(Itacoatiara, 18/10/2023)
Continuação…
III – Centro de Educação Profissional Moysés Benarrós Israel. Primitiva sede da Enfermaria Lafayette, mais tarde transformado em Posto de Profilaxia de Itacoatiara. Suntuoso edifício sito na esquina da Avenida Conselheiro Ruy Barbosa com a rua Adamastor de Figueiredo. Pertenceu ao comerciante Lafayette Rodrigues dos Santos, descendente do famoso conselheiro e ministro do imperador dom Pedro II, Lafayette Rodrigues Pereira (1834-1917).
Projeto do engenheiro civil Geraldo Rocha, as obras desse prédio, comandadas pelo mestre de obras português Antonio Pereira Tavares Retto, foram iniciadas em 1909 e concluídas em 1912. Lafayette Rodrigues dos Santos chegou a Itacoatiara na década de 1880; foi seringalista, político e editor do “Correio de Serpa” (jornal que circulou entre 1912 e 1914 e teve redação e oficinas na Travessa da Rampa, ao lado do Casarão dos Ramos).
Imagem do Centro de Educação Profissional Moysés Benarrós Israel. Gentileza de Fundação A. Maggi/Lygia Rodrigues
Dito imóvel sediou, entre a década de 1940 e meados de 1960, o Hotel Municipal e nos trinta anos seguintes esteve relegado ao abandono. Recuperado em 1998, foi doado pela Prefeitura Municipal ao SESC/SENAC, passando a sediar o Centro de Educação Profissional Moysés Benarrós Israel. Entre 2005 e 2010, obedecidas as características originais de sua fachada, o prédio teve sua estrutura ampliada recebendo mais um piso e nele foi instalado um elevador para facilitar o acesso entre os andares.
Conforme mencionado acima, o edifício fica na esquina das ruas Conselheiro Ruy Barbosa e Adamastor de Figueiredo. A primeira, primitivamente apelidada de Travessa da Marta, ou Romana, título conferido ao trecho iniciado na beira do rio Amazonas indo até o entroncamento da atual rua Luzardo Ferreira de Melo, foi oficializada em 1895 com o nome de Avenida Benjamin Constant – e finalmente na década de 1990 com o nome atual.
Por outro lado, antes da rua Adamastor de Figueiredo receber esse título (foi em 1959, em homenagem ao vereador homônimo falecido naquele ano), denominava-se rua Marechal Deodoro – homenageando-se ao primeiro presidente da República, Manuel Deodoro da Fonseca.
Foto – Márcia Honda comentando sobre o prédio do Centro de Educação Moysés Israel. Gentileza de Fundação A. Maggi/Camila
IV – Casario da rua Saldanha Marinho, com destaque para a antiga Casa Moysés e o antigo Café Internacional. O atual conjunto de prédios históricos dessa via pública substituiu às antigas casas de taipa de mão, construídas no período compreendido entre a instalação da vila de Serpa (1759) e os primeiros tempos da pequena cidade (primeiras décadas do século XIX).
Foi alí que tudo começou; era o coração do lugarejo. No passado, a rua Saldanha Marinho, antiga rua Formosa, sediou: (1) a Casa da Câmara de Serpa (1759-1874), (2) a primeira delegacia de polícia e (3) o primeiro mercado público. No entroncamento dessa via com a antiga Praça da Glória (atualmente Praça da Catedral) foi levantado o Pelourinho, onde índios, africanos e afrodescendentes foram açoitados por guardas e por seus senhores ao longo de muitas décadas.
A Saldanha Marinho fica entre a rua Cassiano Secundo e a Avenida Parque. A Cassiano Secundo foi aberta nos idos de 1860, com o nome de Travessa 15 de Novembro abrangendo o perímetro atualmente compreendido da beira do rio Amazonas à atual Adamastor de Figueiredo (cujo primeiro nome foi rua Marechal Deodoro). Até meados de 1930, o trecho que vai da rua Adamastor à atual rua Eduardo Ribeiro (fundos da Capela de São Francisco de Assis) chamava-se Estrada do Cemitério. De lá (1930) prá frente foi oficializada como rua Cassiano Secundo.
A Avenida Parque originou-se de uma simples estrada aberta em 1870 e, na sequência, tornou-se Travessa da Liberdade (1897), Avenida Conselheiro Ruy Barbosa (1923), Avenida Plínio Ramos Coelho (1957) e Avenida Torquato Tapajós (1965). O nome atual (Avenida Parque) data de 1993.
Casa Moysés. Principal símbolo da passagem dos judeus por Itacoatiara. Casa comercial instalada de frente para o rio, construída por Moysés Ezagui, entre 1885 e 1890. Alí funcionaram (1) o comércio de importação e exportação (firmas Moysés Ezagui & Cia., Ezagui & Irmão e Isaac Perez & Cia.); (2) a agência da companhia de navegação inglesa Booth Line; (3) a agência do Banco do Brasil; (4) a representação da Cervejaria Antarctica, etc.
Os judeus contribuíram eficazmente para a colonização e o desenvolvimento de Itacoatiara, e a primeira leva desses imigrantes chegou à região pelos idos de 1850. Na década de 1920 a colônia judia local atingiu a cerca de 300 membros. Entre os principais líderes judeus da cidade estavam Isaac José Perez e Moysés Ezagui.
Foto – Márcia Honda diante da Casa Moysés, expondo as características arquitetônicas do edifício histórico. Gentileza do Portal Itacultura
Durante muito tempo, até o final de 1940, a comunidade judia local reunia-se em uma casa de oração situada à rua Cassiano Secundo, defronte ao atual Colégio Nossa Senhora do Rosário. O Cemitério Israelita, datado de 1920, construído na Avenida 15 de Novembro, com 300 m2 de área, contém 32 sepulturas. Contemporâneo do Cemitério dos Judeus de Manaus, o Israelita de Itacoatiara há mais de meio século está desativado.
Café Internacional. Prédio instalado no centro histórico da cidade. Inaugurado em 1884 pela sociedade comercial Ferreira & Martins (constituída por portugueses), na rua Formosa (atual Saldanha Marinho), canto com a Praça da Glória (atualmente Praça da Catedral). Naquele ano, em Paris, o barão Frederico José de Santa-Anna Nery (1848-1901) lançou o livro “O país das Amazonas”, em que vaticinava um grande porvir para o município de Itacoatiara. A respeito, eu os convido à leitura das páginas 177/178 do primeiro volume de meu livro “Cronografia de Itacoatiara”, Manaus/1997.
À época vivia-se o período áureo da borracha, e os navios de bandeiras nacional e estrangeira, ancorados um de cada vez defronte ao improvisado porto da cidadezinha, embarcavam levas de produto gomífero e outros extrativos, procedentes sobretudo do rio Madeira e destinados ao sul do País e ao exterior. Nesse tempo o dinheiro corria à solta.
O botequim ficou famoso posto que frequentado por viajantes chegados a todo instante. Fazendo jus ao título, até os idos de 1940 o Café Internacional foi o mais badalado point da cidade. Dalí em diante serviu: (1) à empresa comercial de Hilário Antunes; (2) à agência dos Correios e Telégrafo; (3) ao Supermercado Ouro Verde; (4) à loja de José Antunes de Araújo; (5) e atualmente sedia uma Shoparia.
Imagem do antigo prédio do Café Internacional. Fonte: Indicador Ilustrado do Estado do Amazonas, 1910. Courrier e Biliter
V – Praça Nossa Senhora do Rosário, ou Praça da Catedral. Durante mais de um século, ou seja, desde a instalação da vila de Serpa (1759) à data de sua elevação à cidade, (1874), este logradouro circunscrevia-se à pequena área hoje representada pela pracinha defronte ao Restaurante Panorama, e a Casa da Câmara (sede da Administração do Município) situava-se justamente no local onde é atualmente o Mirante. No centro da atual pracinha ficava o Pelourinho, herança do período colonial.
A primitiva igrejinha de madeira e palha construída em seguida à instalação da vila de Nossa Senhora do Rosário Serpa, em 1759, ficava no terreno ocupado atualmente pela Quadra Herculano Castro e Costa, com frente para o rio Amazonas. Nos fundos desse humilde templo (terreno onde é a atual Praça da Catedral) foi instalado o Cemitério Público, o qual ficaria conhecido como Cemitério dos Índios.
Referida Igrejinha foi reformada pela primeira vez em 1854 (conferir tamanho e características da obra in páginas 94 e seguinte no primeiro volume de “Cronografia de Itacoatiara”, de minha autoria). Então, a área frontal à mesma recebeu a denominação de Praça da Glória, a qual nos anos seguintes ficaria conhecida como Largo da Matriz. À época, Serpa contava cerca de 2.500 habitantes e crescia a olhos vistos, principalmente após a instalação da Colônia agroindustrial Itacoatiara (1854), iniciativa do industrial Irineu gaúcho Evangelista de Sousa (1813-1889), barão e depois visconde de Mauá – donde se originou o bairro da Colônia.
Desenho figurativo da primitiva Igreja de Nossa Senhora do Rosário (Capela de madeira e palha: 1759). Bico de pena do pesquisador e documentarista Thyrso Munhoz, in “As Pedras do Rosário”, de minha autoria, página 134, Manaus, 2022.
Com a implantação da nova planta da vila, em 1859, a Câmara Municipal mandou ordenar a área central (centro histórico), e uma das providências foi a escolha de um terreno mais ao norte para instalar o novo Cemitério Público, à margem da Estrada do Cemitério (atual rua Cassiano Secundo), aberta em 1860 – conforme referenciamos acima. Nesse segundo Campo Santo, denominado São Miguel, construído em 1864/1866, houve enterramentos até cerca de 1903, sendo substituído pelo atual, Cemitério Divino Espírito Santo, que teve suas obras começadas em 1892.
Quanto à Matriz colonial, a despeito das várias reformas e ampliações recebidas, não resistiu ao rigoroso inverno de 1930: a parte trazeira do velho templo desabou e todo ele teve que ser demolido, fato que ocorreu em 1933.
Igreja Matriz colonial da vila de Serpa. Imagem de meados do século XIX, colhida do livro “Município de Itaquatiara” de Mário Ypiranga Monteiro, Manaus, 2018.
A Igreja Matriz substituta foi construída sobre um terreno mais recuado. Com essa providência e a consequente urbanização do local-sede da igreja antiga, a praça defronte foi ampliada e arborizada tornando-se ainda mais bela. A nova Matriz foi inaugurada em 1946. No período anterior aos trabalhos da referida urbanização, o terreno lateral à direita da antiga Matriz colonial serviu de campo de futebol.
Para relembrar: ao tempo da vila de Serpa (1759-1874) até a primeira década da atual cidade, a Praça principal da cidade denominava-se Praça da Glória, e em 1910 passou a ser Praça 13 de Maio. Com a decretação do Estado Novo, no governo do presidente Getúlio Vargas, em 1937, o prefeito municipal Alexandre José Antunes deu à praça o nome de Boulevard Presidente Getúlio Vargas.
Imagem da Igreja Matriz inaugurada em 1946, sucedânea do antigo prédio colonial, colhida do Google. Gentileza de Renato Farias
Em 1993, a Lei municipal nº 17, de 22 de junho, resultante de um projeto do então vereador Francisco Gomes da Silva, destinado a disciplinar a nomenclatura das ruas e bairros da cidade e, em respeito à tradição popular, revogou o termo “Boulevard” e conferiu ao referido espaço público o título de Praça da Matriz. Também, na mesma oportunidade, a principal artéria da cidade – Avenida Torquato Tapajós – graças à uma emenda do vereador Jander Nobre à referida Lei 17/1993, teve sua denominação mudada para Avenida Parque.
Com o decorrer do tempo e, face à extraordinária transformação arquitetônica por que passou o principal templo católico desta cidade; e ainda considerando que a Igreja Matriz ganhou o epíteto de Catedral, por analogia o título Praça da Matriz foi substituído pelo de Praça (ou Largo) da Catedral, fato perfeitamente justificável face à imponência do atual templo-sede da Prelazia de Itacoatiara.
Continua na próxima edição…
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