Manaus, 17 de junho de 2025

Raízes da Amazônia Lendas I

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*Wilma Tereza dos Reis Praia

Continuação…

Outras Lendas

A PRIMEIRA ÁGUA

Lenda maué que tem muito a dizer sobre o aparecimento da água.

Diz a lenda que antigamente, quando os maué ainda não existiam, havia dois irmãos de nome

Ocumaató e Icuamã.

Um dia Icuamã convidou Ocumaató, todos os bichos da terra e os peixes, para uma festa. Nessa festa começaram a tratar logo de vários assuntos, ao mesmo tempo, o Jeju e o Matrinxã, nada diziam, porém de acertado.

Falou o Jeju, primeiro; depois, no intervalo da conversa de outros bichos presentes, falou o Matrinxã.

Ora, Icuamã tinha levado consigo o seu único filho, criança muito esperta que, notando os erros do Jeju e do Matrinxã, se pôs a corrigi-los, divertindo, com isso, as pessoas presentes.

O Jeju e o Matrinxã, zangados, fizeram uma pajelança para o menino adoecer.

Ao chegar à casa, o menino adoeceu, morrendo depois de muitos sofrimentos.

Icuamã, diante do corpo do filho, jurou vingar-lhe a morte, um dia, atribuindo-a ao irmão. Enterrou primeiro, a perna esquerda; dela nasceu o timbó-urucu-ocuhup, isto é, o falso timbó. Depois enterrou a perna direita: dela nasceu o timbó-cipó-ocuhén, isto é, o timbó verdadeiro.

Ora, junto a Ocumaató, irmão de Icuamã, morava o Sucuri-Tenon, que tinha um filho, também muito ladino e muito curioso, chamado Sucuri-Pacu.

O Sucuri-Tenon proibira o filho de ir à casa dos seus tios, o Jeju, o Matrinxã e a Traíra, porque, como todos os “peixes-de-pele”, eram feiticeiros maus.

O menino, porém desobedecendo, um dia, foi à casa dos

seus tios, pois ouvira dizer em conversa, que um deles, o Jeju, tinha inventado, por meio da magia, a Primeira Água.

Ao chegar à casa dos seus tios, não os encontrou, mas encontrou a tia, a Traíra, mulher do Jeju, que lhe dissera que, os tios Jeju e Matrinchã estavam fazendo uma viagem.

A mulher de Jeju não gostava do sobrinho, mas o recebeu bem fazendo-o sentar-se. E conversou com ele.

O menino não se cansava de conversar, tudo querendo saber, mas, em verdade, só desejava saber se o tio, o Jeju, tinha inventado a Primeira Água. Estava pondo na conversa muito disfarce para provar desinteresse pelo verdadeiro motivo da sua visita aos tios.

De repente pediu à tia que lhe mostrasse a água que o tio havia inventado.

Traíra ficou muito espantada quando o sobrinho lhe falou na água.

– Quem te contou?

– Ouvi falar.

A Traíra mostrou-lhe uma poça pequenina onde estava a Água.

(Como sobre uma placa do espelho, vinda do céu, estava caindo sempre uma gota de água: tam! tam!)

(O sino de hoje, explicou o narrador, é imagem daquele pocinho e daquela gota d’água)

– Então, isso é água, minha tia? Perguntou a criança.

– É isso.

– Ah! admirou-se ele. Eu pensava que era grande.

A tia ficou zangada com o pouco caso que o menino fizera da invenção do Jeju. Como feiticeira má, fez um feitiço contra o sobrinho, porque, naquele pocinho estava a Primeira Água ou o Princípio da Água.

Imediatamente o menino começou a queixar-se de tonteira, de peso no estômago, de falta de ar. E despediu-se da tia, voltando para casa, onde se queixou ao pai.

Sabendo que o Sucuri-Pacu estivera em casa dos tios, disse logo que o filho estava enfeitiçado. E mandou que o menino fosse procurar remédio com quem o enfeitiçara, e o menino foi.

Assim como o Jeju, ao chegar da viagem, o Matrinxã fora avisado pela mulher da visita do sobrinho e de havê-lo enfeitiçado. Bebeu depressa a água do poçinho e a vomitou numa cuia, antes do sobrinho chegar-lhe à casa.

Não demorou muito tempo, chegava o menino.

Os tios o receberam, fingindo alegria.

O menino lhes pediu remédio, queixando-se de dores na cabeça e no estômago.

– Está aí! disse-lhe o Jeju, apontando uma cuia onde estava a água do poçinho. É teu tudo, tudo! Bebe!

O menino bebeu a água e logo as suas dores aumentaram, a barriga lhe foi inchando, inchando, inchando.

O menino pediu aos tios que lhe curassem as dores na barriga com o maracá de pajé. O tio passou-lhe o maracá na barriga, uma, duas, e, na terceira vez, da barriga do SucuriPacu, começou a correr grande quantidade d’água, que foi enchendo a casa, ameaçando cobrir os que estavam nela.

Vendo isso, o Jeju mandou chamar o Morcego, a Andorinha e o Sapo.

O Morcego e a Andorinha vieram, mas voando, só roçavam a água. Nada mais faziam. A Ariramba, a Garça, o Maguari, vieram também. Voaram sobre a água e foram ficar sobre os paus, só espiando.

O Sapo, assim que viu a água, contente, foi saltando nela aos gritos.

– Ah! Agora a gente já pode se banhar.

E caiu nela, pondo-se a cantar, noite e dia, no fundo.

A voz dele é baixa e rouca porque ele só canta no fundo dos lagos e rios.

Então o Jeju mandou chamar o Sucuri-Tenon, pai do menino.

O Sucuri-Tenon veio.

O Jeju lhe pediu que fosse abrindo caminho para a Água.

– Ora, isso é fácil! – respondeu o Sucuri-Tenon. Pôs-se a fumar cigarros de “tauari”, jogando as pontas nos cantos de casa, uma, duas, três vezes.

E atirou-se, em seguida, na água, procurando abrir caminho para ela, passando sob o batente da porta, até que conseguiu sair da casa dos feiticeiros e arrastar consigo a água.

O Jeju só fazia recomendar-lhe que não olhasse para trás, para a água fazer o rio direito e não torto.

O Sucuri-Tenon não quis obedecer ao Jeju e foi à frente da água, cavando o leito do rio, mas sempre olhando para os lados e para trás. Por isso, as cabeceiras do rio Andirá são feias, cobertas de árvores do igapó.

Os peixes, vendo que a Água crescia cada vez mais, resolveram mergulhar nela e saltar de um lado para o outro.

As aves – ariramba, socó, garça, marreca, marrecão, anari, andorinha – ficaram sobre as árvores das margens do rio Andirá. E com elas ficaram os morcegos, rente à água e nos ocos dos paus.

Icuamã, sabedor de que a água tinha formado os rios, os paranás, os igarapés, os lagos, os igapós, disse:

– Agora é que eu vou me vingar. Já sei que os peixes foram os assassinos do meu filho. Vou arrancar timbó!

Mandou, depois, chamar Ocumaató e contou-lhe o que ia fazer. E convidou toda a gente para o ajudar num “putirum”.

Vieram os convidados e Icuamã recomendou-lhes que não deixassem a mulher grávida pegar no timbó senão ficava sem força.

E, batendo feixes de timbó, alastrou a água com o suco da planta.

Todos os peixes, então, começaram a ficar tontos, a vir à tona da água, bêbados.

A gente, aos gritos, apontava os peixes:

– Os peixes já estão morrendo! Os peixes já estão morrendo!

Icuamã e Ocumaató e os companheiros foram pegando os peixes mortos, à tona d’água. Só pegavam os maiores. A ariamba, o maguari, o socó só comiam os pequeninos.

Ora, a onça e a mulher, vendo tantos peixes, pularam n’água esquecendo a mulher que estava grávida.

Assim o timbó ficou logo sem força, deixando de embebedar os peixes e matá-los.

Icuamã notou que fora desobedecido e o resultado era aquele.

Para castigar a onça tirou-lhe a sombra (matou-a) e plantou-lhe os olhos no sítio encantado que era da sua irmã Onyamuaçabê, deles nascendo a castanheira.

– O Sucuri-Tenon, dizem, mora hoje no Amazonas.

ORIGEM DO MUNDO

Lenda do povo Macuxi do Rio Branco, explicando como foram criadas todas as coisas, desde o céu, a terra, a água, o fogo, assim como os animais, as plantas, enfim, tudo o que existe no mundo.

De acordo com povo Macuxi do Rio Branco, no princípio só existia água e céu. Havia um imenso vazio e tudo era como uma grande noite.

Um dia Tupana desceu dentro de uma grande ventania e, no momento em que ia pisar na água, uma pequena porção de terra bem pequena emergiu e ali Tupana pisou. Nesse momento o sol apareceu e Tupana para ele olhou.

Quando o sol chegou bem no meio do céu seu calor rachou a pele de Tupana que começou a sair do seu corpo pelas pernas abaixo. Ao desaparecer do outro lado do céu a pele de Tupana caiu completamente do corpo dele, estendendo-se por sobre a água formando uma grande Terra.

Quando o sol voltou, havia a Terra, mas não havia gente. Ao meio dia, Tupana pegou um punhado de terra, amassou em sua mão e fez uma figura de gente e soprou no seu nariz e deixou no chão.

Essa figura começou a engatinhar, não comia, não chorava, rolava à toa pelo chão. Ela foi crescendo, e crescendo, ficou a altura de Tupana, mas não sabia falar. Tupana então percebendo que ele não falava, soprou fumaça dentro da sua boca e logo ele começou a falar e disse:

– Como tudo é bonito para mim, eis a água com a qual vou saciar minha sede. O fogo com que hei de aquecer meu corpo quando tiver frio.

Tupana estava perto, mas ele não o via. Quando a noite chegou, a lua apareceu no tronco de céu e ele perguntou: que fogo é aquele? Sua chama não aquece, não alumia, é frio como água. Ele via a água, a terra, o céu, o sol, a lua, a noite, só não via Tupana.

Um dia quando o sol ia dormir, ele sentou-se direto olhando a lua. Ouviu uma cantiga, sentiu-se alegre e cantou também. Após a noite, o dia raiou vermelho; enquanto ele cantava, Tupana estava fazendo as plantas.

O sol mostrou tudo aos seus olhos e ele disse: como tudo é bonito. Ele viu a árvore e conversou com ela, viu seus frutos e de repente uma fruta caiu perto dele. A árvore então disse para ele comer a fruta e pegar a semente e colocar embaixo da terra.

Assim ele fez, comeu a fruta e imediatamente seus olhos se abriram e ele teve fome. Comeu o fruto, plantou a semente e disse à árvore: – queria comer mais dessa fruta. A árvore então disse que se ele queria comer mais, deveria subir na árvore apanhar a fruta comê-la e não jogar a semente para o chão.

Ele comeu até se fartar e esqueceu do que à arvore tinha falado, e jogou as sementes pelo chão. Quando desceu disse à árvore que não queria mais, entretanto as sementes jogadas no chão se transformaram em tapir, veado, cotia, tamanduá, capivara, paca e outros animais…

Ele perguntou à árvore como iria descer, e a árvore respondeu-lhe que ele fosse passando de galho em galho até chegar à beira do rio. Assim ele o fez, foi comendo mais fruta e dessa vez foi guardando as sementes.

Quando ele chegou à beira do rio, jogou as sementes dentro do rio, para cima das árvores e para todos os lados. Elas logo se transformarem em mutum, saracura, maçarico, carão, guariba e pássaros que cantavam por cima das árvores. No rio: jacaré, sucuriju, piranha e outras espécies.

Quando o sol o alumiou, ele viu bichos por toda parte; animais, pássaros e peixes.

Os animais ainda não eram bravos, cheiraram-no, lamberam-no. Mas logo ele sentiu fome e novamente subiu na árvore e comeu de seus frutos, dessa vez ele jogou as sementes com força no chão elas se despedaçaram e os seus fragmentos foram se transformando em aranha, lacrau, caba, formiga que se foram logo espalhando pela terra e subindo pela árvore. As formigas de fogo foram subindo nele e o morderam, sentido dor ele perguntou à árvore o que o mordia.

A árvore contou para ele que as sementes que ele havia jogado no chão foram se transformando naqueles bichos e agora as cabas chegaram e o morderam também. Ele foi obrigado a se jogar na água.

A lua cantava no céu e todos ouviam seu canto bonito. Nesse instante, um peixinho veio encostar-se perto desse homem que deu um pulo e correu para terra. Em terra, os animais começaram a mordê-lo novamente e ele foi obrigado a voltar para a água.

O peixe voltou a encostar-se nele, que o sacudiu caindo por terra. Os animais correram para ferroá-lo. Então o peixe se sacudiu todo e todos os animais se colocaram perto dele.

Ele foi crescendo com o calor do sol e estourou saindo de dentro dele uma grande ventania que jogou todos os animais para bem longe. De dentro do peixe, saiu também uma linda moça que olhou para todos os lados como que procurando alguém.

Quando a noite chegou, um jovem encostou-se à beirada, saiu para a terra, e deitou-se bem perto da moça. Quando a manhã chegou eles se entreolharam e foi ela quem primeiro quem falou dizendo-lhe que já o tinha visto em sonhos. Ele apenas perguntou a ela se tinha visto um peixe. Nesse momento trovejou forte por cima de suas cabeças e começou a cair uma imensa chuva.

Quando passou a chuva, no outro dia o sol brilhou novamente, e aqueles dois entes nunca mais se deixaram; também os animais cada um tinha o seu parceiro, sua fêmea. E eles encheram a Terra.

Ao passar do tempo, os homens se matavam, tiravam mulher dos outros, e faziam toda a coisa feia. Os animais matavam, comiam e estragavam tudo o que encontravam.

Foi então que Tupana mandou Papá e Piá afundarem a Terra, matar a gente, animais e bichos.

Tupana, Papá e Piá desceram na Serra Ururoyma.

Papá começou juntando todas as plantas para não se perderem. Piá foi marcando as terras, as serras que não deveriam ir ao fundo.

Depois de fazerem tudo isso, Tupana subiu para o céu; eles ficaram no alto da Serra de Uroroyma. Imediatamente a água cresceu e em três dias a Terra ficou no fundo. Tudo desapareceu embaixo da água.

Então Tupana desceu à Serra de Ururoyma onde estavam Papá e Piá, e perguntou se já havia desaparecido tudo sobre a Terra. Eles responderam que sim.

Tupana então encarregou a Papá a plantação de semente por toda a Terra e a Piá, encarregou-o de fazer os animais no lugar dos que desapareceram.

Tupana criou a mulher de uma samaumeira que boiava na água grande, então soprou na figura da mulher que logo se mexeu. Tupana se deitou com ela e no fim de algumas luas ela teve dois filhos, macho e fêmea, que mais tarde cresceram e povoaram a terra.

Os animais, os bichos que hoje andam na Terra são bravos ou medrosos.

As plantas são umas boas, outras matam, são venenosas.

As mulheres são doidas, são enganosas porque nasceram da samaumeira.

Os homens são como elas porque delas saíram.

Por isso, contam como está tudo estragado nunca mais a Terra há de ir ao fundo.

 

Continua na próxima edição…

*Wilma Tereza dos Reis Praia, nascida em Manaus, é formada no Curso Técnico de Análise Clínicas pelo Colégio Amazonense D. Pedro II. Trabalhou como funcionária pública na extinta CODEAMA e ministrou aulas particulares para estudantes de nível médio. Atualmente, dedica-se à digitação de artigos acadêmicos e pesquisa sobre povos e lendas da Amazônia. Dessa pesquisa, nasceu sua obra “Raízes da Amazônia – LENDAS DA AMAZÔNIA”, composta por dois volumes, cada um contendo 45 lendas, publicada em 2011.

 

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