
*Wilma Tereza dos Reis Praia
Continuação…
Flora
AÇAÍ
O açaizeiro é uma palmeira originária da Amazônia, que dá o açaí, fruta muito energética. Os frutos apresentam inicialmente coloração verde clara, tornando-se verde escuro na maturação. A polpa envolve o endocarpo esférico que é fibroso na parte externa.
A árvore do açaí produz, cada uma, entre 6 e 8 cachos com 2,5 kg cada um, representando de 15 a 20 quilos de frutos por palmeira.
Conta a lenda que no Estado do Pará, na Amazônia, havia uma grande tribo ocupando aquela região.
Devido à escassez dos alimentos, a vida tornava-se cada dia mais difícil pela necessidade de alimentar todos os índios da tribo. Assim sendo, o cacique da tribo, chamado Itaki, foi obrigado por si mesmo a tomar uma cruel decisão. Resolveu que a partir daquele dia todas as crianças que nascessem seriam sacrificadas para evitar o aumento de índios da sua tribo.
A filha do cacique, Iaçã, engravidou logo em seguida da decisão do cacique, e deu à luz uma linda menina, que por justiça a todas as índias antes dela nascidas e depois da decisão do avô cacique, também teve de ser sacrificada.
Iaçã ficou desesperada e todas as noites chorava de saudades de sua filhinha por vários dias. De tão triste, Iaçã ficou que não mais saía de sua tenda. E, em oração, pediu à Tupã que mostrasse ao seu pai uma outra maneira de ajudar seu povo, sem ter que sacrificar as pobres indiazinhas.
Tupã ficou muito compadecido do sofrimento de Iaçã e de outras mãezinhas indígenas. Então, nessa mesma noite de lindo luar, Iaçã ouviu um choro de criança.
Ao aproximar-se da porta de sua oca, viu sua filhinha sorridente, ao pé de uma esbelta palmeira.
Louca de saudade da filha, e ao mesmo tempo espantada com a visão, lançou-se em direção à filha, abraçando-a. Mas, misteriosamente, a menina desapareceu. Iaçã ficou inconsolável e chorou muito até desfalecer.
No dia seguinte seu corpo foi encontrado abraçado ao tronco da palmeira. No rosto de Iaçã havia um sorriso de felicidade e seus olhos negros fitavam o alto da palmeira, que estava carregada de frutinhos escuros.
O cacique Itaki, então, mandou que apanhassem os frutos em um alguidar de madeira, o qual amassaram e obtiveram um vinho avermelhado que foi batizado de açaí, em homenagem a Iaçã, pois açaí é o seu nome invertido.
Assim, o cacique alimentou seu povo com o açaí e, a partir deste dia, nunca mais se sacrificou crianças, pois o cacique voltara em sua decisão.
E a aldeia indígena continuou crescendo sendo mais tarde transformada numa bela metrópole que se chama até hoje, Belém do Pará.
PACALAMOCA E OS TAJÁS
No começo da vida os índios macuxi eram poucos e, portanto, não tinham muitos irmãos e mulheres à margem do Uraricuera, do Sunimu, do Cotingo e na Ilha Maracá.
Por causa disso seus vizinhos os perseguiam, lhes destruindo as roças, as ubás e as malocas, com guerras ou emboscadas. Além disso as doenças e o Cainhamé matavam até seus xerimbabos quando chegava o inverno.
Não havia amor entre os índios, por isso não havia afeição unindo firmemente um índio a uma índia. Toda a tribo era infeliz nos campos e nas florestas que Macunaíma lhes dera.
Sem que o Tuxaua e toda a tribo o soubessem, o índio Pacalamoca saiu à procura da Mãe-do-Mato, para lhe pedir que protegesse a sua gente e a tornasse feliz e numerosa, como eram os povos Taulipáng, os Arecuná, os Uapixana, os Purucotó, todas elas tribos inimigas.
A Mãe-do-Mato estava enterrando as sementes de alguns frutos que os macacos, as araras e os tucanos haviam espalhados.
Pacalamoca contou tudo o que se passava com sua gente e a Mãe-do-Mato, então, ensinou-lhe o que deveria fazer para proteger as roças e malocas dos Macuxi, curá-los das doenças, salvá-los das mãos do Cainhamé e providenciar para que todos os amantes fossem unidos e felizes.
Naquela mesma noite, quando a Lua apareceu por cima das serras e dos lavrados, Pacalamoca (como lhe ensinara a Mãe-do-Mato) se pôs a caminho, com o seu arco, as suas flechas e duas pedras-de-fogo da velha Pelénosamó.
Ia em direção a um campo aberto, sem buritizeiros e sem pedras, com um lago onde os veados há muito não bebiam, nem nadavam os patos e as marrecas, nem gritavam as piaçocas e os téu-téus, e nem engordavam os jandaias e os mandis.
Na vizinhança do lago o índio Pacalamoca viu um bando de corotoicós (corujas brancas), de cauda comprida, fazendo algazarra sobre a cabeça dele, num vôo que se dirigia para a lua.
Pacalamoca lançou uma flecha certeira contra a coruja que ia mais alto e parecia querer ocupar um lugar no céu ao lado do mutum. A coruja caiu próximo ao lago, com o corpo atravessado pela flecha. O índio Pacalamoca não a tocou, nem tocou também na flecha, como havia lhe ensinado a Mãe-do Mato.
Foi catando, pelo campo, gravetos, folhas e capins secos. Pôs tudo sobre a ave e a flecha. Bateu as duas pedras-defogo da velha Pelenosamó, fortemente uma contra a outra. O fogo inflamou os gravetos, as folhas e o capim seco e uma grande fogueira começou a queimar a ave e a flecha.
Pacalamoca deitou-se de bruços, perto da fogueira, ao longo do seu arco, das suas flechas e das duas pedras de fogo e dormiu tranquilo sobre a terra seca do campo.
Ao amanhecer quando Pacalamoca acordou, em redor dele, dentro e em redor do lago, se aglomeravam todos os tajás que os Macuxi hoje conhecem, com folhas de vários feitios e cores deslumbrantes, sendo que cada um deles tinha virtudes especiais.
Pacalamoca que, depois, se tornou um grande pajé, servia-se deles como preferisse. Um tajá servia para tornar o índio bom caçador e bom pescador, outro, para tornar o índio invisível aos olhos mesmo de Cainhamé.
Também havia um tajá que neutralizava as fadigas da guerra, da pesca, da caça e das viagens, outro que fazia o índio ganhar nas provas e nas lutas tradicionais da tribo. O tajá que fazia os homens amados das mulheres e das mulheres queridas dos homens.
Pacalamoca, assim como havia lhe ensinado a Mãe-do-Mato, arrancou os tajás necessários ao trabalho, à saúde, à paz, aos amores e à felicidade dos Macuxi, levando-os ao seu povo.
A tribo por causa disso se tornou numerosa, e não mais faltou peixe nem caças, as doenças desapareceram, e os índios e as índias tiveram filhos sadios e fortes, ficaram mais unidos pelo laço do amor.
PIRIPIRIOCA
Houve um tempo quando não havia maldade na terra e os animais falavam como gente. Um dia um moço apareceu entre eles; como existiam outros povos na terra, os animais logo pensaram que o moço era deles.
Certa manhã o rapaz estava pescando quando um bando de moças entrou no rio para tomar banho. Ao vê-las, o moço fechou os olhos, mas elas se aproximaram, porque nunca tinham visto um homem tão bonito, e sentaram-se a seu lado perguntando:
– De que terra és tu, moço bonito, que nós ainda não vimos por aqui? Serás filho da bela Ceuici? Pois és bonito como ela.
O rapaz não respondeu e não se moveu, estava quieto como pedra. Uma das moças colocou a mão no ombro dele e disse: – Abre já teus olhos, pois se não o fizeres te levaremos à força para a cidade.
O moço levantou-se, abriu os olhos, olhou para as moças e disse:
– Eu sou Piripiri; e pulou dentro da água levando com ele três moças em sua linha de pescar.
Logo todas as outras moças gritaram:
- Não fujas, Piripiri, nós te queremos bem! Ficaram esperando que ele boiasse, mas a água aquietou-se e ninguém mais apareceu. A moça que tocou no ombro de Piripiri ficou cheirosa e o seu cheiro inundou toda a cidade.
Piripiri foi boiar bem longe com as três moças e deixouas em terra dizendo-lhes:
– Não endoideçam por mim, pois minha mãe não quer que eu me case enquanto não beber do seu leite.
Uma das três mulheres lhe perguntou:
– Onde está tua mãe, queremos abraçá-la e dizer a ela:
– Mulher ditosa! Quem te deu um filho bonito como um Sol, cheiroso como a flor? Piripiri assegurou a elas que era segredo, mas, um dia, todos iriam saber, quando a lua escurecesse no céu e a água ficasse branca como leite. Mandouas para a cidade e que não dissessem a ninguém por que estavam cheirosas.
No mesmo instante uma grande fumaça envolveu Piripiri, as mulheres não o vendo foram gritando para a cidade, perguntando pelos caminhos a todos se o tinham visto por ali. Mas ninguém sabia quem era Piripiri.
As índias ao chegarem à cidade contaram tudo o que tinha acontecido. Como estavam cheirosas de Piripiri, enlouqueceram os moços. As que não estavam cheirosas como elas, enciumadas, resolveram procurar Piripiri a fim de que ele as fizesse cheirosas também. E procuraram por todos os lugares, pelo céu, pela terra, pelo rio, pelo meio da noite.
Depois de uma porção de luas, uma índia vigiava uma gruta, quando viu Piripiri, que assobiou forte e uma veada saiu de dentro da gruta; Piripiri virou um veadinho e foi mamar na sua mãe. À noite eles viraram gente e foram para dentro da gruta.
A mulher voltou para a cidade e contou às outras o que viu e juntas combinaram em prender Piripiri, assim pintaram o corpo de urucu e foram.
Chegando ao local esconderam-se e esperaram. À tarde avistaram Piripiri que vinha cantando alegremente uma canção que se derramava por toda a serra. Uma veada saiu da gruta e partiu em direção a Piripiri e ao pular por cima dele virou gavião e suspendeu-o voando com ele para o outro lado do rio.
As moças choravam muito, ouvindo sua cantiga se perdendo no ar. Foram procurar um velho feiticeiro, e pediram que ele fizesse Piripiri enlouquecer por elas. Ele não podia fazer isso, pois não o conhecia.
As índias descreveram Piripiri para o feiticeiro, e este quis saber onde poderia encontrá-lo, quem era a mãe dele.
– Ontem ela era veada e depois virou gavião. O feiticeiro ficou impressionado e dirigiu-se ao Sol pedindo que lhe mostrasse onde se encontrava Piripiri. As moças levaram o feiticeiro até a gruta. Encontrando pelos de veado pegou em suas mãos e pôs cera de abelhas e disse: “essa noite o dono desses pelos há de voltar aqui”. Depois disso o feiticeiro voltou para a cidade e as moças ficaram esperando.
À meia noite a Lua estava bonita no céu, dois vultos entraram na gruta, as moças correram para agarrá-los, mas não o encontraram, só sentiram o cheiro de Piripiri que se espalhava pelo ar.
Elas voltaram a procurar o feiticeiro, que lhes disse não ter mais idade para fazer o que elas estavam pedindo deveriam procurar Supi, seu filho, pois ele era jovem e forte.
Supi havia fugido delas, pois tinha medo de quebranto, saruá, que as indígenas põem nos moços, por isso agora morava na serra.
O feiticeiro foi buscar o filho depois que elas prometeram não amá-lo. Supi perguntou o que elas queriam estava ali porque seu pai fôra buscá-lo para ajudá-las. Elas disseram que queriam Piripiri, pois tinham se apaixonado todas por ele.
– É Piripiri que vocês querem? Está bem, está noite quando murucututu cantar no silêncio da noite vocês vão pegar Piripiri e sua mãe, vou defumar a casa deles para eles dormirem pesado.
À noite as moças foram diretas para a gruta e encontraram Supi olhando para a Lua. Quando as horas iam altas, as moças ouviram uma canção distante que alegrou seus corações, ficando após tudo em silêncio. Dois vultos entraram na gruta.
De repente uma fogueira acendeu-se, Piripiri e sua mãe deitam-se no musgo para dormir. Uma fumaça cheirosa saiu do corpo deles inundando a todos.
Supi entregou-os às moças e partiu. Ficando a sós as moças se aproximaram de Piripiri e sua mãe e viram que ela era tão bonita quanto ele.
Amarraram ambos, Piripiri abriu os olhos olhou para todos os lados e riu no seu coração. A mãe dele perguntou: quem são vocês, o que querem de mim e de meu filho?
Quando as moças pensavam que Piripiri estava bem amarrado, ele fingiu acordar, e disse: Minha mãe, eu estava sonhando que uma porção de formigas me levavam para casa delas, nesse momento eu sacudi desse jeito os braços e elas caíram todas do meu corpo!.
Quando assim falou a corda que amarava o corpo dele se quebrou. As moças quiseram amarrar outra vez, mas não puderam porque seu corpo já estava liso e cheirava de embebedar.
A mãe de Piripiri mandou-o fugir para o tronco do céu, longe daquelas formigas mal cheirosas. Ouvindo isso da mãe de Piripiri, disseram: Impura és tu, ainda ontem nós te vimos veada. Então Piripiri se zangou e perguntou: que vocês querem do filho da veada? Saiam já daqui, tenho nojo de vocês.
Quando as moças ouviram estas palavras sentiram tremer seu coração e ficaram mudas. Uma voz saía do silencio e dizia: – Piripiri foge de perto dessas loucas, ainda não chegou o dia em que terás mulher bonita.
As mulheres olharam em direção da voz e perceberam que era um Uariri em cima de uma pedra. Piripiri e sua mãe desapareceram, as moças acusaram o ouriço de ter lhes facilitado a fuga e correram para castigá-lo, mas ele virou morcego e vôou para fora rindo muito.
As moças procuraram Supi e acusaram-no de terem sido enganadas por ele, mas ele lhes disse que tinham sido tolas, bastava um fio de cabelo para que Piripiri ficasse preso. Agora ele está desconfiado, vai ser mais difícil enganá-lo, vamos esperar a lua nova.
Todas olhavam para Supi. A mais bonita das Manau perguntou por que ele fugia delas, pois ninguém o queria tanto como elas, que o amavam de todo o coração.
Supi respondeu: – tu falas bonito, Purae, mas meu coração está longe daqui. Não posso amar nenhuma de vocês para não ensaruar meu pai, porque ele ficaria cego e eu também.
Quando a lua chegou novamente, Supi apareceu para as moças e disse-lhes que naquela noite todas estivessem na praia com um fio de cabelo na mão para amarrar Piripiri.
As moças encontraram Supi pescando, ele pegou um peixe puxou-o para a terra e o enterrou na areia, sentando-se junto dele. O peixe foi virando gente, era Piripiri. As moças então o amarraram com o fio de seus cabelos. Ele não se mexeu e cantou uma canção bonita e alegre cujo som se perdia na mata.
Elas disseram para Supi que amarraram Piripiri, mas ele continuava cantando e não tinha se dado conta disso. Supi falou: – Enquanto ele canta sua alma passeia nas estrelas, mas não toquem no corpo dele senão ele se espanta e sua alma fica no céu. Quando se calar, podem levá-lo cara casa. E Supi foi embora.
Mulher não sabe esperar, e logo a mais bonita das Manau, Purae, colocou as mãos no ombro dele e começou a acordá-lo, falando a seu ouvido. Piripiri acordou, um ventou frio soprou vindo da Lua e todas as outras moças adormeceram de repente.
Quando a Lua ia alta as índias acordaram e viram que no lugar de Piripiri estava uma planta, elas foram a Supi e ele lhes perguntou:
– O que vocês fizeram para ele desaparecer? Elas contaram que tinham tocado nele. Supi disse “pobre Piripiri, mão de mulher te perdeu”. Piripiri ficará para sempre no céu entre as estrelas.
Purae e todas as moças começaram a chorar. Supi desceu para a praia e ficou triste, queria dar Piripiri para as moças Manau, para livrar-se delas. Restava de Piripiri apenas uma planta, vinda do corpo dele tão cheirosa quanto ele.
Quem quisesse ficar cheirosa, alegre e faceira deveria banhar-se com piripirioca.
Ao ouvir isso as moças foram tirando as folhas e raízes, mas Purae ficou sem nada, por isso disse a Supi que ele iria ser a sua planta. O feiticeiro fugiu e Purae caiu bem em cima de um sapo cururu que por ali passava.
Supi correu para a cidade, atrás dele correram as outras moças. Quando o dia amanheceu as moças voltaram alegres, faceiras, cheirosas.
Quando os rapazes lhes perguntaram por que estavam assim elas responderam que era porque se banharam com a planta piripirioca.
Continua na próxima edição…
*Wilma Tereza dos Reis Praia, nascida em Manaus, é formada no Curso Técnico de Análise Clínicas pelo Colégio Amazonense D. Pedro II. Trabalhou como funcionária pública na extinta CODEAMA e ministrou aulas particulares para estudantes de nível médio. Atualmente, dedica-se à digitação de artigos acadêmicos e pesquisa sobre povos e lendas da Amazônia. Dessa pesquisa, nasceu sua obra “Raízes da Amazônia – LENDAS DA AMAZÔNIA”, composta por dois volumes, cada um contendo 45 lendas, publicada em 2011.
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