muito insistiram em abrir a cesta, que acabaram conseguindo.
Saiu a primeira noite. Os companheiros de Uánham, com medo, começaram a gritar e fugiram às cegas. Uánham gritava: “Tragam a Lua, pois havia ficado só na noite”.
Então os parentes da Surucucu – jararaca, lacrau, centopéias – que já haviam dividido os venenos entre si e todas as outras cobras, foram experimentá-los em Uánham, exceto a Cutimbóia, pois sendo muito brava não ganhou veneno, para que não mordesse todos os Maué.
Uánham morreu da picada da jararaca, mas depois ressuscitou quando um amigo (com quem tinha um trato) banhou seu cadáver com um banho de folhas mágicas. Levou mais venenos para Surucucu, em troca da Grande Noite, porque a outra havia sido muito curta.
Surucucu, para formar a Noite Grande, misturou jenipapo com todas as imundícies que encontrou. É por isso que, à noite, sentimos tantas dores no corpo e ficamos com a boca amarga e mau-cheirosa.
ORIGEM DA NOITE: POVO MAUÉ
Quando o mundo era bem novo, não existia a noite e nem havia animais. Só plantas e pessoas. A claridade não terminava nunca e ninguém podia descansar direito.
Somente a cobra grande, que era feiticeira, podia fazer a noite surgir. Era uma cobra tão grande que dava medo. Vivia o tempo todo enrolada numa árvore que havia morrido de tanto calor. A cobra grande conservava a noite guardada dentro de um caroço de tucumã, bem fechado com breu e escondido no fundo do rio.
Como a cobra grande era egoísta, não queria repartir a noite com ninguém. Depois, sendo feiticeira, podia dormir quando sentia vontade. Deliciavam-se em ver aos seus pés aquelas pessoas mortas de sono.
– Ó, Cobra Grande! Dê-me um pouquinho de sono, que só você possui. Minha tribo está morrendo por não poder dormir, dizia um índio tonto de cansaço com os olhos quase fechado.
– Não posso. Se tiver a sorte de ficar com esse tesouro, não vou reparti-lo com ninguém.
E todos pediam, imploravam à cobra grande pela noite. Os animais, as árvores, os índios. Mas ela não cedia de jeito nenhum.
– Nada posso fazer, era a sua resposta.
O próprio rio onde a cobra grande vivia acabou por sofrer a falta de descanso. Não era possível resistir àquele sol que ardia sem cessar.
Um dia, quando a cobra grande foi tomar banho, notou que o rio não estava mais correndo. Perguntou-lhe por que motivo estava parado.
– Parei porque precisamos conversar.
– Conversar? Ora, ora, vá andando que não gosto de banhar-me em água parada.
– Ou conversamos ou não ando.
– A cobra grande, vendo que o rio estava decidido a falar com ela, resolveu concordar.
O rio então disse à cobra grande que se não tivesse um pouco da noite, as suas água iriam evaporar-se e ele iria secar. Pois não agüentava de tanto calor e sem a noite para refrescarse e descansar ele não mais iria resistir.
– Se é esse o motivo, pode secar à vontade, respondeu-lhe.
A filha da Cobra Grande, como a mãe, era feiticeira e também não precisava da noite para dormir, mas ficou com pena do marido que vivia arrastando-se pela floresta, mal conseguindo ficar de pé, e disse-lhe:
– Vou contar-lhe um segredo: Minha mãe possui o mistério da noite. Ela guarda a noite dentro de um caroço de tucumã.
O marido era senhor de três escravos muito fortes e obedientes; ela pediu que os enviasse até sua mãe para que trouxesse a noite.
Ao chegar até a cobra grande disseram-lhe:
– Sua filha mandou-nos buscar a noite.
– Se é minha filha que pede, sou obrigada a atender.
– A Cobra entregou a eles o caroço de tucumã, recomendando que não o abrissem no caminho.
Mas eles não resistiram à curiosidade e fizeram uma fogueira, derreteram o breu que fechava o caroço de tucumã e libertaram a noite. Todos os bichos que estavam dentro do caroço escaparam e o ar ficou cheio de gritos e pios.
A filha da cobra grande disse a seu marido:
– Os seus escravos libertaram a noite.
– Não é possível, eles são muito obedientes.
– Sim, mas a curiosidade venceu a obediência. Devem estar perdidos nas matas. E nós estamos perdidos também! Gritou o moço, tomado de pavor.
– Não tenha medo, possuo um segredo com o qual poderei controlar a noite.
A moça arrancou um fio de seu cabelo e disse a seu marido: Com esse fio vou separar o dia da noite.
Começou a cortar o espaço e logo apareceu o dia.
– O dia está voltando, agora teremos o dia e a noite.
COMO SURGIRAM AS SURGIRAM AS ESTRELAS
Conforme a Astronomia, as estrelas são corpos celestes de forma esférica dotados de luz própria, com temperatura e pressão elevadas em seu interior. Surgem da contração de nuvens de gases (hidrogênio) e poeira do meio interestelar que entram em colapso devido à força da gravidade.
A temperatura e a densidade em seu centro aumentam até elas incandescerem e emitirem brilho.
As estrelas variam quanto ao brilho, cor, temperatura, massa, tamanho, composição química e idade.
Os indígenas, no entanto, explicam a origem das estrelas através de lendas. Eis uma delas:
Algumas índias foram colher milho para fazer pão para seus maridos. Um indiozinho seguiu a mãe e, ao vê-las fazendo pão, roubou um monte de milho. Chamou seus amigos e foram pedir para a avó fazer pão para eles também.
Mas as mães sentiram a falta do milho e começaram a procurar. Os meninos, depois que comeram o pão, resolveram fugir. Para que a avó não contasse o que tinham feito, cortaram lhe a língua.
Então, fugiram para o mato. Chamaram o colibri e pediram para que amarrasse lá no céu o maior cipó que encontrasse. Assim feito, começaram a subir.
As mães voltaram para a tribo para procurar o milho. Então, perceberam que as crianças não estavam lá.
Desesperadas, perguntaram para a avó o que tinha acontecido. Mas ela não podia responder.
Então, uma das mães olhou para o céu e viu os meninos subindo pelo cipó. As mães correram e imploraram para que voltassem, mas os meninos não obedeceram.
Elas decidiram subir no cipó também. Mas os indiozinhos cortaram-no e as mães caíram. Ao chocarem-se contra o chão, transformaram-se em animais selvagens.
Os meninos malvados foram punidos por sua crueldade.
Como castigo, os meninos foram obrigados a olhar fixamente todas as noites para a terra, para ver o que aconteceu com suas mães.
Seus olhos, sempre abertos, são as estrelas.
Continua na próxima edição…
*Wilma Tereza dos Reis Praia, nascida em Manaus, é formada no Curso Técnico de Análise Clínicas pelo Colégio Amazonense D. Pedro II. Trabalhou como funcionária pública na extinta CODEAMA e ministrou aulas particulares para estudantes de nível médio. Atualmente, dedica-se à digitação de artigos acadêmicos e pesquisa sobre povos e lendas da Amazônia. Dessa pesquisa, nasceu sua obra “Raízes da Amazônia – LENDAS DA AMAZÔNIA”, composta por dois volumes, cada um contendo 45 lendas, publicada em 2011.
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