Manaus, 19 de setembro de 2024

Uma política pública para o desenvolvimento sustentável nos trópicos úmidos: o Estado do Amazonas, um caso ilustrativo parte I: Fundamentos políticos e econômicos – Texto 5

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Este quinto artigo e os oito subsequentes compõem o conjunto de textos que apresenta o design de uma proposta de política pública para o desenvolvimento sustentável nos trópicos úmidos, em especial no estado do Amazonas. Devido à complexidade e a abrangência teórica e empírica desta política ela será apresentada em forma prospectiva e por meio de macro cenários. Para imprimir clareza e melhor integração entre os textos, algumas vezes, será necessário a repetição de argumentos. Neste sentido, espero contar com a compreensão e a tolerância dos leitores.

Estes textos apresentam desde os fundamentos aos mecanismos operacionais desta importante e necessária política para o Estado do Amazonas. Os textos refletem uma concepção de desenvolvimento sustentável concebida pelo autor, entretanto isto não significa que ela seja a melhor entre as inúmeras existentes na literatura especializada. Trata-se de uma proposta que é apresentada, a partir da Amazônia, como contribuição ao seu processo de desenvolvimento sustentável.

Quando os europeus desembarcaram e ocuparam a Amazônia a partir do século 16, eles não hesitavam em eliminar fisicamente os povos originários quando estes se opunham aos tipos de ‘desenvolvimento’ impostos à região. Similarmente, nos vários períodos de ditadura impingidos ao Brasil, esta história se repetiu. O modelo de desenvolvimento econômico formulado nas trevas dos porões dos extermínios e das torturas físicas por aqueles que se apropriaram e controlavam autoritariamente as instituições brasileiras também considerava as culturas amazônicas como um entrave à modernização do país. Um obstáculo que precisava ser removido e eliminado em nome do progresso e da mercantilização da região e do Brasil.

Em forma diferente, mas com o mesmo fundamento, o governo federal vigente no período de 2019-2022 construiu um conjunto de ações premeditadas que resultou num crescente processo, sem precedente, de destruição total das culturas e das ecologias amazônicas, em nome de um desenvolvimento doentio e alienante.

Este é um dos maiores desafios brasileiros: reconstruir as políticas públicas e implantar o desenvolvimento da Amazônia, em bases contemporâneas e sustentáveis. Este tipo de desenvolvimento amazônico tem como principal fundamento, a sustentabilidade guiada, simultaneamente, pelos verbos-ação: inovar, empreender, preservar, incluir, compartilhar e transcender. Esta perspectiva exige o ‘ser, estar e fazer’ a partir da Amazônia. Este elemento estruturante estará presente em todos os textos subsequentes.

O Amazonas é um estado brasileiro sem um projeto socioeconômico consistente e integrado às suas culturas e ao uso sustentável de seus ambientes naturais. Atualmente, o seu futuro é uma tragédia anunciada. No limite, apresenta tendência de crescentes desigualdades sociais, miséria social e insegurança política. Localizado no coração da Amazônia brasileira, a sua destruição ecológica avança num ritmo intenso, transbordando em todas as direções. Como protegê-lo dos governos estúpidos e do capitalismo predatório? Com deter a sua crescente destruição ecológica que se realiza a custa de um tipo de ‘progresso’ que mantém as suas populações reféns de um contínuo processo de pauperização, desesperança e das doenças pandêmicas e epidêmicas? A construção de modelos alternativos à dependência da “Zona Franca de Manaus” mantida à custa de benefícios fiscais e tributários do estado brasileiro, continua sendo um desafio aos seus gestores e governos. Os seus principais focos econômicos continuam sendo as indústrias elétrico-eletrônicas, informática, automotora, química, alimentação e biofármacos com uma pauta de exportação que atinge vários países.

Desde sua instalação em Manaus, na década dos anos sessenta, este polo industrial já contabilizou lucros acima de US$550 bilhões às empresas transnacionais, com resultados ainda incipientes à melhoria de qualidade de vida das populações regionais. Nossa posição no ranking nacional dos índices de desenvolvimento humano se aproxima cada vez, numa linguagem simplória, da ‘lanterninha’ nacional. Fome, miséria e desesperança social movimentam a vida de centenas de milhares de pessoas e de nossa juventude numa das regiões mais bonitas, abundantes e complexas do mundo. A despeito dos esforços e tentativas de suas lideranças empresariais e comerciais em expandi-la e qualifica-la em forma integrada à região, as forças políticas nacionais continuam criando entraves e obstáculos burocráticos que a mantém refém de um tipo de desenvolvimento dissociado de suas potencialidades culturais e ecológicas.

A falta de uma política de ciência e tecnologia consistente e integrada à região também põe dificuldades à construção de um modelo de desenvolvimento sustentável ao estado do Amazonas. Uma política científica que possibilite criar as condições estruturais para explorar os recursos naturais da região mantendo os seus biomas preservados em forma sustentável. E, simultaneamente, envolvendo as suas instituições públicas e privadas e utilizando as tecnologias hightech de nossa matriz industrial e, também, as parcerias nacionais e internacionais necessárias.

Esta questão pode ser apresentada da seguinte forma: Como utilizar a educação, a ciência e a tecnologia para organizar uma política de desenvolvimento sustentável no estado do Amazonas, maior unidade federativa da Amazônia e do Brasil.

O Amazonas possui 4,2 milhões de habitantes e abriga 70 povos indígenas com cosmogonias próprias, mais de 1000 rios representando 15% da reserva mundial de água doce superficial, 25.000 quilômetros de rios navegáveis, 6,7% da biosfera tropical mundial, mais de 150 bilhões de árvores e 72 milhões de hectares de áreas protegidas. Este estado também possui 10% de todas as reservas florestais dos trópicos úmidos do planeta, distribuídas em 96% de sua área territorial de 1,570 milhão km2.

Esta proposta, organizada por meio dos oito artigos-opinião seguintes, publicados em ordem sequencial, apresenta os fundamentos, as diretrizes e um conjunto de ações estruturantes associadas à implantação e organização de uma política de desenvolvimento sustentável para este estado amazônico, no período de 2024-2034.

Há duas questões chave e sensíveis que têm que ser consideradas nas análises sociais e econômicas do estado do Amazonas. Os modelos de desenvolvimento econômico e social para este estado terão que ser formulados e construídos a partir dele, pelas instituições públicas e privadas, regionais, com as colaborações nacionais e internacionais apropriadas.

A segunda questão também tem alto grau de complexidade, a saber: Sem os povos indígenas não há Amazônia, pelo menos, na forma em que ela nos é materializada. Desde o período colonial, eles têm resistido e garantido à sobrevivência de suas culturas e dos ambientes naturais da região. Esta questão põe outros desafios que podem ser, rapidamente, superados sem dificuldades técnicas.

Portanto, tem-se a seguinte questão: Como integrar a gestão dos seus ambientes naturais e as suas culturas em seu modelo de desenvolvimento sustentável? Na verdade, o sensato seria uma estratégia contrária a esta, a saber: Como integrar uma proposta de desenvolvimento sustentável às suas culturas e aos seus ambientes naturais? E, finalmente, como municipalizar as estruturas de ciências e tecnologias com a perspectiva de incorporar sustentabilidades às suas políticas públicas, gerando mais qualidade de vida às suas populações? Estas são as principais questões que serão apresentadas, em forma sucinta, nos oito próximos artigos-opinião.

O autor propõe o investimento de US500 milhões na política de ciência e tecnologia para o desenvolvimento sustentável deste estado amazônico, no período de 2024-2034, criando os elementos técnicos necessários à melhoria dos seus índices de desenvolvimento humano. A implantação desta política pública constitui uma iniciativa-chave para consolidá-lo como principal referência de sustentabilidade no Brasil e no Mundo.

A destruição cultural e ecológica do Amazonas e, também, da Amazônia só beneficia os aventureiros, os oportunistas e os milicianos do capital predatório. O futuro promissor do Brasil depende do desenvolvimento sustentável da Amazônia. O próximo artigo apresentará os princípios e as diretrizes norteadoras desta política pública. Finalizando este quinto texto, apresento o poema “Amazônia e sustentabilidade: controvérsias fantásticas”.

AMAZÔNIA E SUSTENTABILIDADE: CONTROVÉRSIAS FANTÁSTICAS*

Amazônia,

Senhora de múltiplas sustentabilidades,
Em forma de sonhos e delírios,
E também de experimentos.
Libertai-vos da tirania governamental,

Do mercado pragmático,
E da ciência utilitarista;
Fontes de sua destruição ecocultural,
E de seus contínuos pesadelos existenciais.

Amazônia,
Geradora de sonhos
Prisioneiros de realidades improváveis,
E de rotinas reféns

De esperanças controversas,
Num universo permeado
Pelas ambiguidades da vida.
Sonhos que viajam junto

Com os delírios de autorreferência.
Sonhos e delírios,
Limites extremos de compromissos
Sensíveis e fantásticos,

Com um novo processo civilizatório
Centrado na ecologização planetária,
E dependente de rupturas,
Em direção de sua sustentabilidade.

Transição política marcada por incertezas
E inconsistências que podem potencializar,
A ilusão da sustentabilidade situada.
Ilusão, sonhos, delírios e sustentabilidade

Da Amazônia e do planeta,
Controvérsias fantásticas que se entrelaçam
Em busca de novas ressignificações
E compromissos edificantes.

Manaus, 25 de Maio de 2022

*Poema publicado no livro “Amazônia nosso tesouro”, Marcílio de Freitas, KDP – Amazon Book, 2022

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