Manaus, 22 de novembro de 2024

Uma política pública para o desenvolvimento sustentável nos trópicos úmidos: O estado do Amazonas, um caso ilustrativo Parte IVa: Desenvolvimento sustentável, Amazônia e Amazonas I – TEXTOS 8-9/30

Compartilhe nas redes:

Este oitavo artigo apresenta várias conexões da Amazônia, e também do estado do Amazonas, com os processos mundiais que reverberam na geopolítica global. O estado nacional, o mercado, a política e os movimentos sociais desempenham papeis importantes na redefinição dos fundamentos dos modelos de desenvolvimento econômico e do conceito de cidadania. Isto se desdobra em mudanças estruturais na educação, e ciência e tecnologia. A pandemia da covid-19 tem posto novos problemas para estas mudanças que abarcam problemas sociais e econômicos em diferentes escalas espaciais e temporais.

A inserção da sustentabilidade nesta conjuntura de transição tem gerado novos elementos técnicos que reverberam nos processos mundiais, em especial nos programas científicos e tecnológicos que operam as políticas públicas básicas. Materializa-se um novo ordenamento político e econômico global. Esta dimensão histórica emergiu no século 21, como parte de um conjunto de ações articuladas globalmente que podem ser resumidas em cinco novos compromissos civilizatórios, em forma de contratos. O contrato político de alcance mundial, a reafirmação universal do sistema democrático, o novo contrato natural em âmbito planetário, e novos contratos social e ético. Estes contratos têm impactos nas matrizes das políticas educativas e dos modelos de desenvolvimento econômico.

O contrato natural possui alcance mundial com desdobramentos imediatos na Amazônia. Ele tem como pressuposto a manutenção da estabilidade social e ecológica do planeta, a mitigação das injustiças ambientais e das mudanças climáticas. Pôs em evidência os limites teóricos e empíricos, assim como diversas contradições e controvérsias do regime capitalista. Regime que se orienta por um tipo de integração econômica assentado em modelos de consumo em massa, no lucro ilimitado, em crescentes processos de privatização e na alienação política dos trabalhadores e da juventude. Estes elementos se articulam com as suas plataformas de comunicação e com as suas matrizes industriais e tecnológicas baseadas na utilização de combustíveis fósseis, Contribui para a rápida depreciação ecológica e exploração intensiva dos recursos naturais, num quadro mundial permeado por crescentes desigualdades sociais e econômicas.

Os impactos dos modelos de desenvolvimento na depreciação da natureza resultaram numa sinergia mundial visando preservar e conservar os recursos naturais, em especial àqueles próprios dos solos, das águas e da atmosfera. Contribuíram também para a criação de novas matrizes de educação compromissadas com o nosso futuro sustentável e com a luta contra as desigualdades sociais.

Neste novo marco civilizatório, a preservação da Amazônia tornou-se um emblema da pós-modernidade. Um lócus importante para o funcionamento integrado e harmonioso do planeta e da humanidade. Em certo sentido, o “papel” da Amazônia no mundo assim como o “papel” do mundo em sua dinâmica cultural e ecológica foram incorporados como um dos fundamentos da sustentabilidade global, e também de seu desenvolvimento sustentável (da Amazônia).

A Amazônia brasileira estende-se por 4.987.247 km2, que corresponde a 5% da superfície sólida da Terra. Ela abriga mais de 32 milhões de pessoas em seus nove estados – 0,4% da população mundial – das quais mais de 70% vivem em áreas urbanas, e possui 22.360 comunidades isoladas em suas florestas. Ela abriga 163 povos indígenas, e diversidades culturais e biológicas classificadas entre as mais importantes no ranking mundial. Ela detém 33% das florestas tropicais e 20% da água doce superficial do planeta, que converge para o rio que transporta o maior volume de água do nosso planeta. Além disso, constitui uma entidade física essencial para a estabilidade mecânica, termodinâmica e química dos processos atmosféricos em escala planetária. Uma área de 3,7 a 4 milhões km2 desta região tropical úmida mantém a sua cobertura vegetal primária ou não afetada por perturbações antropogênicas significativas. Esta região, que também abriga ricas reservas minerais, possui cerca de 11.200 km de fronteiras internacionais.

A investigação científica comprova que a floresta amazônica, em escala planetária, é a maior fonte de biomassa renovável em terra sólida e em área contígua. Comprova também que a extração de petróleo, as indústrias químicas e farmacológicas, a ecoagricultura e o extrativismo, a bioindústria e os serviços ambientais, e a exploração dos polos minerais e metalúrgicos com os redimensionamentos adequados, podem ser explorados por meio de arranjos produtivos vocacionados integrados à região, em bases sustentáveis. A silvicultura e a piscicultura, o turismo ecológico, e a indústria alimentar também constituem vocações produtivas da região.

Estas atividades, em conjunto com as commodities ambientais, a utilização de fontes energéticas alternativas, a indústria de novos materiais e o ecodesign, e o pagamento dos direitos de propriedade intelectual às suas populações tradicionais, em médio prazo, podem gerar rendimentos econômicos anuais superiores a US$6,66 trilhões. Este valor supera, em mais de três vezes, o atual PIB brasileiro.

Entretanto, dados oficiais revelam um desmatamento atual maior que 22,8%, 114 milhões de hectares, do seu território, durante o período 1970-2021. Esta degradação se intensificou durante 2020-2021 quando alcançou mais que 13 milhões de hectares, gerando problemas ambientais e sociais com impactos regionais e planetários. O seu uso e ocupação desordenada geram impactos deletérios às futuras gerações.

As questões apresentadas se articulam com os movimentos sociais, os programas educacionais, e as redes científicas e tecnológicas. Elas têm criado conexões duradouras com os processos políticos e econômicos globais e, finalmente, com o desenvolvimento da ciência moderna. A emergência de novas matrizes educacionais com os desafios postos pela questão ambiental e a covid-19 também reverberou na Amazônia.

Neste sentido, a reestruturação dos seus programas de formação de professores e cursos de ensino das ciências, incorporando o paradigma da sustentabilidade, constitui uma ação política e pública premente. A amplitude geográfica e histórica da Amazônia caracteriza-se pela sofisticada diversidade em matéria de ambientes, economias e culturas, que reafirmam a importância do estado da Amazonas, seu principal ente federativo. Esta questão será analisada no próximo artigo.

Uma política pública para o desenvolvimento sustentável nos trópicos úmidos: O estado do Amazonas, um caso ilustrativo

Parte IVb: Desenvolvimento sustentável, Amazônia e Amazonas II – TEXTO 9/30

Este nono artigo faz uma sucinta apresentação do estado do Amazonas e de suas potências culturais e ecológicas, em grande escala. O Amazonas, principal estado da Amazônia, tem cerca de 4,2 milhões de habitantes distribuídos em seus 62 municípios, num território de 1.570.745,680 km2. Encontra-se delimitado por 2.525 km de fronteiras com a Colômbia, Venezuela e Peru. Representa 18,8% do território brasileiro, um pouco mais de 18,7% da Amazônia pan-americana, 12% do continente sul-americano e 1,5% da superfície sólida terrestre. A sua população corresponde a 2% da população brasileira e a 0,043% da população mundial. Possui mais de 1000 grandes rios que desembocam no Amazonas, o maior e mais volumoso rio do mundo que percorre mais de 2000 km em seu território. Isto resulta em 10% da disponibilidade mundial de água doce superficial, mais de 25% do potencial hidroelétrico do Brasil, cerca de 30 milhões de hectares de planícies inundáveis, 35.000 quilômetros de rios navegáveis, e uma frota de 80 mil barcos de médios e grandes portes.

O estado do Amazonas, também, abriga 6,7% da biosfera tropical mundial, uma grande diversidade étnica e cultural, e 6.830 comunidades isoladas, incluindo 70 povos indígenas com cosmogonias próprias e totalizando mais de 150.000 pessoas, 27% dos índios brasileiros.

O Amazonas possui 72 milhões de hectares de territórios protegidos, distribuídos em 38 unidades de conservação federais e 34 estaduais, legalmente criadas, representando pouco mais de 50% do seu espaço territorial. Representa, também, 10% de todas as reservas florestais dos trópicos úmidos do planeta, distribuídas em 96% do seu território. Este quadro encontra-se em acelerado processo de mudança com a crescente devastação ecológica na região. Os desmatamentos e o fogo são os agentes motores deste processo que parece não ter fim.

As suas florestas desempenham um papel importante no processo de estabilização termodinâmica do planeta, com a absorção eficaz de mais de 132 milhões de toneladas de carbono por ano, equivalente a 1-2% do total de dióxido de carbono emitido globalmente em 2020. Portanto, o Amazonas contribui significativamente para o resfriamento e a despoluição do planeta. Esta absorção de carbono seria suficiente para compensar quase integralmente, por exemplo, as emissões conjuntas da Bélgica e da Áustria, que totalizaram 158 milhões de toneladas de dióxido de carbono em 2019.

A concentração assimétrica de sua matriz industrial em Manaus e a interiorização de seu desenvolvimento são problemas que a economia regional e os políticos não conseguiram resolver nos últimos 110 anos, apesar do ufanismo com o modelo vigente. Embora o seu zoneamento sócio-econômico-ecológico já seja uma realidade desde a primeira década deste século. As prioridades para a municipalização de sua política de desenvolvimento sustentável e a ressignificação da Zona Franca de Manaus serão tratadas, respectivamente, nos artigos 14-15 e nos artigos 19-20.

Logo, os complexos universos políticos, econômicos e sociais do estado do Amazonas desafiam os programas de investigação em ciências humanas, da natureza e de educação científica. Os estudos das relações dos povos tradicionais com os ciclos da natureza e os processos interculturais, num quadro mundial de riscos e incertezas, põem em evidência novas responsabilidades institucionais para a formação científica dos povos indígenas amazônicos. O estado da Amazonas possui atualmente 22 instituições de ensino superior, públicas e privadas, com uma população universitária de 120.000 estudantes.

Possui também, em Manaus, um polo industrial que reúne mais de 500 indústrias nacionais e internacionais que compõem uma matriz científica e tecnológica diversificada e sofisticada. De natureza não poluente, este polo industrial produz mais de 450.000 empregos diretos e indiretos e produziu um Produto Interno Bruto de US$20 bilhões em 2020. Um polo de bioindústria encontra-se em processo de implantação em seu parque industrial.

A posição estratégica da Amazônia pode ser mensurada pelas suas contribuições mundiais nas condições de: termostato e fonte de reciclagem e mecanismo de estabilidade climática do planeta; espaço estratégico nacional e internacional; laboratório aberto às experiências em desenvolvimento sustentável, em todas as escalas; e berço de múltiplas culturas milenares integradas à natureza em forma sustentável. Além destas características materiais e simbólicas, a Amazônia possui múltiplas qualificações que reafirmam a sua função de laboratório científico mais complexo do planeta. Certamente, o estado do Amazonas constitui um marco importante neste quadro de referência mundial. Se este estado fosse um país, ele seria a maior potência ecológica do planeta.

Logo, a implantação de uma política de desenvolvimento sustentável no estado do Amazonas constitui um elemento importante para a melhoria de qualidade de vida de suas populações e, também, para a sua preservação em benefício da humanidade. O próximo artigo apresentará os programas propostos para o desenvolvimento sustentável no Amazonas. Para finalizar apresento o poema “Amazônia e o rio-Mãe sagrado”.

AMAZÔNIA E O RIO-MÃE SAGRADO*

Amazonas, rio-Mãe,
Filho dos Andes peruanos,
Águas geladas rolando pelas montanhas,
Aquecendo-se com as cordialidades
Dos vilarejos e dos efluentes solidários.

Amazonas, rio-Mãe,
Águas mornas e aprazíveis molhando
Os campos e as florestas peruanas
E colombianas em busca de novos desafios;
Transportando as memórias e as histórias

Dos lugares e das populações ribeirinhas.
Águas quentes que se avolumam sempre,
Abrigando mistérios e utopias,
Transbordando sobre extensas regiões,
E gerando novas floras e faunas desconhecidas.

Amazonas, rio-Mãe,
Sempre em frente,
Interligando vilarejos, cidades e países,
Distribuindo generosidades e esperanças
Às sociedades do saber.

Promovendo os espíritos da natureza;
Águas líquidas e os vapores das florestas,
Plantando as chuvas e formando os novos rios,
Saciando a sede e animando
O cotidiano das pessoas,

Gerando alegrias e os rituais sagrados.
Molhando as nossas lembranças e prazeres,
Infiltrando nas janelas do tempo,
E revelando segredos singelos,
Que acalentam os nossos corações.

Amazonas, rio-Mãe,
Umedece o solo e promove sua fertilidade,
Controla os ciclos da natureza
E as estações de suas floras e faunas.
Derrama suas gotas em forma de bênção;

Integra os seus povos com as forças cósmicas.
Água da vida, da floresta e das emoções,
Símbolo de alegrias, antropologias,
E de diversidade cultural.
Conexão com as atmosferas planetárias.

Ah! As águas dos lugares, dos países,
E dos continentes e do planeta,
Sobem e descem, descem e sobem, sempre;
Formam as nuvens, espalham-se ao mundo,
Distribuem mensagens e fragmentos

De antropologias e histórias.
Retornam às cidades, aos campos
E às florestas;
Geram as novas realidades e formam os regatos,
Riachos, os rios e revitalizam os oceanos.

Dançam num ritmo sincronizado;
Retém 20% da água fresca superficial
Mundial,
Na bacia hidrográfica amazônica,
E em suas florestas sagradas.

Amazonas, rio-Mãe,
Mais extenso e volumoso rio do mundo,
Em continua viagem em direção ao futuro,
Em busca de alianças e compartilhamentos,
Transporta as pessoas, os sonhos, as esperanças,

As liberdades e a vida aos lugares, às sociedades,
À natureza e aos seus 385 povos indígenas.
Rio dos encantamentos,
Das forças sobrenaturais e das resistências
Às trevas da destruição sanguinária,

Amazônia pan-americana,
Filha do rio Amazonas
E outros mais de 2 mil rios,
Transbordando sobre seus territórios;
600 tendo mais de 600 km de extensão.

Mundo de águas sagradas e integradas,
Comandado pela sabedoria do rio-Mãe,
Berço de centenas de povos originários,
Ao longo de seus 6.992 km de extensão,
Dos Andes à sua foz no oceano Atlântico.

Rio Amazonas,
Legado de seus povos e de as Amazonas,
Mulheres graciosas e guerreiras,
Protetoras de seus domínios e florestas,
Rainhas da sustentabilidade.

Manaus, 11 de Outubro de 2022

Views: 63

Compartilhe nas redes:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

COLUNISTAS

COLABORADORES

Abrahim Baze

Alírio Marques