Manaus, 18 de junho de 2025

Vim de igarité a remo (Ensaios e memória)

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Continuação ….

Educação

A escola do rio
e da floresta

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Ao longo destas narrativas e memórias ainda nos vamos defrontar com notícias daquela escola antipática, expulsiva e desagradável, que, apesar de banida das metodologias pedagógicas da atualidade, talvez tenha ficado como lembrança incrustada no inconsciente coletivo das crianças como aconteceu com a narradora das primeiras linhas do seguinte caso.

Ela começou a frequentar salas de aula com 5 anos de idade. Morava no município de Iranduba, do outro lado do rio Negro, área metropolitana de Manaus, mas ao chegar pela primeira vez à escola, recusou-se a entrar. Viu muitas crianças chorando e chorou também. Agarrou-se às grades do portão, apoiando-se com toda força, enquanto sua mãe a puxava para dentro. O maior motivo de sua recusa era o medo que tinha de ficar entre pessoas estranhas. Em casa a vida em família compunha-se de um bom relacionamento, os pais respeitavam os filhos, apesar de serem exigentes em relação aos processos de uma boa educação doméstica.

O certo é que foi obrigada a ficar e acabou por superar o medo.

Foi alfabetizada aos 6 anos. Já na 2.ª série sua mãe decidiu mandá-la à casa do avô em Manaus, matriculando-a numa escola de devoção evangélica e orientação educacional conservadora. Em seguida entrou numa escola pública e, no turno matutino, realizou o ensino médio. Fez o antigo clássico no Colégio Estadual do Amazonas. Nessa época, por 3 anos, acordava às 4 horas da madrugada para, após cumprir os seus afazeres domésticos, ter condições de estar no colégio no horário certo. Nos cursos de ensino médio adquiriu conhecimentos científicos sobre as várias disciplinas ministradas. Em 2005 concluiu o curso de magistério e se inscreveu num procedimento seletivo para a escolha de professores em sua terra natal, o município de Iranduba. Obteve êxito e conquistou o seu primeiro emprego remunerado, na regência de sala de aula, então com 18 anos.

Observou que seus alunos vinham de famílias com uma renda de nível médio e baixo. Seus pais trabalhavam nas fábricas de telhas e tijolos que é uma das atividades mais praticadas no município. Trabalhavam ainda na roça e na pesca. Na área urbana trabalhavam em padarias e como taxistas ou mototaxistas. Outros eram funcionários públicos e aposentados, alguns beneficiados com os programas do governo da bolsa família e de erradicação do trabalho infantil.

Esta professora se esforçou para criar na escola um momento de bem estar entre os seus alunos. Estimulou a realização de feiras culturais no intuito de levar os jovens a se aprofundarem nos temas abordados, incentivando a prática das atividades de manifestação folclórica, danças, autos, concursos, numa comunhão fraterna entre professores e alunos. Incentivou o intercâmbio com alunos de outras escolas da cidade, pondo em realce a maneira de viver e as suas carências, visando a melhoria de tudo.

A escola onde ela ensina é nova, instalada em 1997, mas possui um corpo docente constituído por 32 professores, distribuídos em períodos matutinos, vespertinos e noturnos, atendendo clientela do ensino infantil, ensino fundamental de 1.º e 9.º ano e educação de jovens e adultos, com a capacidade de 800 alunos nos 3 turnos.

É uma história diferente da acontecida em outra localidade do município de Itapiranga, situado no baixo-Amazonas, numa comunidade batizada com o nome de São José, situada à margem esquerda do rio Urubu, um dos inúmeros afluentes à margem esquerda do rio Negro. Nesse lugar a população não possui emprego fixo. É composta de assalariados e sua maior fonte de renda é a pequena agricultura de curto ciclo, alguma pecuária, caça e pesca, numa população composta, àquela altura, de 330 pessoas reunidas em 76 famílias. As condições socioeconômicas dos professores, no entanto, são boas. Respira-se um clima de respeito pelos professores e pela diversidade cultural de cada indivíduo, segundo a observação da professora que ofereceu este depoimento.

Ela nasceu na própria cidade de Itapiranga. Não conheceu o pai e a mãe exerceu as duas funções na família. A mãe era uma senhora humilde, agricultora, e muito lutou para lhe proporcionar educação doméstica de qualidade, dedicada ao crescimento pessoal no dia a dia de sua casa. Só entre os 9 e 10 anos de idade começou a frequentar a escola. Aos 21 anos concluiu o curso de habilitação ao magistério de 1.ª e 2.ª séries do 1.º grau, iniciando-se na carreira de professora numa escola municipal. Aos 27 ingressa na faculdade. Sempre lhe proporcionou grande satisfação o envolvimento nas atividades extracurriculares como os movimentos artísticos na escola, feiras, exposições e espetáculos montados por alunos e professores. Depois foi trabalhar em escolas da zona rural nas localidades do Lago Grande e na margem esquerda do rio Urubu. As salas de aula eram lotadas e ela viajava de motor, nome com que os amazônidas designam as pequenas embarcações motorizadas, para chegar às comunidades onde lecionava. Aí ela inscreveu-se no vestibular e foi selecionada para o Proformar.

Em sua opinião o Proformar veio ser na cidade de Itapiranga um projeto voltado para facilitar a formação continuada da maioria dos professores amazonenses, com a perspectiva de proporcionar um avanço visível na sua caminhada profissional. Levou-me a aprender, enriquecer e transformar em sala de aula a minha ação a partir de uma reflexão sobre as minhas teorias e práticas, tendo em vista toda a vivência criativa e estratégica visando orientar o ensino-aprendizagem dos alunos – concluiem seu depoimento.

Outro exemplo de esforço pela conquista do saber é o registrado por outra professora nascida em Borba, dos mais importantes municípios plantados no rio Madeira, um dos mais notáveis afluentes da margem direita do Amazonas. Nos anos de 1970 seus pais resolveram procurar novos ares em busca de melhores condições de vida e de educação para os filhos. Ela conta que eles saíram como nômades errantes na direção de Nova Olinda do Norte, cidade localizada às margens do mesmo rio. Correra a notícia de que se havia encontrado petróleo ali e seus pais foram atraídos pelo sonho do ouro negro.

Iniciou os estudos aos 5 anos no jardim da infância. Saiu, em seguida, a frequentar várias escolas a procura do saber. A princípio pensava em se formar professora, mas de repente entrou numa crise de insegurança sem se definir sobre o que em verdade queria. Mas a dúvida logo se dissipou e ela decidiu habilitar-se na área do magistério. Havia descoberto afinal a sua verdadeira vocação.

Aos 27 anos fez vestibular ao curso Normal Superior da Universidade do Estado do Amazonas, e teve sucesso. Mas, infelizmente, não conseguiu frequentar as aulas. Seu filho de 1 ano adoeceu e ela teve de acompanhá-lo na recuperação da saúde, viajando a procura de um bom tratamento enfim bem sucedido. O sonho foi apenas adiado. De volta à Nova Olinda, em 2005 consegue realizar o curso almejado e se formar.

A escola onde ela trabalha fica num bairro da cidade onde existe linha telefônica, rede de energia elétrica, instalações de água encanada e um templo da Igreja Católica. Possui 4 escolas, 2 estaduais, 1 municipal e 1 para portadores de necessidades especiais. Diz que os moradores do bairro vivem em condições precárias. O desemprego no município é alto. Os moradores da zona rural se mudam para a cidade na demanda de melhoria de vida, mas não encontram o que fazer, aglutinando-se nos movimentos de invasão de terras.

7. Esta professora nasceu e viveu parte de sua vida em Manaus. Agora reside no município de Rio Preto da Eva, área metropolitana de Manaus, aonde se vai por estrada asfaltada e de bom tráfego. Estudou nas melhores escolas como o Colégio Auxiliadora, nessa época uma escola dedicada à educação de moças, tendo formado parcela ponderável da elite social e cultural da cidade e do Estado. Dizia-se que toda aluna do Colégio Auxiliadora sabia escrever bem. Dirigido pelas Irmãs Salesianas, os métodos adotados respondiam a um rigoroso comprometimento com a educação doméstica e os princípios da vida cristã.

Em seguida casou-se e dedicou-se à criação e educação dos filhos.

Estão obscuras nesta parte do seu depoimento as razões que a levaram a não ingressar logo nos cursos de nível superior e a trabalhar como doméstica em casas de família. O certo é que acabou por ser contratada a lecionar em uma escola municipal com residência por mais de 7 anos. Além das aulas oferecidas a classes multisseriadas dedicou-se a atividades e programas sociais comunitários.

Trabalhava mas nunca abandonou os livros. Para atender as necessidades de profissionais nas áreas de educação física, passou a lecionar nas turmas de 5.ª a 7.ª séries do ensino fundamental. E, no interregno entre um emprego e outro, oferecia ajuda de monitoria na FEBEM, uma instituição assistencial de menores carentes. Serviu 5 anos nesse estabelecimento onde os menores internos a chamavam de professora.

Divorciou-se e foi morar com os filhos em Brasília onde passou 1 ano e meio. Voltou a Manaus e através de concurso público foi selecionada para telefonista de uma antiga empresa estatal de telecomunicações denominada Telamazon, conquistando a estabilidade na central de interurbanos da Embratel. Mas não parou também de estudar. Fez cursos de secretariado empresarial, operadora de telex, relações públicas e humanas, primeiros socorros, combate a incêndio e recuperação de menores abandonados.

Em seguida foi convidada a prestar serviço numa empresa do ramo petrolífero em regime temporário, para responder durante as férias de um mês da servidora titular. Por ser uma boa proposta, aceitou. No final do contrato a empresa convidou-a para permanecer em seus quadros com um salário melhor que o da Telamazon. Logo assumiu as funções superiores de chefa-administrativa geral. Passou aí 12 anos até a empresa passar para o controle de uma instituição multinacional, que demitiu todos os antigos servidores.

Ficou desesperada, mas não desistiu de viver e foi trabalhar com a venda de comida, estabelecida num ponto que adquiriu por compra de um barraqueiro. Por duas vezes foi ameaçada de assalto, desistindo do negócio. Com o dinheiro amealhado nas atividades profissionais até aí realizadas, comprou um sítio no Rio Preto da Eva, na área rural conhecido como projeto Iporá, na comunidade de Manápolis, a 153 km de Manaus, e foi morar lá. Entregou a casa de Manaus aos filhos e de 2000 a 2002 dedicou-se a administrar uma escola rural no lugar.

Mas o seu maior ideal era prosseguir nos estudos. Um curso superior para mim, – diz ela, – era um sonho que eu vislumbrava com possibilidade algo bem distante. Não tinha certeza de que ainda poderia acontecer. Tanto que ao ter notícia do vestibular da UEA – Proformar, não me interessei muito, pois confesso que não acreditava que ainda pudesse enfrentar um curso desse porte. Com 53 anos de idade, pensei muito antes de decidir enfrentar mais esse desafio. Conhecia as normas imperativas da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que exige na formação do professor o curso Normal Superior. Sem esse curso eu não poderia mais exercer o magistério. Decidi então meter a cara nos livros.

Mas percebi, também, que não poderia perder esta oportunidade de alcançar o meu sonho. Entrei no vestibular e ansiosa aguardei o resultado. Ao ver o meu nome nas listas dos aprovados, senti o meu coração bater de alegria, como uma pobre adolescente.

Realizou o curso e recebeu o diploma tão acarinhado.

É uma história comovente tal como a maioria das registradas nos relatos dos próprios professores-alunos do Proformar. A seguir vamos conhecer alguma coisa de uma nova experiência de vida demonstrada por esses professores-alunos.

É um relato exemplar daquilo que se observa na formação do nosso povo. Gente que vem e que vai, viaja para uma temporada longe e depois volta à sua terra, sempre à procura de uma boa condição de vida para si e para os seus. Afinal, o processo de formação cultural do amazônida começou com a chegada dos primeiros europeus e os embates com os povos primitivos que habitavam há milênios essa imensa área de terras, florestas e rios. Os primeiros a chegar foram contingentes de soldados e sacerdotes. Depois vieram os aventureiros e, mais modernamente, os nordestinos, tangidos de sua terra, de seu solo natal, pelas secas rigorosas. Eles vieram também atraídos pelo sonho de riqueza dos seringais dos altos rios.

Esta professora veio do Pará. Nasceu numa comunidade chamada Maria Pixi, localizada no município de Oriximiná. Seus pais casaram adolescentes e não tiveram tempo de estudar. Aos 10 anos foi adotada por uma família amazonense e passou a morar em Manaus. Começou a frequentar a escola aos 11 anos e enfrentou sérios problemas de adaptação, em decorrência do fato de viver longe dos irmãos e dos pais, pertencendo como que a uma nova família.

Meteu o nariz nos livros e foi conquistando o conhecimento com entusiasmo e coragem. Confessa que o apoio e o estímulo dos pais adotivos constituíram incentivo primordial na sua trajetória acadêmica. Por fim foi contratada professora dos quadros da Secretaria da Educação do Município de Manaus.

Prestou vestibular ao Centro Universitário Nilton Lins, onde se graduou em Psicologia e logo se candidatou ao processo seletivo da UEA – Proformar, no curso Normal Superior. Aí teve o privilégio de conquistar uma segunda graduação de nível superior. Além das aulas regulares ministra palestras a alunos das primeiras séries do ensino fundamental e educação infantil.

Presta serviço numa escola municipal localizada na Zona Leste de Manaus, no bairro de São José II, onde se tem defrontado com a carência das populações dessas áreas periféricas da cidade, uma classe média ainda indefinida. São graves os problemas sociais observados nesse bairro, em decorrência, principalmente, do desemprego da maioria dos pais das crianças recebidas na escola. As dificuldades de sobrevivência decorrentes de tal situação determinam a desestruturação familiar, brigas e separações entre os casais. As crianças não dispõem de um suporte moral em que se apoiar e o resultado é a dificuldade que elas têm até de se alfabetizar.

Esta outra professora veio do Maranhão, originária de uma comunidade batizada de Canajuba, situada no município de Viana. Iniciou os estudos aos 7 anos. Aos 19 concluiu o magistério. Mas não foi fácil o período de alfabetização. Teve de contar com a iniciativa arrojada de um representante da comunidade. Não existia escola no lugar e ele reuniu o povo para resolver isso. E resolveu dentro das possibilidades daquele ambiente tão precário. O lugar onde funcionava a escola era uma casa forrada de taipa e de meia parede, coberta com cavaco e piso de cimento raso. Na sala existiam apenas 10 bancos de madeira, sem encosto. Na maioria das vezes os alunos sentavam-se no chão e transformavam os bancos em ponto de apoio dos seus cadernos durante a escrita. Uma coisa boa era a merenda, feita na casa da merendeira que morava ao lado, mas todo o mantimento só era recebido duas vezes por ano. O estoque de comida não durava mais de dois meses. Havia problemas no transporte dos alimentos porque a comunidade ficava longe da estrada uns 10 km e o único meio de transporte para chegar até lá era lombo de burro. Tanto que, na época das enchentes os animais não conseguiam atravessar os igarapés. Além de toda essa dificuldade seu pai não permitiu que ela passasse da alfabetização para a 1.ª série, sob a alegação de que era muito pequena para essa promoção. Por isso a pobre curtiu mais dois longos anos sem estudar. Ainda porque a sua professora, que só possuía a 3.ª série, falecera e ela teve de parar novamente. Sua família procurou outra localidade onde ela conseguiu chegar à 4.ª série. O pior de tudo é que ela não conseguiu aprender a ler direito.

Além da dificuldade em ler sua professora fazia leitura individual, forçando-a a decorar os textos em casa com a ajuda materna. Até que um dia a professora mudou a metodologia ajudando-a a acompanhar nas leituras na sala de aula, quando constatou a sua dificuldade na leitura. A professora ajudou-a até ela superar o problema.

Um dia sua irmã se mudou para São Luiz, a capital do Maranhão, e a deixou desestruturada. Após a partida da irmã, perdeu por completo o ânimo de estudar. Ela copiava as provas e as entregava em branco, sem responder a nenhuma questão. Não desejava ser professora, mas pretendia fazer o segundo grau em São Luiz.

Aí sua vida sofreu uma guinada de noventa graus. A família mudou-se para Manaus e ela correu para matricular-se no 3.º ano do Instituto de Educação do Amazonas, mas sua transferência não foi aceita e ela teria de fazer uma prova de seleção que só ocorria no mês de novembro próximo. Teve de voltar a seu Estado e, em São Luiz conseguiu terminar os estudos.

Voltou a Manaus em 1997 e foi selecionada como professora de uma escola particular.

8. O primeiro impulso desta outra jovem professora foi seguir a vida religiosa, levada pelo fato de viver entre padres, freiras, irmãos e irmãs de caridade em Lábrea, uma das mais antigas cidades amazonenses, localizada no alto rio Purus, onde nasceu e se criou. A cidade de Lábrea, como de resto aconteceu com as raízes da nossa formação social e cultural, desde o início de sua história foi, particularmente, marcada pela presença da Igreja Católica. Daí, talvez, o envolvimento dessa professora com a ideia de seguir a esteira missionária. Mas sentia que não era essa a sua vocação. Depois da missa de domingo pela manhã, tomava conta das crianças no retorno às suas casas, terminadas as aulas de catequese, tocada por um entusiasmo que lhe falava da missão de educadora em seu destino.

A mãe era doméstica e o pai pequeno empresário, primeiro seringalista e depois proprietário de serraria e comerciante. Era um homem que muito gostava de plantas e animais. A filha teve em casa um ambiente de carinho, afeto e atenção, cercada dos amigos dos pais e dos coleguinhas. Gozou do privilégio de desfrutar de uma educação doméstica à moda antiga, dos extremos cuidados dispensados às crianças pelos mais velhos, ocupando-se com a sua tranquilidade, observados os princípios de higiene e de uma boa saúde, da formação religiosa e de outras questões essenciais a um saudável desenvolvimento pessoal em todos os aspectos. Cumpria as obrigações nos horários de dormir, acordar, comer, descansar, estudar, brincar e fazer as tarefas de casa.

Assim transcorreu a sua trajetória de vida. Não sofreu nenhuma dificuldade em se defrontar com situações novas, nos vários cursos que realizou e nas diversas salas de aula que frequentou. Seus mestres foram na maioria religiosos e estavam entre as irmãs Agostinianas Recoletas e Maristas.

Depois se mudou com a família para Novo Airão, cidade situada no médio Rio Negro, onde concluiu os estudos até entrar na escola pública. Em seguida ingressou no programa da UEA – Proformar, após submeter-se a processo seletivo, completando aí o curso Normal Superior com habilitação ao magistério do 1.º ao 5º ano do ensino fundamental.

Na escola onde trabalha na cidade de Novo Airão, o corpo docente é formado por 26 professores. Ela identifica na comunidade dois pontos negativos marcantes: a violência no comportamento dos alunos e a ausência da família nas atividades escolares.

Os moradores de lá revelam acentuada diversidade cultural. Há uma clara dissociação da metodologia educativa com as áreas de trabalho. A escola não responde às necessidades e interesses práticos da coletividade. Os pais em regra sofrem com a questão do desemprego, outros são pequenos comerciantes, agricultores, funcionários públicos municipais e estaduais e empregados de pequenas e microempresas.

Seguem várias crenças e religiões. A localidade não dispõe de hospital, mas de um simples posto de saúde com um médico e um enfermeiro. O esporte mais praticado é o futebol, masculino e feminino, e a maior festa coletiva é o carnaval. Na rotina de vida da cidade respira-se a atmosfera de pesaroso abandono. Questão observada na maioria das cidades, vilas e comunidades do interior amazônico.

Aqui e ali se observa, no entanto, o esforço de uns poucos cidadãos preocupados com a melhoria desse ambiente de desamparo.

Na cidade de Alvarães, por exemplo, um dos municípios mais novos do Amazonas, desmembrado de Tefé e localizado no médio Solimões, numa família de 9 irmãos, 3 homens e 6 mulheres, 5 decidiram

formar-se professores e exercer a profissão. Seus pais eram agricultores e agora estão aposentados. Esta professora, destacada desses 9 irmãos, decidiu dar prioridade à profissão e ao estudo no intuito de se qualificar cada vez mais e agir para a melhoria das coisas. É solteira e aos 26 anos de idade mora com os pais, dir-se-ia que ainda não teve tempo de casar.

Os irmãos, na medida em que foram crescendo, foram colaborando com a manutenção da casa, mas sem deixar de estudar. Ela, autora deste relato, desde a adolescência trabalhou na roça e na coleta de frutos silvestres na floresta. Colher castanha era a atividade que ela mais gostava, pela aventura que propiciava junto com uma irmã, enfrentando os perigos da mata. Outra razão é que com o produto da venda da castanha, que era a mais valiosa, ela ajudava na compra dos livros e do material escolar.

Em 2003 decidiu tentar a vida em Manaus, atrás de melhoria nas condições de sobrevivência, porque Alvarães não possuía escola que suportasse a demanda de professores formados e ela não via na cidade alternativa de sobrevivência. Foi então que recebeu o convite para substituir professora que ia submeter-se a uma cirurgia de emergência. Aceitou o desafio e teve aí sua primeira experiência numa turma de educação infantil com crianças entre 4 e 5 anos.

A escola onde trabalha possui um corpo docente de 40 professores, com a estimativa de 90% de graduação superior pelo Proformar, distribuído em 3 turnos. Possui 1.280 alunos. O turno da noite é reservado aos programas especiais, dentre eles o EJA – Educação de Jovens e Adultos. As famílias beneficiadas pela escola são oriundas de atividades econômicas voltadas para a agricultura familiar e a pesca. O baixo sala rio obriga os professores a procurarem outras ocupações nos intervalos das aulas, para complementar-lhes o meio de sobrevivência.

Mas a escola transformou-se num centro de atividades culturais, promovendo festas nas datas comemorativas e realizando arraiais no calendário religioso.

Identifica-se, na maioria dos relatos e diagnósticos levantados nas dissertações de conclusão dos cursos, pelos professores-alunos do Proformar, um clima de indiferença com a escola por parte da comunidade.

Sobre ela não se interessam como deveriam os pais e as pessoas responsáveis pelo bem estar das coletividades onde vivem. A escola ainda é vista como um lugar onde a criança e o jovem buscam a tintura da chamada boa educação, mas sem um compromisso com o destino dos seus irmãos, da sua terra e da sua comunidade. É vaga a consciência de cidadania que vincule ao destino de cada pessoa a fortuna de todos. Porque, enfim, despertados para uma visão nova, na medida em que os cidadãos se sintam comprometidos com as condições gerais de vida do seu torrão, toda manhã, quando o sol desponta no horizonte, haverão de brilhar também no infinito as luzes da esperança, preparando o homem à tarefa de mudar a paisagem e transformar a natureza das coisas, objetivos inerentes ao processo educacional e às políticas de ensino.

9. Esta outra professora oferece um depoimento interessante. Seu pai é marítimo desde os 18 anos, tendo trabalhado no comando de rebocadores de balsas cargueiras. Sua mãe é costureira, mulher trabalhadora que ela reconhece como pessoa de fibra e de um caráter firme. Sua história de vida está vinculada à sua formação e atividade no magistério. Enfrentou vários reveses na escola, que ela debita, em grande parte, na conta de sua timidez em lidar com as pessoas. Ao fazer a 2.ª série experimentou um ambiente autoritário na sala de aula. O professor era arrogante e insensível e parecia ter, como único divertimento, maltratar e humilhar os alunos. Diz que o professor cultivava uma atitude centrada em sua própria figura, como se fosse ele o dono do saber, postura eivada de equívocos nada incomum na classe de determinados regentes escolares, responsável por uma austeridade imposta, inspirada o moralismo cediço na linha do faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço, sem dúvida herdada das aulas régias pom balinas já referidas neste livro. Este fato expulsou-a da sala de aula e fez com que repetisse a 2.ª série no próximo ano.

Depois de muito batalhar mudou-se para Manaus, mas não se adaptou à vida na cidade. Voltou à beira do rio e inscreveu-se num concurso público aberto para selecionar professores aos quadros do magistério municipal, logrando êxito e sendo nomeada para o cargo, indo trabalhar numa pequena vila nascida às margens do rio Gregório no município de Eirunepé.

O ambiente econômico, social e cultural da localidade onde se planta essa escola, gravita em torno de uma vida rural peculiar. Possui uma população de 500 habitantes, numa extensão de terra que agrega cerca de 150 casas construídas sobre pau-a-pique. Seu poder aquisitivo é baixo, segundo o modo de ver da professora devido às suas atividades de subsistência numa atividade agrícola elementar, como única atividade econômica.

Um dado positivo nessa comunidade é a interação dos moradores com a escola, numa relação de reciprocidade muito estreita, em decorrência da maioria das famílias se verem ligadas por laços de parentesco. Isso facilita ainda ao bom relacionamento observado nas manifestações culturais, crenças e divertimentos. Prestam-se homenagens de aniversário e festejam todas as datas do calendário religioso e cívico, através da mobilização em concentrações coletivas, arraiais e festas folclóricas. Vivem da cultura da mandioca, arroz, banana, feijão e milho e da criação de gado, ovinos e bubalinos, porcos, galinha caipira e pato.

Os índices escolares registrados em 2003, da 1.ª à 5.ª séries, apresentaram uma intensa movimentação. Foram matriculados 164 alunos, 125 aprovados, 32 reprovados, 14 desistentes, 24 evadidos, 23 transferidos para outras localidades e 54 admitidos no decurso do ano letivo.

Esta professora revela-se plenamente realizada ao exercer o magistério nas condições em que se encontra. Os encantos da vida urbana de Manaus não a fascinaram e ela voltou ao ambiente simples e aconchegante do mundo solidário de uma pequena comunidade plantada à beira do rio e no meio da floresta.

Venceu a timidez que parecia impedir que se transformasse numa professora que necessita expor-se a frente dos alunos na sala de aula, apta a socorrer às carências identificadas na ação educativa e, ainda, jamais ter de negar uma palavra quando esta se faça necessária à solução de dificuldades no bom relacionamento da criança e do jovem no ambiente familiar.

Como se vê nas informações sobre o potencial das atividades econômicas da comunidade, o passo fundamental para que esse pequeno aglomerado humano se desenvolva a níveis de uma boa qualidade de vida, está nos métodos educacionais que despertem as pessoas para o valor de sua vida e do seu torrão. Vida nada inferior às ilusórias relações humanas dos chamados grandes centros, que gravita sob o império do individualismo e onde as pessoas parece terem medo até de amar.

É bem um exemplo dessa professora que procurou a cidade grande para viver e nela não se adaptou, voltando ao ambiente de sua origem onde demonstra estar feliz, posto ver a sua existência dedicada à construção de um novo mundo.

Não tenha dúvida o leitor.

Continua na próxima edição….

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