
*Lya Luft
Onde vamos parar? Que direção será tomada pelos responsáveis?
Uma das coisas que mais me impressionaram nestes dias tumultuados, tristes e muito preocupantes foi uma manifestante trazida em um entre as centenas de ônibus para Brasília no dia 31, acenando um folheto que lhe tinha sido entregue e gritando quase em prantos: “Não pode ter golpe! Se a Dilma sair, vão nos tirar tudo o que a gente conseguiu, vão acabar com o Bolsa Família, com o Minha Casa Minha Vida, vamos ficar sem nada!”.
Quem a fez acreditar nisso? Que poder tem, sobre pessoas honradas mas desinformadas, tal tipo de mentira e chantagem? Mais uma vez, a educação tem de ser a base de uma nação democrática, pois povo educado é povo informado e não se deixará conduzir e afligir dessa maneira. Mas estamos cada vez mais longe de uma Pátria Educadora, entramos abertamente na Pátria Negociante. E, mesmo assim, muitas pessoas estudadas, informadas, depois de provavelmente terem ouvido o jurista Miguel Reale Júnior na comissão do impeachment, com seus argumentos lúcidos embasados na melhor jurisprudência, continuam com a postura singular do “não vai ter golpe”.
Talvez qualquer fanatismo nosso, seja amoroso, político, profissional, acabe em uma espécie de neurose, que nos deixa obtusos e paralisados. Tudo se precipita de maneira vertiginosa, às vezes esperançosa, outras, assustadora. Espetáculos degradantes em reuniões e sessões até do Congresso. Cargos, dinheiro, favores, distribuem-se abertamente a quem é contra “o golpe”. Quanto valerá o meu país? Quanto vale uma lealdade? E uma deslealdade? Cada voto 1 milhão, digamos, e cada ausência algumas centenas? Dizem que a verdade é de vários milhões, aliás. Que cargos ambicionamos? A que benefício vamos nos candidatar, ainda que não tenhamos nenhum preparo para o cargo?
Nada vale tanto quanto esses bens preciosíssimos que só o juiz Sergio Moro e mais alguns poucos podem nos dar: a esperança e, sua irmã, a confiança. Todos os homens bem-pensantes procuram quase em desespero modos de arrumar esta casa que é a pátria nossa, depois de remover obstáculos, lixo, venenos, e abrir espaço para as coisas positivas que nos levem de novo a crescer, por pouco que seja, em ordem, respeito, bem-estar e confiança.
Acirram-se diferenças e raivas, hostilidades se expressam, algumas são – gravíssimo – cultivadas em palácios, em reuniões com grupos sabiamente agressivos, esses que invadem e destroem propriedades privadas com total desrespeito a direitos básicos. O alto escalão instiga a violência. Figuras da maior importância também no Judiciário mudam de opinião ou opinam de maneira estranha, quase incompreensível se levarmos em conta o bem do país – alguém ainda sabe o que é o bem do país?
Surgem conflitos até entre amigos e familiares: paira na manada inquieta uma sensação de iminente estouro. A quem vamos esmagar? Quem vamos salvar? Sombrias perspectivas diante do desesperado apego ao poder, no indisfarçado leilão a qualquer preço, qualquer cargo, qualquer defesa. Tudo isso formando uma balbúrdia de frases, gestos, caras, ameaças, mentiras que antes nem se imaginaria. Nós nos indagamos: onde vamos parar? Que direção será tomada pelos responsáveis? Quem são os responsáveis? Onde estão os decentes, confiáveis, serenos, competentes, para romper essa voragem? Fala-se nisso, e sobre isso se escreve interminavelmente, numa voz perpassada de susto e rumor.
Muito tenho trocado ideias com amigos, filhos, jornalistas, estudiosos do assunto: todos estamos inquietos e preocupados, debatendo saídas mais plausíveis neste momento tormentoso, para que se salve o Brasil. E deparamos com a estranha pergunta: sem a Lava-Jato, sem as investigações de mensalão, petrolão (e outras), Iríamos prosseguir numa insensata autofagia, destruindo-nos como nação, como economia, como lugar bom de viver, trabalhar, produzir, ser feliz?
Possivelmente, se tudo continuasse como estava, ao acordarmos estaríamos no último nível do tão anunciado desastre: e não haveria mais nenhum clarão, movimento, que não fosse o Apocalipse.