
*Wilma Tereza dos Reis Praia
Fauna
JAPIIM
O japiim é uma ave que apresenta plumagem preta com amarelo (Cacicus cela) ou, às vezes preta com vermelho (Cacicus haemorrhous). É encontrado na América do Sul, principalmente na região Amazônica do Brasil. Todas as suas lendas possuem feições etiológicas, pois procuram explicar por que o japiim arremeda todos os pássaros e não possui canto próprio.
O japiim era obrigado a cantar até que Tupã dormisse.
Um dia, uma doença apareceu na tribo e muito deles morreram. Eles, então, pediram a Tupã para ir para o céu.
Como esse desejo não podia ser atendido, Tupã ficou com pena deles e mandou que o japim viesse à selva para que os índios esquecessem o sofrimento.
Quando o japiim começou a cantar os índios ficaram maravilhados. Ninguém podia resistir a um canto como aquele. E esqueceram a doença.
Um a um, os índios foram sarando e se levantando. Ao perceber que a cura havia sido obra do japim, os índios ficaram felizes e lhe dedicaram grandes festas, e o pássaro não parava de cantar.
Pôde então, os índios trabalharem outra vez.
No entanto, chegou o dia em que o japiim devia voltar para Tupã. Os índios ficaram tristes e desesperados. Voltaram e pediram, então, a Tupã que lhes deixasse o japiim. Tupã, como era bondoso, deixou-o ficar.
Vendo a adoração que os índios tinham para com ele, o japiim, que possuía o canto mais belo de todos, começou a ficar convencido e orgulhoso, julgando-se o rei de toda a floresta.
Não cantava mais para os índios, vivia vadiando pela floresta imitando o canto de outras aves. Fazia isso para mostrar-lhes que o canto delas era fácil de ser imitado, o que não acontecia com o dele.
Os outros pássaros, aborrecidos e humilhados, procuraram Tupã e lhe contaram o que estava ocorrendo.
Tupã ouviu a queixa e ordenou que o japiim fosse falar com ele.
Disse-lhe:
– Então, você, dono do canto mais bonito do mundo, deixa-se tomar pela vaidade e passa a caçoar de seus irmãos, por que não tiveram a sorte de ter um canto mais bonito que o seu?
– Você não seria mais feliz se continuasse a repartir a riqueza que possui em vez de rir da pobreza dos outros?
Tupã o perdoou, mas ele, ao voltar, continuou imitando os outros pássaros.
Foi então que Tupã tirou o seu canto e, como castigo, o japiim não tem mais canto próprio, apenas imita o dos outros.
PIRARUCU
O pirarucu é um peixe da Amazônia, cujo comprimento pode chegar até 2 metros. Suas escamas são grandes e rígidas o suficiente para serem usadas como lixas de unha, ou como artesanato na forma de chaveiros, ou simplesmente vendidas como suvenires.
Muito apreciada pelos amazonenses a carne do pirarucu é suave e usada em pratos típicos da nossa região. Pode também ser preparada de outras maneiras, geralmente ela é salgada e exposta ao sol para secar. Mas fresca ou seca, a carne do pirarucu é sempre uma delícia em qualquer receita. O pirarucu atualmente encontra-se protegido por lei para que a espécie não entre em extinção.
A LENDA
O Pirarucu era um índio que pertencia à tribo dos Uaiás, que habitava as planícies de Lábrea, no Sudoeste do Amazonas. Ele era um bravo guerreiro, mas tinha um coração perverso, mesmo sendo filho de Pindarô, um índio de bom coração e também chefe da tribo.
Pirarucu era cheio de vaidades, egoísmo e excessivamente orgulhoso de seu poder. Tinha o péssimo hábito de criticar os deuses. Um dia, enquanto seu pai fazia uma visita amigável a outras tribos, Pirarucu se aproveitou da ocasião para tomar como refém índios das aldeias vizinhas e executá-los sem nenhum motivo.
Tupã, o deus dos deuses, observou Pirarucu por um longo tempo, até que, cansado daquele comportamento, decidiu puni-lo. Chamou Polo e ordenou que ele espalhasse seu mais poderoso relâmpago na área inteira.
Também chamou Iururaruaçu, a deusa das torrentes, e ordenou que ela provocasse as mais fortes torrentes de chuva sobre Pirarucu, que estava pescando com outros índios às margens do rio, não muito longe da aldeia.
O fogo de Tupã foi visto por toda a floresta. Quando Pirarucu percebeu os banzeiros furiosos do rio e ouviu a voz enraivecida de Tupã, ele as ignorou com uma risada e palavras de desprezo.
Então Tupã enviou Xandoré, o demônio que odeia os homens, para atirar relâmpagos e trovões sobre Pirarucu, enchendo o ar de luz. Pirarucu tentou escapar, mas enquanto ele corria por entre os galhos das árvores, um relâmpago fulminante enviado por Xandoré acertou o coração do guerreiro que, mesmo assim, ainda se recusou a pedir perdão.
Todos aqueles que se encontravam com o Pirarucu correram para a selva terrivelmente assustados, enquanto o corpo de Pirarucu, ainda vivo, foi levado para as profundezas do rio e transformado em um gigante e escuro peixe.
Pirarucu desapareceu nas águas e nunca mais retornou, mas, por um longo tempo, foi o terror da região.
ACARI-BODÓ
Acari-bodó, o mesmo que acari (também chamado de bodó), é um peixe que tem o corpo recoberto de escamas ósseas assemelhando-se a cascos. Gosta de viver na lama dos pequenos lagos formados pelas águas represadas das enchentes. Sua carne amarelada de gosto característico é bastante apreciada pelos nativos do Amazonas.
Conforme a lenda, nos primeiros dias da criação da natureza reuniam-se todas as espécies de peixes da Amazônia: a piraíba, o pirarucu, o peixe-boi, a piramutaba, a pirarara, pirajaguara, o pirajupeba, o pirajupena o pirajupeaua, o pirambeba, a piranha, o pirapeua, o pirapicu, a pirapitinga, a traíra, o mandii, a sardinha, o pacu, o tambaqui, a branquinha, o aracu, o puraquê, o dourado, o cuiú-cuiú e uma multidão de outros peixes.
O acari-bodó, não quis juntar-se aos outros, pois achava que a água estava muito suja e ficou isolado numa pequena poça d’água que sobrara da vazante do rio, um pouco longe do grande lago onde reuniam-se todos os primeiros peixes.
A mãe d’água, que comandava com muito carinho e disciplina a poranduba a respeito de tudo que eles deveriam saber sobre a vida naquela parte do mundo, observou que o acari-bodó não estava dentre os seus irmãos, mas bastante afastado, numa pequena poça d’água alimentada pelas chuvas constantes que se derramavam sobre o chão da várzea.
Chamou-o carinhosamente para tomar parte naquele primeiro grande auditório.
– Ei acari-bodó, por que você não vem para mais perto de nós, onde poderá ver e ouvir melhor o que estamos tratando?
– Não, respondeu com certo ar de soberania o cascudo acari, que estava devidamente refestelado sozinho dentro da poça d’água, afastado dos demais, como se fosse um pequeno rei.
– Por que você faz isso conosco acari-bodó, não vê que pertence à mesma família dos peixes e deve estar dentro d’água, no rio corrente onde você terá mais espaço para nadar e procurar seu alimento, além de ser mais difícil ser apanhado pelos nossos inimigos? Suplicou a mãe-d’água.
– Não vou, respondeu asperamente o revoltado peixe à frente dos companheiros. Não vou porque esta água é suja, barrenta, a gente não pode enxergar nada através dela e, além do mais, eu gosto de estar sozinho, sem ninguém por perto para me aborrecer. É melhor estar só do que mal acompanhado, disse o malcriado acari-bodó, sem voltar nem ao menos os olhos para a mãe d’água, que carinhosamente implorava sua companhia dentre a grande multidão que se comprimia dentro do vasto e belíssimo lago.
A reunião durou muitas semanas, ocasião em que cada espécie de peixe que recebeu as suas características soube onde morar, como se defender dos seus inimigos e como procurar a sua comida.
A mãe d’água disse, por exemplo, para o peixe-boi que ele deveria parir os seus filhotes e alimentá-los com leite, como fossem os bois; deveria morar nos grandes lagos amazonenses, a sua comida seria apenas canarana e algumas ervas que crescem às margens desses lagos, muito próprias para a sua alimentação.
Chamou o enorme pirarucu e, instruindo-o da mesma forma, disse-lhe que ele deveria morar nos lagos e paranás, poria ovos em panelas e quando nascessem os filhotes, esses deveriam ser guardados na sua própria boca até que pudessem nadar livremente das investidas de seus ferozes e mortais inimigos.
À piranha destinou: – daquele dia em diante, teria os dentes amolados como facas, andaria em cardumes, seria o mais temido de todos os peixes da Amazônia, seu alimento seria a carne de animais e peixes seus irmãos, habitaria em todos os rios, lagos, paranás e furos e despachou a piranha, que rapidamente desapareceu, afiando mais os seus terríveis dentes por um dos inúmeros canais que enchem os lagos na época da subida dos rios.
Chamou a pirarara, coloriu a sua pele e disse-lhe: pirarara serás um peixe muito gordo, por isso não serás perseguido pelos pescadores, entretanto os pajés e feiticeiros te matarão para com a tua gordura produzir manchas amarelas em homens e aves, e despachou a pirarara.
Chamou o puraquê e disse-lhe: de agora em diante serás diferente de todos os teus irmãos dos rios; viverás nos lagos, paranás e furos e tua comida só virá à tua boca com descargas elétricas que soltarás do teu próprio corpo; não terás escamas e a aparência de uma cobra será a tua forma, terás a cor da noite sem tem a cor das trevas. Serás temido por todos os teus irmãos, embora não lhes faças mal.
Depois de muitos e muitos dias despachando pacientemente peixe por peixe, verificando que o lago já estava vazio, a mãe do rio encerrou a sua reunião e já ia se retirando quando ouviu uma voz que vinha de cima de um pequeno barranco:
– Ei, mãe d’água, parece que você esqueceu de mim, já passaram muitas semanas, essa poça d’água já virou lama, está fedendo muito e quase seca, eu preciso sair daqui. Quero ir para um lugar limpo como isso quando eu cheguei.
– Não esqueci de ti, apenas te deixei para o fim para poder melhor ensinar a tua lição, respondeu a mãe d’água um tanto aborrecida.
– Acari-bodó, jamais sairás dessa poça de lama, aí terás teus filhos, ai eles crescerão e de lama se alimentarão até o último dia de suas vidas. Terás a tua boca na barriga para sugares melhor o teu alimento. Tua cor será igual à lama de tua morada para te confundires com ela e viverás, do nascimento a morte, grudado no fundo dessa oca da forma como escolheste… Por isso o acari-bodó nasce, alimenta-se, cresce vive e morre na lama.
Continua na próxima edição…
*Wilma Tereza dos Reis Praia, nascida em Manaus, é formada no Curso Técnico de Análise Clínicas pelo Colégio Amazonense D. Pedro II. Trabalhou como funcionária pública na extinta CODEAMA e ministrou aulas particulares para estudantes de nível médio. Atualmente, dedica-se à digitação de artigos acadêmicos e pesquisa sobre povos e lendas da Amazônia. Dessa pesquisa, nasceu sua obra “Raízes da Amazônia – LENDAS DA AMAZÔNIA”, composta por dois volumes, cada um contendo 45 lendas, publicada em 2011.
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O livro é lindo❤️
Amei ler esse livro ❤️