Em 1º de fevereiro de 2001, o Diário Oficial do Estado publicou o Decreto número 21.666, daquela data, assim ementado: “INSTITUI, como fundação pública, a UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS, dispõe sobre sua estrutura e funcionamento e dá outras providências.” Há 24 anos!
Nascia ali, mesmo que nem soubéssemos todos e que muitos duvidassem, a maior conquista do caboclo amazonense no início de um milênio e de um tempo que serviria para garantir a liberdade intelectual dos povos da floresta.
Já contei aqui que o governador Amazonino Armando Mendes tentara, desde o primeiro de seus quatro mandatos, instituir espaço público para discussão e aprendizado das coisas da Amazônia, de densa floresta e caudalosos rios que desde antes interessavam a muitos de vários lugares, alguns com interesse científico de apreendê-la, outros com desejos menores e até escusos de exploração econômica e de submissão. Na primeira gestão, o Caboclo, que depois passou a ser conhecido carinhosamente como Negão, criou o Instituto de Estudos Superiores da Amazônia, que pretendia reunir estudiosos de toda a região e que, por razões políticas menores, não chegou a marcar época, apesar de bem dirigido por Luís Maximino de Miranda Correia. No segundo mandato, a ideia de criar uma Universidade do Trópico Úmido não foi além de um anteprojeto de lei elaborado por professores como José Seráfico de Assis Carvalho e Randolpho de Souza Bittencourt.
No terceiro governo, Amazonino incumbiu a mim, secretário de Administração, a Vicente Nogueira, da Educação, e a Alfredo Paes, da Fazenda, de estabelecer negociação com faculdades e universidades particulares para comprar vagas que se destinassem a servidores públicos do Estado e a seus dependentes, assim como a pessoas de baixa renda, o que não se concretizou pela resistência à desejada compatibilização de preços com a garantia da pontualidade do pagamento.
Foi então que, em manhã de sábado tipicamente amazônico, calor que bem conhecemos, o chefe do Executivo, cientificado pela comissão do resultado das muitas reuniões realizadas, ouviu com atenção igual José Pacífico, da Casa Civil, Robério Braga, da Cultura, Francisco Deodato, da Saúde, José Melo, do Interior, e Ruy Cantanhede, da secretaria particular, e decidiu, ante os números que lhe foram apresentados, dotar o Estado de sua própria Universidade. Era dezembro do ano 2000 e Pacífico e eu saímos da residência do governador com a incumbência de apresentar, na segunda-feira que chegaria, anteprojeto de lei a ser examinado e encaminhado à Assembleia Legislativa. Foi assim que a 12 de janeiro de 2001 Amazonino sancionou a lei 2.637, que autorizou o Executivo a criar a desejada Instituição.
Por força do que estabeleceu a lei e na forma do projeto encaminhado pelo governo, a novel fundação deveria atuar, inicialmente, nas áreas de Tecnologia, Formação de Professores, Ciências da Saúde, Direito, Administração Pública, Turismo e Artes. Nasceria grande, portanto, e isso fez que o governador criasse grupo de trabalho constituído pelos secretários das pastas respectivas para cuidar das providências que conduzissem à criação e à implantação imediata da Universidade. Foram muitas as reuniões que se realizaram na secretaria de Administração e o esforço de todos acabou por permitir a Amazonino assinar, a 1º de fevereiro, o decreto de criação da UEA, que tive o privilégio de ajudar Pacífico na elaboração, e já no dia 2, seguinte, quando me nomeou como primeiro reitor, firmar ato que aprovou as regras do primeiro concurso vestibular.
Grande a euforia, assim como a desconfiança de muitos, até dos que defendiam que o governo deveria ter optado por transferir para a universidade federal, quase centenária, os recursos financeiros que empregaria. Maior a responsabilidade de realizar o exame inicial de seleção de alunos para as 1.930 vagas ofertadas, das quais 800 para Tefé e Parintins, distribuídas entre os cursos diurnos e noturnos de Medicina, Enfermagem, Odontologia, Administração Pública, Direito, Turismo, Dança, Música, Normal Superior e Licenciaturas plenas em Matemática, Física, Química, Biologia, História, Geografia e Letras. Mais de 130.000 candidatos inscreveram-se no que seria, então, o maior vestibular do país. Inscrições realizadas por jovens servidores da SEAD, entre eles Irineide Araújo, Isabela Russo, Paula Abreu, Geórgia Jucá, Juliana Braga, Vanessa Pacheco, Juliana Abreu, Rodrigo Mota, Fernando Carvalho, Agassis Júnior, Rodrigo Marques, aos quais se juntaram Lincoln Campos, Ieda Souza e Rosa Pontes, diretores do ISAE, além de Zeina Raman Neves, com experiência no setor e que depois viria a coordenar cinco concursos vestibulares que se seguiram, aí já em conjunto com a Fundação Getúlio Vargas, com aplicação de provas em todos os municípios do Estado coordenada por Michel, professor da FGV. No ano seguinte, mais de 300.000 habilitaram-se à disputa de novas vagas agora também em outras 11 sedes no Interior do Estado.
Enquanto isso, celebramos contrato com a Universidade Federal de Santa Catarina para realizar, com apoio da Escola de Serviço Público dirigida por Maria Justina Braga Monteiro, seleção curricular de candidatos ao magistério nos diferentes cursos, a partir das disciplinas dos períodos iniciais previstas nos projetos pedagógicos bem elaborados pelas respectivas áreas de conhecimento, sob coordenação de Robério Braga e Lenir, em artes e turismo, Wilson Alecrim e Esmeralda, em saúde, Randolpho Bittencourt e eu, em administração e direito, Vicente Nogueira e Warcily em educação e engenharia.
Em paralelo, fomos cuidar de espaços físicos que pudessem abrigar alunos, professores e servidores nas aulas que se deveriam iniciar, como de fato se deu, no começo do segundo semestre, e adquirimos o prédio da Embratel, em Manaus, para instalar os cursos daqui, enquanto tratávamos de adaptar o Palácio Rodoviário, na Cachoeirinha, para receber, logo depois, os cursos de saúde, com estrutura moderna e equipamentos de última geração. Ao mesmo tempo, obras foram realizadas em Parintins para aproveitamento do que havia sido uma escola agrotécnica, do próprio Estado, e adaptação do que fora escola de datilografia da Prelazia de Tefé, convenientemente aumentada e modernizada, três anos depois substituída por prédio especialmente construído, sob a coordenação de João Coelho Braga, secretário de infraestrutura. A meu lado, um grupo de sonhadores de primeira hora, como Robério, Carlos Eduardo, Raymundo Lasmar, Antônio Couto, Simão Assayag, de Parintins, professora Assunta, de Tefé, dentre outros, sofrendo os medos e enfrentando os desafios de fazer. À distância, o desembargador José Braga, presidente do TRT, mentor e conselheiro que desde antes aconselhara a criação da Universidade.
Em 1ª de agosto de 2001 iniciou-se o Seminário de Introdução à Universidade – onde foram conferencistas o ex-presidente José Sarney e o relator da Constituinte, Bernardo Cabral, com aula magna proferida pelo governador – objetivando treinar e capacitar, sob orientação de Ademar Mauro Teixeira, professores e alunos para uso correto de todas as inovações tecnológicas dos laboratórios, das bibliotecas e das salas de aula, incluindo possibilidade de acesso remoto à ministração de ensinamentos por via de quadro eletrônico que transferia para central de computação, em tempo real, tudo que ali fosse escrito pelo professor.
Ainda em 2001, a UEA ousou criar a maior infraestrutura de comunicação de que se sabia até então, com apoio de Giradez representando a Fundação Getúlio Vargas e, com banda de satélite especialmente alugada, estúdio de televisão dotado de equipamentos de última geração, antena parabólica em cada colégio, call center e servidores especialmente treinados, instituiu-se o mais importante programa de formação de professores de que se tem notícia até hoje e mais de 9.300 que lecionavam para alunos da 1ª à 4ª série do ensino fundamental constituíram 154 turmas que, em Manaus e em todos os 61 municípios do Interior, recebiam, em tempo real, aulas transmitidas ao vivo por professores doutores ou mestres e que contavam com um professor orientador em classe para coordenar as atividades de grupo determinadas. Foi o PROFORMAR, premiado pela UNESCO, que graduou mais de 95% dos membros do magistério desse nível de ensino. A 2 de janeiro de 2002, Amazonino proferiu a aula que iniciou essa revolução na qualidade do ensino no Estado e que gerou o maior banco de monografias de que se tem notícia, produzidas pelos mais de 15.000 professores-alunos graduados aí considerados os da segunda turma que se estendeu pela proveitosa direção superior da digna doutora Marilene Correa, magnífica reitora entre 2007 e 2010.
Com a necessária modernização tecnológica possível, esse é o sistema hoje usado pela SDUC e que permite à UEA promover cursos de graduação e pós-graduação em todos os municípios do Interior, tal como se fez, por exemplo, na área de Matemática, em que muitos alunos amazonenses, frutos desse esforço, se têm destacado em olimpíadas nacionais específicas.
Em 2002, a UEA instituiu o primeiro Mestrado em Direito Ambiental do Brasil, inaugurando a pós-graduação stricto sensu na área das ciências jurídicas no Amazonas, ao tempo em que iniciou Curso de Graduação em Ciências Políticas para 930 alunos em 13 municípios interioranos. Logo depois, criou Mestrado em Medicina, em parceria com o Hospital Tropical, que cedo passou a ter seu próprio Doutorado, providências que se repetiram em diferentes setores da Engenharia a cargo da Escola Superior de Tecnologia.
No primeiro governo de Eduardo Braga, entre 2003 e 2006, a UEA criou o primeiro curso superior de graduação em Segurança Pública, fazendo que a formação de policiais militares não mais precisasse ser realizada em outro Estado da Federação. Também ousou instituir Curso de Graduação de Professores Indígenas, desenvolvido em aldeia localizada no município de Benjamin Constant, assim como programa de Telemedicina, sob a orientação dos doutores Pedro Elias, depois Secretário de Saúde, e Cleinaldo de Almeida Costa, também digno reitor entre 2013 e 2022.
Contando com o entusiasmo do governador, como se dera desde antes, e com vistas a contribuir para a melhoria do índice de Desenvolvimento Humano do Estado, instituiu-se, com apoio de José Cyrino, Diretor da Escola Normal Superior, o programa Reescrevendo o Futuro, sob a coordenação da professora Nazaré Correa, de letramento de jovens e adultos, com turmas em todos os 61 municípios do Interior. Até maio de 2007, quando deixei a reitoria, havíamos combatido a escuridão do analfabetismo para mais de 125.000 moradores do Amazonas, índios ou não. Com a reitora Marilene, o Reescrevendo, como era carinhosamente conhecido, avançou para conquista de mais 200.000 jovens de até 70 anos de idade.
Destinando 50% das vagas dos cursos de saúde para alunos do Interior do Estado desde o primeiro vestibular e tendo instituído a reserva de vagas para estudantes da escola pública do Amazonas, a UEA cuidou de criar programa de formação para o concurso vestibular, contando com a participação de professores dos cursinhos particulares da cidade. Foi o APROVAR, curso gratuito que se fazia com aulas transmitidas ao vivo por rádio e pela televisão, e, com o sistema próprio de comunicação da Universidade, para todos os municípios interioranos, com apostilas encartadas nos jornais de Manaus aos domingos tratando de toda a matéria a ser estudada durante a semana.
Hoje, 24 anos depois, vejo realizado o pujante sonho de Amazonino Mendes, adotado com entusiasmo por Eduardo Braga, por Omar Aziz e por todos, enfim, que o sucederam na difícil missão de governar o Estado e, com destaque histórico para Marilene Correa da Silva Freitas, José Aldemir de Oliveira, Carlos Eduardo de Souza Gonçalves, Cleinaldo de Almeida Costa, que antecederam como reitores o não menos eminente professor André Luiz Nunes Zogahib, exaluno da primeira turma da UEA, homenageio nossa Universidade dos Povos da Floresta proclamando profundo respeito pelos que, servidores e professores, a constroem e a renovam no dia-a-dia do ensino, da pesquisa e da extensão, preservando sua natureza de maior universidade multicampi do país, desde 2002, ao tempo em que abraço, respeitosamente, todos os mais de 100.000 alunos e ex-alunos que contribuem com seu trabalho e com seu saber para a construção do Amazonas que a UEA transformou.
VALEU A PENA!
Views: 4