
* José Roberto Girão de Alencar
Claro! Aqui está a história reescrita com diálogos entre os personagens, preservando o estilo nostálgico e romântico do original, e enriquecendo com interações que dão mais vida aos momentos descritos:
Na Manaus dos anos 50/60, o cinema era mais que diversão – era magia. Salas como o Guarany, Odeon, Avenida e Polytheama lotavam com gente de todos os cantos, em busca de emoção, aventura e romance projetados nas telas.
Sendo eu ainda adolescente, e vivendo intensamente o Centro da cidade – onde estudava e trabalhava como office-boy -, minha grande alegria aos fins de semana era saltar de sala em sala, do Cine Avenida para o Odeon, depois ao Guarany, Polytheama, e assim por diante. Era minha escola informal de idiomas e de sentimentos, lendo os letreiros com rapidez e prestando atenção em cada som, cada sotaque.
Ainda hoje me considero uma cinemateca ambulante. Mas entre tantos filmes e sessões, uma ficou gravada como um marco da juventude: a Sessão das Moças, realizada todas as sextas-feiras às 16h no Cine Avenida, na avenida Eduardo Ribeiro – onde hoje funciona uma loja da Bemol.
Era um ritual: moças entravam primeiro, sentavam-se intercaladamente, deixando cadeiras vagas ao lado. Os rapazes, impecáveis em seus sapatos e camisas engomadas, distribuíam sorrisos pelas portas laterais, procurando nos olhares femininos um sinal de aprovação para se sentarem.
Foi em uma dessas tardes que minha história aconteceu.
—
Sexta-feira, sol quente e eu atrasado.
Cheguei esbaforido ao Cine Avenida, parte das luzes já se apagando. Olhei rápido para a sala quase cheia e vi, próximo à tela, uma jovem loura sentada com duas cadeiras vagas ao lado. Sem pensar muito, joguei meu melhor sorriso, daqueles que ensaiei em frente ao espelho.
Ela respondeu com um sorriso tímido, mas claro. Sinal verde.
Sentei ao lado e iniciei a conversa:
— Boa tarde… posso?
— Claro — disse ela com uma voz doce. — Estava guardando essa cadeira…
— Para mim? Que sorte a minha… — sorri, meio sem jeito. — Meu nome é Paulo.
— Prazer, sou Helena.
O filme começaria em minutos. Tirei do bolso um bombom de hortelã e ofereci:
— Aceita um bombom? Pode ajudar, caso precisemos conversar… ou… bom, sabe…
— (Ela riu, suave) Muito cavalheiro. Aceito, sim.
As luzes se apagaram. Com o coração acelerado, tomei coragem e segurei sua mão. Ela não recuou. Dei um beijo leve sobre seus dedos.
— Você tem mãos delicadas, Helena.
— E você tem um jeito engraçado de elogiar — respondeu com um sorriso.
Quando a trilha sonora do filme embalava um beijo apaixonado na tela, passei o braço sobre seu ombro. Nossas cabeças se uniram. Foi mágico. Nos afagávamos devagar, trocando olhares mais do que palavras.
Ao fim da sessão, já com as luzes acesas, falei:
— Helena, aceita lanchar comigo no Fazano? É ali pertinho, na Eduardo Ribeiro.
— Aceito sim — respondeu, meio hesitante. — Mas… preciso esperar um pouquinho, deixar as pessoas saírem primeiro.
Ela olhou para os lados, visivelmente envergonhada. E foi então que percebi. Ao lado dela, no chão, repousava um par de muletas.
Fiquei mudo. O coração apertou.
— Eu… vou ao banheiro. Já volto — menti, apressado, sem encará-la.
Saí do cinema e… desapareci pela rua, como um covarde. Nem pensei no que ela sentiu. Ou talvez tenha pensado, e por isso mesmo fugi.
—
Alguns anos depois..
Já adulto e cursando Direito na velha Faculdade da Jaqueira, minha irmã Rosa, professora, pediu minha ajuda para resolver um processo na SEDUC. Fui até lá, à sede antiga, perto da Praça da Saudade.
Fui direcionado ao setor jurídico. Ao chegar, fui atendido por uma funcionária loura, elegante e educada.
— Boa tarde. Em que posso ajudar?
— Boa tarde. Vim tratar de um processo da minha irmã, professora da rede pública…
— Ah, sim. Um momento que já verifico.
Enquanto esperava, percebi que a moça passava por mim várias vezes, como se indecisa.
Até que voltou ao balcão, sorridente:
— Consegui resolver. O parecer foi favorável. Ela receberá o valor no próximo mês, com retroativos.
— Puxa, muito obrigado! Nem sei como agradecer… Se precisar de algo na Alfândega, trabalho lá como despachante.
Ela sorriu mais largo e disse:
— Você não é bom de memória, não é?
Fiquei surpreso.
— Como assim?
— Esqueceu da Sessão das Moças no Cine Avenida?
Meu rosto empalideceu. Meu coração afundou.
— Meu Deus… você é… Helena?
Ela assentiu, com um brilho sereno nos olhos.
Sem palavras, me levantei, as mãos trêmulas.
— Helena… me perdoe. Fui um idiota, um covarde. Eu…
— Shhh — ela disse, com ternura. — Está tudo bem, Paulo. Eu fiz uma cirurgia, corrigi meus pés. Hoje ando livre. E aprendi que o mundo gira… às vezes, dá até um girão de 360 graus.
Nos olhamos por alguns segundos. Depois, apertamos nossas mãos. Um silêncio profundo, mas cheio de paz.
Ela voltou ao seu trabalho. Eu saí dali com o coração cheio de emoção.
Helena venceu. A moça da Sessão das Moças superou o galã fujão. E essa história, guardo até hoje, como um lembrete: nunca subestime o que há por trás de um olhar.
*José Roberto Girão de Alencar, figura multifacetada do Amazonas, possui uma carreira de impacto nos setores público e privado. Com formação em Jornalismo, Relações Públicas, Direito e especializações, ele transitou de office-boy a Gerente de Marketing no Grupo Philippe Daou S.A. e atuou como Assessor, Chefe de Gabinete e Secretário em diversas secretarias estaduais.
Alencar foi fundamental na criação e implantação de instituições como a ESPEA (Escola de Serviço Público do Estado do Amazonas), a Escola de Polícia do Amazonas (hoje Academia de Polícia Civil), colaborou na implantação do Colégio Militar da PM, foi acionista fundador da COSAMA e idealizador da Escola de Administração Tributária do SINDIFISCO-AM, além de fundador da cooperativa CREDIFAZ (atual SICOOB).
Atualmente Auditor Fiscal de Tributos Estaduais (aposentado) e ex-professor da UFAM, mantém-se ativo como Vice-Presidente do ICBEU e da AFFEAM. Membro da União Brasileira de Escritores (com 3 livros e um prêmio) e Membro Honorário da Academia de Música do Amazonas, seu legado é reconhecido por inúmeras homenagens.
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