“E mais, durante a noite, por todo o quarteirão, o prédio do ginásio ficou bem iluminado por velas que eram mantidas acesas pelos plantonistas designados”.
Não pense o leitor que me concede o privilégio de acompanhar essas crônicas dominicais que essa revolução surgiu da minha imaginação, como a dos bichos que certo amigo costumava contar e virou texto de dramaturgia.
Esta aconteceu, de fato, e teve líderes, pregações cívicas e políticas, resistência e encerrou com a rendição dos donos do poder e a completa reforma das regras que a provocaram.
Passada no Ginásio Amazonense Pedro 11, ao tempo em que era denominado de Colégio Estadual do Amazonas e no qual portar o “castelo” na boina ou no bolso da blusa se constituía em orgulho para qualquer estudante de Manaus.
Corria o primeiro governo Plinio Coelho (1954-1958) que, por acaso, quando da explosão do movimento não se encontrava na cidade e o governo estava nas mãos do dr. Stanislau Affonso, presidente da Assembleia.
O fato é, que os ginasianos do Partido X, do PPG ou de qualquer outro dos que aglutinavam as tendências internas, foram proibidos de fazer campanha da forma como estavam acostumados: discursos, comícios, faixas, visita às salas, distribuição de folhetos para eleição ao Centro Estudantal “Plácido Serrano”, o grêmio que os representava.
A ordem do diretor, o respeitável Manoel Octávio de Souza, foi peremptória.
Depois de recorrerem ao governador de plantão que nada resolveu, e diante dessa “provocação” do diretor, os estudantes, liderados por José Braga e Erasmo Linhares, tomaram decisão, igualmente dura: fecharam os portões do Ginásio com correntes e cadeados e, durante quatro dias e quatro noites, não houve aula nem entrada de professor, aluno ou funcionário.
E diziam: se não tem campanha de política estudantil, também não tem aula.
E mais, durante a noite, por todo o quarteirão, o prédio do ginásio ficou bem iluminado por velas que eram mantidas acesas pelos plantonistas designados.
Como os estudantes não eram de todo radicais, e Manoel Octávio como professor merecia respeito e consideração, deixando vigias na guarda dos cadeados, uma comissão de alunos compareceu a Palácio Rio Negro, à boca da noite, para entrevista com Plinio Coelho que retornara de viagem.
Jantando no salão dos fundos, o governador recebeu a rapaziada que ele conhecia muito bem e os convidou para ceia, e, com surpresa, a resposta foi uma só: “aceitamos, de bom grado, governador”.
E foi assim, entre uma garfada e outra, contando tudo que se passara, que José Braga, Bianor Garcia, Càríos Carneiro, Erasmo Unhares Aguinelo Balbi; Rui Moura, Almir Diniz, Renato Lyra, Luiz Bezerra, Luiz Verçosa, Juarez Rebouças, José Leite Saraiva, Edmilson Rosas, Raimundo Aleixo, Mário China e outros, depois de muita conversa e de conselhos do governador, chegaram a um acordo feroz: abrir os cadeados só com a demissão imediata do diretor, cabendo à Congregação do colégio escolher o sucessor.
Demitido o diretor, e quando tudo parecia resolvido surgiu novo impasse.
Era preciso que o escolhido – em sessão secreta da Congregação – assumisse o compromisso de revogar a ordem que proibia a campanha ginasiana.
Na ocasião, alguns nomes foram vetados pelos revolucionários, e a solução veio com o padre Manoel Bessa Filho que, mesmo com a desconfiança dos estudantes por ser recém-chegado a Manaus e sem convivência com eles, depois de idas e vindas e discursos inflamados, foi aceito e tudo se resolveu.
Demitido do importante cargo e naturalmente abalado por isso, Manoel Octavio fez publicar na imprensa um belo artigo intitulado “Caí de pé”, criticando os ginasianos.
O troco foi duro, pois José Braga respondeu ao pé da letra com o seu “De pé pra cima”, logo no dia seguinte e no mesmo jornal.
Depois desse leva e traz não deu outra, a política estudantil teve vez e voz nos corredores, nos muros, nas salas de aula, e o Colégio Estadual continuou a formar líderes para o futuro do Amazonas, pois este, também, é o papel da escola.