(Itacoatiara, 18/10/2023)
No dia 18 de outubro próximo passado, a convite da Fundação André e Lúcia Maggi (FALM), participamos do “Encontro Crescendo com o Local”, no Centro Cultural Velha Serpa, em Itacoatiara. O evento reuniu intelectuais da cidade e do Estado de Mato Grosso.
A abertura dos trabalhos foi feita pela presidente da FALM, Belisa Souza Maggi, que veio de Cuiabá/MT especialmente para o evento, e do qual ainda fizeram parte Cícero Ferreira Lima, gerente do Corredor Madeira-Amazonas; Lygia Rodrigues, historiadora, consultora da FALM para elaboração de diagnóstico sobre o Centro Cultural; Bruna Maciel, mediadora, analista de Comunicação da FALM; Aletéa Rufino dos Santos, gerente de operações da FALM; Josandra Carmona Mendes, analista de projetos sociais da FALM; Adnilson da Silva Lara, vice-presidente do Conselho Estadual de Cultura de Mato Grosso; Éder de Castro Gama, cientista social, diretor do Coletivo “Dá teus Pulos”, observatório de editais culturais de Itacoatiara – além dos seguintes colaboradores responsáveis pela parte técnica do evento: Mírian Viana, Paulo Frata, Jucionaldo Costa, Fernanda Stipp e Aline Saviczki. Entre os estudiosos locais que se fizeram presentes, destacamos: Thyrso Munhoz, Maria Castro Gama, Leila Cristina e Lizioney Libório.
A programação da manhã centrou na análise e discussão do painel intitulado “Descobrindo as Raízes e as Redes Culturais Itacoatiarenses”, cujo foco foi destacar as principais ações que o município vem realizando e compartilhar o diagnóstico realizado na cidade pela historiadora Lygia Rodrigues, identificando pontos-chaves que podem ser trabalhados pela FALM. Além disso foram discutidas as ações que a Fundação irá realizar em 2024 no Centro Cultural Velha Serpa.
Abertura do Encontro Cultural, pela presidente da FALM Belisa Souza Maggi. Foto de Márcia Honda
À tarde, o evento contou com o painel “Um Olhar para a Cultura: Roda de Conversa com Atores Locais”, que teve a participação de Adnilson Lara e Éder Gama, e a mediação de Josandra Mendes. O bate-papo abordou temas relacionados às melhores práticas para o fortalecimento da cultura, ao processo de criação de um conselho cultural, à gestão de fundos municipais e estaduais, à construção colaborativa de políticas culturais, ao papel das pessoas e instituições em um conselho e aos desafios enfrentados na construção de redes culturais.
A programação do final de tarde constou de apresentação de dois grupos folclóricos: um infantil, que interpretou a Ciranda “A emoção do cirandeiro”, e outro dançante, a cargo de um grupo indígena da etnia Mura.
Entre 16hs e 18hs aconteceu a Rota Cultural, levando os participantes do Encontro a visitarem vários pontos históricos de grande importância para o patrimônio cultural da cidade, mediada pela dupla formada pela arquiteta e urbanista Márcia Honda, da Superintendência do IPHAN no Amazonas, e o historiador Francisco Gomes da Silva.
Uma panorâmica da abertura do Encontro no Salão do Centro Cultural Velha Serpa. Gentileza Márcia Honda
De acordo com registros no Site da FALM, datados de 23 de outubro, “Francisco Gomes da Silva parabenizou a iniciativa da Fundação e avaliou o encontro como histórico, em razão da aproximação da comunidade para debater momentos-problemas. [O historiador] aproveitou para sugerir que tais realizações sejam mais aprofundadas, pois as considera importantes para esclarecer e motivar nossas autoridades e, especialmente, os estudiosos de Itacoatiara”.
O evento foi encerrado no Quintal Velha Serpa, palco do Sarau que reuniu o melhor do artesanato e culinária produzidos na região, incentivando a profissionalização de artesãos e culinaristas egressos do âmbito familiar. À oportunidade, a presidente Belisa Maggi destacou o desejo de continuar caminhando com a comunidade e afirmou textualmente: “Quero expressar nosso desejo de continuar as parcerias já condicionais e de testemunhar os avanços que estão ocorrendo a largos passos”.
A professora Márcia Honda demonstrou “grande satisfação” em ter participado do evento. Em mensagem a mim dirigida, via zapp, na manhã de 30 de outubro, relatou: “Senti-me muito honrada pelo convite promovido pela FALM, especialmente para colaborar como facilitadora da ‘Rota Cultural’ pelo centro histórico de Itacoatiara, em parceria com o historiador Francisco Gomes da Silva. A atividade possibilitou-nos atualizar informações acerca da realidade cultural itacoatiarense, em termos de políticas públicas e demandas populares, bem como revisitar parte do acervo edificado da cidade, tombado pela instância municipal, que, inclusive, foi inventariado pelo IPHAN em 2012, durante um seminário de educação patrimonial. Iniciativas como essas promovem a difusão do patrimônio cultural e contribuem para sua preservação”.
Arquiteta e urbanista Márcia Honda ladeando o historiador Francisco Gomes e duas assessoras da FALM. Gentileza de Márcia Honda
O ponto alto do “Encontro Crescendo com o Local”, sem dúvida, foi a Rota Cultural, levando os participantes a visitarem imóveis de grande relevância cultural, localizados no entorno imediato do roteiro proposto pela professora Márcia Honda e aprovado unanimemente pelos coordenadores – roteiro que incluiu o Centro Cultural Velha Serpa, o Casarão dos Ramos, a Praça Luiza Valério, o Centro de Educação Profissional Moysés Israel, o Casario da rua Saldanha Marinho (com destaque para a antiga Casa Moysés e o antigo Café Internacional), a Praça da Catedral (incluindo a Pedra Histórica), a Catedral Nossa Senhora do Rosário, a Academia Itacoatiarense de Letras e a Capela de São Francisco de Assis.
A duração da caminhada foi estabelecida em 2 horas, e o número de participantes em 40 pessoas, no máximo. O deslocamento dos facilitadores (Márcia Honda e Francisco Gomes) e dos 40 participantes foi realizado em dois microônibus, saindo do Centro Cultural com destino ao Casarão dos Ramos, e retornando ao ponto de partida, saindo da Capela de São Francisco. Os demais percursos foram feitos a pé.
A explanação dos facilitadores, sobre os imóveis e logradouros acima mencionados, foi estabelecida em cinco (5) minutos, um pouco mais ou um pouco menos, para cada um, cabendo a Francisco Gomes falarr sobre o histórico dos bens visitados (usos, proprietários, período de construção e relevância cultural); e a Márcia Honda discorrer sobre as caracteristicas arquitetônicas dos mesmos (estilo, tipologia, materiais e sistemas construtivos).
Imagem do Casarão dos Ramos. Gentileza do Portal Itacultura
A programação foi cumprida com absoluto sucesso. A caminhada do grupo pelas ruas de Itacoatiara e a fala dos facilitadores amplificada por alto-falantes externos chamaram a atenção dos transeuntes e juntaram muitos curiosos. A FALM primou pela organização da caminhada: além dos micro ônibus e de um carro de som, os “caravaneiros da cultura” tiveram à sua disposição uma ambulância pequena que os seguia discretamente.
RESUMO HISTÓRICO dos locais e bens visitados durante a Rota Cultural:
I – Casarão dos Ramos. Este título refere-se à família do empresário português Óscar Maria Ramos que, desde 2015, detém a propriedade do principal edifício situado na orla da cidade de Itacoatiara. Imóvel construído no final de 1870 (era início do período áureo da borracha, a chamada belle époque), por engenheiros alemães, a mando do grupo empresarial Kanh, Polack & Cia. (dos cidadãos judeus Hedmund Kanh e Michel Polack). Seus traços arquitetônicos lembram alguns sobrados da cidade de Berlim, no Vale do Reno. O madeirame utilizado no telhado e no assoalho, todo em Pinho de Riga (Pinus Silvestres), foi importado de Portugal, e as telhas para sua cobertura vieram diretamente da França. Tão imponente construção contrastava com o casario simples da pequenina cidade que, em 1874, acabara de substituir à vila de Serpa: então um amontoado de casas em madeira e palha. As poucas construídas em taipa de mão, à época, colocavam-se esparsamente nas ruelas da frente.
O grupo Kanh, Polack & Cia. atuou no mercado exportador de cacau e borracha até os primeiros anos do século XX, e entre 1907 e 1912, o edifício sediou depósito, escritório e casa de hospedagem do pessoal especializado da empresa norte-americana, dirigida pelo engenheiro Percival Farquhar, responsável pela construção da ferrovia Madeira-Mamoré, ao longo do rio Madeira, entre as cidades de Guajará-Mirim e Porto Velho, para ajudar no escoamento da borracha do Brasil para a Bolívia.
O imóvel foi vendido, posteriormente, à Companhia inglesa agropastoril e, com a falência desta, passou à propriedade da firma Arruda & Irmão, casa de comissões e consignações, sob a gerência do industrial amazonense Alfredo Arruda que, em 1915, vendeu-o ao comerciante português Óscar Maria Ramos, titular da firma Oscar Ramos & Cia., o qual deu continuidade ao comércio de borracha, sorva, castanha e outros produtos extrativos exportáveis para o exterior. Com a morte de Óscar Ramos, em 1937, seus sucessores abriram a firma Ilídio Ramos, Irmãos, e o imóvel passou a sediar o escritório de representação da companhia de navegação marítimo-fluvial inglesa Booth Line e da nacional SNAAPP, além da empresa aérea Panair do Brasil S/A., posteriormente substituída pela Cruzeiro do Sul Transportes Aéreos – atividades conduzidas até à extinção da firma, na década de 1960.
Francisco Gomes e Márcia Honda diante do Casarão dos Ramos, expondo sobre o histórico e as características arquitetônicas do mesmo. Gentileza do Portal Itacultura
Entre o final do século XVIII e a segunda metade do século XIX, as vias públicas da vila e depois cidade (1850-1890) não possuíam nomenclatura oficial nem placas de numeração de casas (os nomes das ruas e praças eram tradicionais).
Exemplos: (1) Em 1851, a rua defronte ao Casarão dos Ramos chamava-se rua da Glória (mas popularmente era rua da Rampa); em 1890 teve o nome substituído para rua Tenreiro Aranha; e desde 1895 até aqui chama-se rua Quintino Bocaiuva. (2) A ruela ao lado desse prédio em 1851 era travessa dos Martins (porque ali residiram os coronéis e políticos mandões da época: João da Paz Serudo Martins, Antonio Serudo Martins e Dionisio Serudo Martins). E desde meados de 1930 chama-se Travessa da Rampa.
Durante o Império e nos primeiros idos republicanos, a comunicação do local com o mundo exterior esteve sob os cuidados de uma estação radiotelegráfica inglesa. A iluminação pública era feita por lâmpadas a óleo de tartaruga e depois a querosene.
No período áureo da borracha (1870-1912), na vila de Serpa e na própria cidadezinha que a substitiu, a movimentação social e política era intensa. Na Travessa da Rampa, funcionou: (1) entre 1906 e 1911 o jornal “O Arauto”; em 1908 e 1909 o jornal “O Avança”; e entre 1912 e 1914, o jornal “Correio de Serpa”. Nos anos subsequentes, até a Revolução de 1930, em outras partes da cidade vários centros de imprensa foram estabelecidos. Em 1913 foram criados dois teatros: O Virgínea e o Cinco de Setembro.
II – Praça Luiza Valério. Popularmente denominada de Praça do Relógio. Aberta no governo do prefeito Isaac Perez (1930), o local antes sediou uma quadra residencial fazendo frente para a rua Quintino Bocauva e fundos para o rio Amazonas. Limitava-se, à direita, com a travessa da Marta – ou Travessa Romana (atualmente Av. Conselheiro Ruy Barbosa), trecho que levava ao Trapiche (antigo Porto da Vila de Serpa). Neste local – desde meados de 1800 até a década de 1960 – era intenso o movimento de navios de cargas e de passageiros, de bandeira inglesa (Booth Line, Amazon River, etc); nacionais (Loide Brasileiro, SNAAPP) e de empresas particulares.
O apelido “Praça do Relógio” remete ao relógio de quatro faces colocado no alto da torre de 10 metros de altura, implantado no centro da Praça, quando de sua inauguração em 1968 e que fornecia uma referência visual para as pessoas que passavam pela rua Quintino Bocaiuva ou pelo rio Amazonas. O inusitado da situação é que, há anos, o relógio desapareceu misteriosamente.
Francisco Gomes e Márcia Honda na Praça Luiza Valério, expondo sobre o histórico e a arquitetura desse logradouro público. Gentileza do Portal Itacultura
Nos idos de 1945/1965, a Praça então inominada sediou o “Café da Laura”, um quiosque construído em madeira de lei, cercado de mesas e cadeiras espalhadas pelo terreno, dirigido pela comerciante Laura Saraiva, filha de imigrantes portugueses. Um dos points da cidade, agradável ambiente para onde acorriam elementos da sociedade e da política local, viajantes e tripulantes de navios, artistas, boêmios e seresteiros. Entre um e outro carteado, entre uma e outra batida de dominó, servia-se uma xícara de café regional, uma dose de uísque escocês, um copo de vinho português ou uma taça de cerveja alemã.
Continua na próxima edição…
3 respostas
Olá, Professor, excelente semana.
A priori quero cumprimentá-lo e parabenizá-lo pelo trabalho e pelos conteúdos produzidos.
Sou Marco Sampaio, professor pedagogo, resido na cidade de Sena Madureira-Acre e atuo na Secretaria Municipal de Educação.
Quero ainda, agradecer pela contribuição, especialmente nos artigos sobre a história de Sena Madureira.
Recentemente, em parceria com o historiador José Wilson de Aguiar, escrevemos um livro sobre um recorte da história de Sena Madureira e será lançado logo.
Faço votos de infindáveis alegrias,
Marco Sampaio
Obrigado, amigo e confrade.
Saúdo-o e parabenizo-lhe ante o anunciado do futuro lançamento de seu livro. Vamos em frente. Divulguemos e proclamemos a trajetória de nossas cidades. Isso é salutar e muito construtivo. Abs.
Texto acima