Manaus, 18 de junho de 2025

Vim de igarité a remo (Ensaios e memória)

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Continuação ….

Educação

A escola do rio

e da floresta

X

1. Existe uma escola fundada em 1950, em Eirunepé, cidadeplantada às margens do rio Juruá, que possui em número um bom quadro de professores. A informante não se refere à qualidade do corpo docente quanto à formação pedagógica. São 34 professores para atender três turnos de 518 alunos em séries do ensino fundamental e 53 do ensino médio. A média desses números resulta em 17 alunos para cada professor, o que é, à primeira vista, um bom índice.

O lado negativo dessa escola está na origem dos alunos, todos oriundos de famílias carentes, pais analfabetos e sem atividade profissional definida, moradores de áreas urbanas desprovidas de saneamento básico, vivendo da ajuda dos programas sociais do governo federal como os então Bolsa Escola, Vale Gás e Peti. População ainda constituída por contingentes humanos nordestinos atraídos pela alta da economia da borracha, fenômeno registrado nas últimas décadas do Século XIX e na primeira do XX. Eles fugiam das secas em busca de fortuna e constituíam família fundando tradições e crendices nos lugares em que se estabeleciam.

Enfim a escola da beira do rio foi beneficiada pelas políticas de apoio social do governo. O programa Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), criado em 1996, no governo do professor Fernando Henrique Cardoso, visava mobilizar a sociedade para retirar a criança e o adolescente, na faixa etária dos 7 aos 15 anos, do trabalho perigoso, penoso, insalubre e degradante. O Vale Gás constituía medida adotada em 2002 pelo governo federal na linha de toda a malha de providências de atendimento das populações de baixa renda no setor do consumo de combustíveis. A Bolsa Escola, adotada pelo Governo federal e criada pelo professor Cristovan Buarque, quando governador do Distrito Federal (1995-1998), com o objetivo de pagar uma bolsa às famílias de baixa renda, permitindo aos jovens e crianças na faixa dos 7 aos 14 anos, frequentarem a escola regularmente.

No governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Bolsa Escola foi transformada na Bolsa Família, destinada a socorrer com transferência direta de renda do governo para famílias pobres (renda mensal por pessoa entre R$60,01 e R$120,00) e em extrema pobreza (renda mensal por pessoa de até R$60,00), valores levantados no momento em que escrevo estas notas.

2. A escola do rio e da floresta vivia (ou vive) divorciada dos problemas do rio e da floresta. Era ou continua sendo uma escola por assim dizer acadêmica, destinada a dotar o homem com alguma tintura de conhecimento, como atributo ornamental da personalidade, sem nenhum compromisso com o desenvolvimento social e político do cidadão e a transformação da sua realidade.

Escola igual àquela referida no primeiro tópico destas notas, que o Governador Lindoso133 encontrou numa comunidade do alto Rio Juruá, onde se estudava em livros que apresentavam ônibus como veículos de transporte, e, mais exoticamente ainda, levando as pessoas para a Penha, um bairro do Rio de Janeiro, sabedores de que os meios de transporte coletivo naquela comunidade, banhada pelo Rio Juruá, eram as canoas, igarités a vela e os motores, nos caminhos de água.

Aquela escola precisava de mudanças, como as previstas por uma professora de Barcelos, que, aos 40 anos, atingida pelo Proformar, observou que o projeto veio para mudar a vida de muitos professores que, por muito tempo, permaneceram esquecidos e não encontravam nenhum motivo para buscar mudanças em seu modo de ensinar e de aprender, agora, sentindo-se, ela própria, apta a assumir novos horizontes sem deixar a sua terra.

O procedimento educativo correto, portanto, naquela comunidade, onde hoje estão operando os professores do Proformar, tal como em todas as comunidades do Estado, deveria ser desenvolvido no sentido de como trabalhar os seus legítimos veículos de transporte e de como cuidar das águas e do seu uso, inclusive na função de estradas que aproximam as pessoas e os grupos humanos, no intuito de mantê-las sempre limpas e boas para o consumo dos seus moradores, com a adoção de livros que mostrassem essa realidade.

Precisava-se de uma escola como a pensada por outra aluna da cidade de Silves, no baixo Amazonas que, aos 30 anos, afirma que o Proformar não representa a cura, mas o início de um tratamento, e a maneira como recebem este tratamento é que faz a diferença. De que adianta receber medicamentos e não desejar ser saudável? Ou, de outro modo, ter o seu diagnóstico em mãos e recusar-se a suportar a recuperação? Assim é estar perto da Educação e não querer recebê-la.

Precisa-se de uma escola comprometida com o destino do educando e do seu espaço vital. Uma escola que inspire o homem solidário preparado para a liberdade, imunizado contra quaisquer formas de paternalismos ou dirigismos esdrúxulos, responsável por seus atos e aberto ao espírito de iniciativa, na participação de melhoria da vida e das relações na sociedade. Em harmonia com os elementos da natureza.

Uma escola que, ao reunir o povo de uma comunidade, busque superar a todas as dificuldades que se lhe anteponham, porque, enfim, o mais difícil é conseguir aglutinar as pessoas em torno de um objetivo.

A partir daí, juntos, não há força que os detenha, aptos a encontrar solução para qualquer gênero de problemas.

Uma escola condizente com a experiência e os conhecimentos de uma aluna de Tefé, no médio Solimões, 53 anos, que começou a dar aula em 1977 e, em sua trajetória trabalhou com crianças, jovens e adultos, revelando agora a gratidão aos professores do Proformar, preocupados em transmitir os conteúdos de forma criativa e inovadora, construindo no aluno a necessidade de ser multiplicador, levando a eles autenticidade e conhecimento de forma dinâmica e prazerosa.

Não mais uma escola desvinculada do meio a exemplo de alguns traços herdados de determinados períodos do processo educacional implantado no país, segundo comprovam episódios da história da educação brasileira, referido no tópico V destas notas.

Os professores daquela escola velha eram, portanto, uns homens e mulheres rabugentos e donos da verdade, proprietários do saber e do conhecimento. É bem o ranço desse comportamento o que ficou no retrato dessa escola e que se percebe do depoimento oferecido a seguir por uma professora cabocla.

Ela nasceu em 1964 no município de Eirunepé, rio Juruá. É solteira, cor clara, cabelos e olhos claros, medindo 1,65 m de altura. Revela que sua família é de classe média baixa e possui mais dois irmãos. Iniciou os estudos da 1.ª a 4.ª séries do antigo primário numa escola retrógrada. Lembra que nessa época os estudos eram difíceis e os professores completamente ultrapassados em sua metodologia, autoritários e severos. Diz a informante que se tratava de um ensino convencional em que o conteúdo e os procedimentos didáticos na relação professor-aluno, não se comprometiam de nenhuma forma com a realidade e com o dia a dia da coletividade. Não podia em verdade haver tal comprometimento. Os professores eram donos da matéria, proprietários do conhecimento, tal como os detentores das famigeradas aulas régias, referidas no tópico V destas notas.

De 1977 a 1981 cursou o ginásio de 5.ª a 8.ª séries, de uma escola orientada pela linha tradicional do ensino confessional católico, as aulas ministradas por padres, freiras e professores de confiança da paróquia.

Em 1982 começou a se preparar para o magistério, mas sem nenhuma vocação, sem nenhum estímulo à regência de sala de aula. Fez o curso por falta de opções escolares na cidade, que não dispunha de quaisquer outros cursos de natureza profissionalizante. Não pretendia, portanto, seguir carreira.

Sem alternativa de trabalho, também, acabou aceitando o exercício do magistério e, em 1989, foi contratada pela Secretaria de Educação do Estado como professora nos cursos de educação básica – PEB134.

Em 1993 foi aprovada em concurso público da Secretaria de Educação do Amazonas e exerce a função de professora até hoje.

Em 2001 foi aprovada no vestibular para o Curso Normal Superior e em 2002 iniciou o curso na Universidade do Estado do Amazonas.

A professora lembra que ao ser contratada pelo Estado para lecionar no PEB, foi designada para as turmas da noite, frequentadas por idosos analfabetos. Havia estímulo na aprendizagem, mas a frequência

não era boa, pois muitos deles faltavam às aulas por serem trabalhadores braçais e na sala de aula, quando chegavam, vinham cansados e sonolentos, apresentando rendimento insatisfatório. No entanto ela testemunhou persistência daqueles homens e mulheres e lembra a alegria demonstrada por eles quando começavam a assinar os nomes. Eram pessoas analfabetas, sim, não sabiam ler nem escrever, mas guardavam uma enorme sabedoria e um vasto conhecimento de vida.

Sem vocação para o magistério, com o tempo essa professora sentiu-se envolvida pelos problemas da sua comunidade e se converteu numa autêntica educadora. Em 1998 foi nomeada representante do bairro onde mora, desempenhando projetos artísticos e culturais. Em 2002 foi convidada a trabalhar no conselho tutelar do município, preenchendo a função de conselheira, em cujo desempenho combateu a prostituição infantil, o alcoolismo e o tráfico de drogas, junto com a comunidade, incorporando-se hoje, aos 44 anos de idade, ao contingente de cidadãos interessados na melhoria de vida do seu mundo.

Com o Proformar ela se capacitou ainda mais ao exercício do magistério, uma atividade para a qual pensava não ter nenhuma vocação.Mas, ao contrário, na medida em que percebia o sentido de seu papel, como elemento multiplicador do conhecimento e da consciência das aptidões dos jovens sob sua responsabilidade, ela foi assumindo o papel de uma autêntica educadora.

3. Fato curioso ocorreu com um jovem de 28 anos de idade, atingido pelo Proformar.

Ele nasceu em São Gabriel da Cachoeira, no alto Rio Negro, e pertence à etnia Baré, filho de pais separados. Foi criado pelos avós. Conseguiu concluir o curso primário e sempre foi motivo de chacota por parte dos seus colegas por não contar com os pais presentes nos dias de festa da escola. Isso tudo perturbou o seu desempenho pessoal, juntado à carência financeira de sua família, circunstâncias que o faziam uma pessoa frágil, insegura e ensimesmada.

Como não existia o ensino fundamental no sítio onde morava, teve de transferir-se para a cidade sede do município. Nos procedimentos de matrícula, constatou-se que a situação alegada por ele, de que havia realizado o curso primário, não podia ser confirmada por não existir nenhum registro do fato nos assentamentos dos órgãos da Secretaria de Educação. Simplesmente, os boletins com os apontamentos de sua vida escolar, tinham sido extraviados.

Verificou-se, ainda, que outras coisas andavam erradas em sua vida. Seu registro civil indicava-lhe uma idade maior em 4 anos. Para corrigir essa anomalia nos registros legais de sua cidadania e por ser menor, precisou pedir ajuda a um advogado que por fim também não conseguiu fazer as correções no cartório, forçando-o a ficar 5 anos fora das salas de aula.

Aos 14 anos, sem cogitar mais de formação escolar, foi ao cartório regularizar os seus documentos e, mais tarde, numa conversa informal com um professor, foi motivado a voltar à escola.

Matriculou-se, então, no Programa de Educação Básica, nos cursos equivalentes a 3.ª e 4.ª séries, para maiores ou iguais a 14 anos. Aí se mudou para Manaus onde concluiu o Ensino Fundamental.

Começou o ensino médio sem muita motivação e o não teria concluído se não tivesse contado com o estímulo de seu professor de Matemática, ajuda que o levou a avançar nos estudos. E assim concluiu o curso em 2002, sendo convidado a lecionar em São Gabriel da Cachoeira. Ainda que não possuísse formação docente aceitou o desafio e foi contratado como professor da rede municipal de ensino.

Mas em 2005, conseguiu concretizar o seu grande sonho, de cursar uma faculdade, sendo atingido pelo Proformar.

No início do curso, por meio das disciplinas ensinadas, foi ganhando confiança e segurança na prática docente, sob a sensação de ter conseguido atingir autonomia no seu pensamento. Foi contratado para lecionar turmas de 1.ª a 4.ª séries, mas por imperativos circunstanciais a Coordenadoria dos Cursos o indicou para a regência das turmas de 5.ª a 8.ª séries, na disciplina de Matemática, fato que se converteu num grande desafio felizmente vencido.

Em 2007, já firmado como professor do ensino médio e como resultado de sua atuação na coletividade da escola e do município, foi eleito Diretor da Escola, que o fez refletir sobre o reconhecimento dos seus concidadãos por sua atuação na comunidade.

4. Esta professora de 42 anos nasceu em Maués. Aos 7 já ajudava a mãe no plantio e conservação da horta e mais tarde do guaranazal. Estudava de tarde. Acordava 5 horas da manhã para cuidar da roça de guaraná que ficava a uma distância de 12 km de ida e volta a pé.

Na década de 1970 funcionava uma escola de alfabetização de adultos na cozinha da sua casa e ela ficava olhando, pelas frestas da parede, desde aí doida para um dia também receber aulas em sua vida.

Até que, aos 4 anos, começou a se alfabetizar, numa turma de educação pré-escolar em uma escola pública de Maués.

Como num passe de mágica viu-se lecionando já em Manaus na Escola Concorde da Ulbra. Daí seguiu carreira de professora até o Proformar, onde, movida por intensas expectativas e ansiedade, obteve sucesso ao vencer o medo de não conseguir a graduação.

Imagine-se a experiência de vida carreada por essa professora à sua profissão na sala de aula… Igual como aconteceu com uma jovem de Presidente Figueiredo, cidade localizada na área metropolitana de Manaus.

Essa professora começou a sua vida escolar em 1980 aos 4 anos de idade, num educandário adventista. Depois foi alfabetizada aos 6, numa escola pública. Por morar num bairro distante sua assiduidade escolar era precária. Tinha de ir a pé e por vezes não tinha condições de ir à escola, sendo castigada severamente pela mãe.

Em 1985 sua família mudou-se para Manaus, por motivo de transferência do trabalho do pai. Sua mãe conseguiu um emprego de ajudante de plantador de grama nos jardins de uma escola orientada por fundação mantida por importante empresa bancária, localizada no bairro do Alvorada, Zona Sudoeste da cidade e, por isso, conseguiu um lugar para ela nessa escola de excelente qualidade de ensino. Mas, por não ter obtido transferência de sua escola em Presidente Figueiredo, teve de reiniciar os estudos desde a 1.ª série, contando já 9 anos de idade.

Ai fez até a 7.ª série, tendo de se transferir com os pais para a Zona Leste, no bairro Armando Mendes, onde começou a 8.ª série, aos 17 anos, numa escola pública. Casou-se aos 18 e, com o marido, iniciou o 2.º Grau, na área do Magistério do Instituto de Educação do Amazonas.

Em 1999, após 5 anos de casada, separa-se do marido e passa a morar na Zona Rural, Estrada de Balbina, AM 240, numa comunidade chamada Cristo Rei. Sem ter conseguido se formar, foi chamada a dar aulas numa escola pública e, em 2001, começou a lecionar às séries iniciais. Em 2002 volta a Presidente Figueiredo e inscreve-se no Proformar, conseguindo aprovação, graças, segundo ela, à sua experiência de vida, esbarrando nas técnicas pedagógicas também adquiridas com esforço pessoal, agora com 26 anos de idade.

Revela, em seu depoimento, que o Proformar foi imprescindível na sua formação pessoal e de professora, no sentido de propiciar o aprendizado coletivo através da televisão.

Finalmente, aprovada em concurso público, foi nomeada professora para uma escola municipal.

Em Urucurituba, cidade situada no baixo Amazonas, outra professora viveu sua história até ser alcançada pelas ações do Proformar. Com 37 anos, ingressou nos cursos desse projeto, quando teve oportunidade de participar de atividades artísticas. No âmbito da pesquisa, realizou um bom trabalho na reciclagem de lixo, o que lhe proporcionou a abertura de reflexões sobre a preservação do meio ambiente.

Com alunos e professores do Proformar aderiu a campanhas em favor da paz, com o objetivo de diminuir o grau de violência observado em sua comunidade. Tomou parte nos cursos de capacitação de professores entre jovens e adultos, na área da informática básica e de empreendimentos particulares.

Outro professor, atingido pelo Proformar, nascido em 1966 numa pequena comunidade localizada no lago do Zé Açu, município de Parintins, também no baixo Amazonas, possui, igualmente, uma história curiosa. Viveu nessa comunidade até os 17 anos e foi o único entre seus 5 irmãos a chegar à formação de nível superior, porque suas irmãs não lograram passar da 5.ª série.

Em 1974, aos 7 anos, começou a 1.ª série, em classe dirigida a alunos de vários níveis. Em seguida, por andar para um lado e outro na companhia dos pais em busca de trabalho, só aos 15 anos concluiu a 4.ª série.

Já na cidade de Parintins, para onde se mudou em 1984, faz da 5.ª a 8.ª séries numa escola pública e o 2.º Grau na área do Magistério numa escola mantida pela Igreja Católica. Ao concluir o curso é aprovado em concurso público e assume uma cadeira de professor no ensino oficial da cidade.

Com o Proformar ele conseguiu reunir os saberes e se preparar para o ofício de ensinar, numa linha mais ampla do entendimento de uma escola nova, comprometida com a sociedade e com o desenvolvimento integral da cidadania.

São histórias comoventes, como o desta professora que só conseguiu alfabetizar-se aos 10 anos de idade. Nasceu em Manaus em uma família cheia de desavenças. Os pais se separaram e ela, por ser a mais velha, ficou tomando conta dos irmãos menores. Por qualquer deslize era admoestada com aspereza pela mãe. Chorava e com a ajuda de uma vizinha que se compadeceu de ver aquilo, conseguiu aprender a ler. Então começou a fazer um curso regular, terminando o ginásio aos 18 anos.

Teve uma adolescência marcada por muita tristeza. Vivia presa em casa. Quando, por qualquer motivo demorava a voltar nas poucas vezes que conseguia sair, no retorno era espancada com chutes e pontapés, e taponas no rosto. Na escola, entre os professores, felizmente encontrou ajuda. Ali ela encontrava o carinho que na realidade lhe faltavam no ambiente familiar.

Com todas essas dificuldades conseguiu prosseguir nos estudos, até ser alcançada pelo Proformar já aos 32 anos, preparando-a em verdade para a sua tarefa no magistério.

Os depoimentos são semelhantes, mas todos trazem um tom de originalidade no modo de ver as coisas. O traço dominante está no despreparo do núcleo familiar na formação da criança e do adolescente. Observam-se mais contras do que prós no sentido da formação de um verdadeiro educador, porque se sabe que é em casa onde se moldam os caracteres. Num ambiente assim a escola precisa desdobrar-se para formar um verdadeiro educador, porque ela deve suprir também o papel da família, num esforço desdobrado por ser essa uma obrigação intransferível.

5. Esta escola nasceu da iniciativa particular dos moradores de uma comunidade no interior amazônico, na forma com que testemunhei numa visita feita a uma pequena escola plantada às margens da estrada Manaus/Itacoatiara, por volta dos anos de 1970. Lá existia um modelo de como precisa ser uma escola comprometida com o destino dos moradores de uma comunidade.

Numa localidade chamada Praia do Soldado, à margem esquerda do rio Juruá, município de Eirunepé, nasceu essa típica escola amazonense. Fica distante da sede municipal em torno de 4 horas de viagem de canoa a remo. Surgiu da iniciativa de um senhor chamado Bento, que estimulou os outros moradores do lugar sobre a necessidade da implantação ali de uma unidade de ensino. Na falta de outro lugar, as aulas eram realizadas na própria casa do Sr. Bento. Isso aconteceu em 1978 e, logo mais ali nascia uma escola que atualmente faz parte do Polo 7, implantado na calha do baixo Juruá, funcionando nos turnos matutinos e noturnos, com turmas de 1.ª a 4.ª séries do Ensino Fundamental. Atende a uma clientela de 47 pessoas, formada de moradores da comunidade que, por sua vez, apresenta uma densidade demográfica muito baixa.

O povo da Praia do Soldado vive da agricultura e da pesca. No verão, quando o rio baixa, planta-se o arroz, o feijão, a melancia, o jerimum, entre outros produtos da cultura de curto ciclo. Semeiam dos meses de junho a setembro, porque a partir de outubro, ao começar a cheia o rio transborda e a colheita já deve estar concluída. Depois de levantada a produção tudo é levado para vender na cidade de Eirunepé, onde sempre se encontram bons preços.

O dado positivo observado nesse panorama é a fartura de peixes quando o rio sobe. Então, não podendo plantar, os moradores se dedicam às atividades pesqueiras. Os peixes bóiam em abundância e são capturados de caniços e anzóis e com redes e tarrafas.

Os moradores da Praia do Soldado são pessoas nascidas e criadas no meio rural. Constroem suas casas sempre na beira do rio, com hastes partidas de uma palmeira originária dos igapós e que mede de 10 a 15 metros de altura, constituída de fibra rígida e escura chamada paxiúba. São casas simples, rústicas, mas muito higiênicas. Na grande maioria elas não possuem banheiros privativos, toma-se banho direto no rio, ou mergulhando n’água ou por meio da cuia jogando a água sobre o corpo.

O meio de transporte é a canoa.

A cultura desenvolvida nessa escola é marcada por uma densa diversidade de costumes, crenças e tradições, somadas as heranças de origem indígena e cabocla ao imaginário do povo do Nordeste brasileiro, do arigó, o mesmo que veio nos tempos áureos da borracha, tangido pela seca e em busca de uma vida melhor. Narram contos e histórias que emudeceriam os cidadãos mais céticos.

A professora que ofereceu esse diagnóstico destacou alguns pontos negativos nessa escola. O mais sério é o que se identifica nas turmas multisseriadas. Outra é a existência de pragas de insetos virulentos como os piuns, carapanãs e mutucas, cujo ataque prejudica a concentração dos alunos. Há, ainda, a falta de material escolar e da merenda.

Mas esse diagnóstico nos deixa uma visão clara das possibilidades de desenvolvimento e de melhoria da vida na comunidade da Praia do Soldado. É um exemplo dos muitos existentes ao longo dos rios amazônicos, nas várzeas que margeiam os grandes mananciais. A terra não carece de adubo porque o rio já se encarrega dessa tarefa ao banhá-la todo ano com a força dos seus sedimentos. E quando o rio sobe e fica cheio, os peixes saem dos lagos e dos igapós para a sua viagem de ida e volta no processo de reprodução da espécie, numa generosa oferenda.

O processo de educação tornará a vida mais bonita quando o homem aprender a lidar com esse movimento da natureza amazônica, da produção da várzea e dos rios, sem prejudicar os estoques de vida e de fartura de alimentos. Maravilha.

6. A concepção alimentada na ideia de serem os centros educacionais ambientes de correção nas atitudes, de repressão, portanto, provocou o medo da escola. A entrada na escola significava, de acordo com esse modo de pensar, o fim da liberdade. É bem uma imagem dessa visão, sem dúvida gerada pelo próprio estilo dessa escola superada, o exemplo da trama e do tema do Ateneu, o romance clássico de Raul Pompéia135. Ainda bem que essa escola foi sobrepujada por outra que a venceu pela alegria, pela atmosfera de bem-estar propiciada desde as instalações do espaço escolar à postura mental e comportamental dos professores, de onde, em regra, foram banidos os métodos violentos da palmatória e dos castigos deprimentes e dolorosos, como o de obrigar as crianças a se ajoelharem sobre grãos de milho, e das tarefas aplicadas como forma de apenar os alunos acusados de mau comportamento.

_________________________

133 Vide p.ps 9.

134 Programa de Educação Básica, formação de gestores escolares na perspectiva democrática da

efetivação do direito à educação com qualidade social.

135 POMPÉIA, Raul (d’Ávila), (Angra dos Reis, RJ 1863 – Rio de Janeiro 1895), escritor brasileiro do

período realista-naturalista.

Continua na próxima edição….

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