Manaus, 18 de junho de 2025

Vim de igarité a remo (Ensaios e memória)

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Continuação ….

Cultura

A Amazônia Ocidental

VII

O episódio da borracha da Amazônia está envolto sob as nuvens da verdade e do mito. A história que sempre vem depois para por ordem nas coisas, registra, na observação de inúmeros estudiosos, o processo da sua descoberta e da sua revelação ao mundo civilizado, por meio de vários caminhos, desde antes das grandes descobertas.

Em síntese, reconheceu-se o seu valor a partir da revelação do matemático e naturalista Charles Marie de la Condamine18, o primeiro cientista a entrar na Região autorizado pela Coroa Portuguesa. Veio numa comitiva enviada ao Peru, pela Academia de Ciências de Paris, com a missão de solucionar controvérsias levantadas quanto às teorias sobre o achatamento do globo terrestre, com a mensuração de um arco do meridiano junto ao equador.

Concluída a missão astrofísica, La Condamine decidiu, em 1743, regressar descendo o rio Amazonas, “desde o lugar em que começa a ser navegável até sua embocadura”. Nas suas observações durante essa autêntica epopeia, descobriu a borracha, divulgando-a na Europa por meio das publicações feitas sobre essa viagem, com o nome de caucho e resina elástica. Chamou a atenção de La Condamine o fato de os nativos adotarem a borracha na confecção de objetos de uso doméstico, bolsas e botinas.

Mas em 1839, o inventor norte-americano Charles Goodyear19, descobriu o processo de vulcanização da borracha, tornando-a mais resistente e elevando a hévea a altos níveis de valor no mercado mundial.

Com a invenção do pneumático de bicicleta, experimentado por Michelin20, em 1891, numa prova ciclística realizada entre Paris e Ruão, a procura ficou maior que a oferta e as florestas da Amazônia Ocidental, com destaque as dos altos rios, fronteiras do Amazonas com o Acre, atraíram as atenções do mundo. Em 1876 o aventureiro inglês Henry Wickha21, carregou da Amazônia, fraudulentamente, milhares de sementes da seringueira e as desenvolveu na Inglaterra, adaptando a árvore da borracha no Ceilão. Com a produção desses seringais de cultivo, iniciada por volta de 1900, os seringais nativos da Amazônia foram perdendo mercado. Até chegar a 1910.

Em termos culturais é relevante a economia da borracha no desenvolvimento/prosperidade dos povos amazônicos. Os prenúncios de riqueza atraíram as elites e o povão, principalmente do Nordeste. As elites se concentraram nas cidades e o povão meteu-se pelos matos, explorando a floresta, abrindo estradas seringueiras, na coleta do látex e assim alargando as fronteiras do país, na heroica e vigorosa réplica da façanha de legítimos novos bandeirantes, com exemplo claro demonstrado pelos cearenses e caboclos nativos na Revolução Acreana.

Em 1942, a Segunda Grande Guerra propiciou a reativação dos seringais nativos e trouxe para a floresta amazônica nova leva de nordestinos. Foi criada a categoria dos chamados soldados da borracha. Vieram também executivos brasileiros e norte-americanos para administrar a produção e o transporte da goma elástica em tempo recorde. Os seringais do Oriente estavam sob o domínio das forças contrárias aos Aliados e estes tiveram de se socorrer da hévea brasileira. Firmado o acordo de Washington, criou-se o Banco de Crédito da Borracha, destinado a comprar a produção gumífera reservada ao esforço de guerra.

Se o povão abria os caminhos da floresta, nas primeiras estradas seringueiras, as elites alargavam os horizontes do saber, criando, em 1909, a Escola Universitária Livre de Manaus, e, em 1918, nove anos mais tarde, a Academia Amazonense de Letras, secundada em 1937, em Rio Branco, pela Academia Acreana de Letras.

A vida intelectual da Amazônia Ocidental, no entanto, em termos de coletividade prosperou, a partir de 14 de maio de 1848, quando foi criado, pelo Bispo do Pará, Dom José Afonso de Moraes Torres22, o Seminário São José, em Manaus, que constituiu o primeiro estabelecimento de ensino secundário do Amazonas. Não se reservava só à formação de religiosos, mas dos jovens destinados a outras áreas de atividade.

A partir desse momento, cresceu a movimentação educacional de Manaus, atingindo o auge na expansão da economia da borracha, por volta de 1858, início de exportação do produto, num ciclo que se prolongou por mais de 52 anos, se considerarmos 1910 como o declínio de sua produção. Aí começou a Universidade amazônica de hoje e a maturidade da vida intelectual, também.

Em verdade, foi a Escola Universitária Livre de Manaus que abriu os caminhos para a Universidade do Amazonas. Ela preparou os quadros diretivos, o corpo de professores e o seu pessoal técnico.

A Universidade Federal do Amazonas foi fundada no dia 12 de junho de 1962 e seu primeiro Reitor foi o Prof. Aderson de Menezes24. Ele e os reitores subsequentes, na fase de implantação e afirmação do instituto, foram todos oriundos da Faculdade de Direito, que nada mais é do que a sucessora do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Escola Livre. Nos dias de hoje, da UFAM saem os professores, administradores escolares e orientadores pedagógicos do verdadeiro centro universitário a que se transformou a cidade de Manaus, onde funciona mais uma Universidade oficial do Estado e inúmeros centros particulares de nível superior, expandindo-se o ensino de terceiro grau às comunidades do interior da Amazônia.

A Escola Universitária Livre de Manaus manteve, inclusive, em seu currículo, cursos das três armas, segundo o programa das Escolas do Exército Nacional, porque, enfim, ela nasceu das transformações da Escola Militar Prática do Amazonas, depois Escola Livre de Instrução Militar do Amazonas, tudo feito entre os dias 16 e 28 de novembro de 1908.

Além desses a Escola Universitária inaugurou-se com o Curso de Engenharia Civil, de Agrimensura, Agronomia, Ciências Jurídicas e Sociais, Ciências Naturais e Farmacêuticas, Ciências e Letras, preparando-se para mais tarde instalar o Curso de Medicina.

Só por curiosidade é bom lembrar este fato, comprobatório do rigor com que eram dirigidos os cursos. Na primeira turma de bacharéis formados pela Escola Universitária Livre de Manaus, dos 56 alunos matriculados no Curso de Ciências Jurídicas e Sociais, somente 20 chegaram à colação de grau. Entre eles havia cinco amazonenses apenas. Os outros quinze eram provenientes do Ceará, Maranhão, Bahia, Piauí, Pernambuco e Alagoas.

O fato do florescimento da economia da borracha com o surgimento da Universidade reacende uma velha discussão. A prosperidade/ desenvolvimento é o resultado do crescimento econômico, ou o crescimento econômico só é possível quando se alicerça numa boa estrutura mental da sociedade?

Parece-me que as duas situações caminham juntas. O surto de riqueza material se dissolve no ar se não for sedimentado por um bom suporte moral e teórico. Por isso é imprescindível que não se desperdice a riqueza. Antes de tudo se deve investir na educação, no preparo da mão de obra, no melhoramento da qualidade do homem, únicas opções capazes de conservar os bens da vida e multiplicá-los em benefício das gerações futuras.

O homem desqualificado é incapaz de manter a própria família, facilmente pede arrego nos abismos da depressão, acovardando-se ante os primeiros apertos. Se não possui capacidade de resolver questões domésticas, nem força interior para superar os óbices materiais que se lhe anteponham por força dos compromissos assumidos, como pode esse homem colaborar com o bom desempenho da coletividade onde vive? Sabe-se, desde o rascunho da Bíblia, que não pode haver prosperidade/desenvolvimento duradouro sem uma boa estrutura familiar da sociedade. Esta que é uma responsabilidade dos cidadãos, eles que, enfim, são ao mesmo tempo seus agentes e seus beneficiários.

A agitação intelectual, a ebulição criadora, o voo dos movimentos culturais, acontecem em ambientes tocados pela atmosfera de otimismo propiciada por fatores de que não se podem abstrair as circunstâncias materiais. No entanto, há momentos em que elementos beneficiados com o mínimo de condições materiais são capazes de provocar movimentos de mudanças. São movidos por inquietações do espírito, na força de tornar o mundo melhor, sem miséria e sem fome, em que todos possam ter acesso aos bens da vida. O mais tangível, porém, o mais documentado, é ver-se o florescimento de surtos criadores vinculados aos momentos de fartura material.

Um exemplo desse fenômeno observa-se no processo criador despertado pelo Arcadismo Brasileiro e concentrado, mais significativamente, em Vila Rica, antiga Ouro Preto, Capital das Minas Gerais.

Coincidência ou não, esse movimento literário e artístico floresceu junto com a intensa movimentação cimentada pela mineração. Vila Rica atraiu o que havia de melhor na intelectualidade brasileira do período, nos ramos da criação artística e literária.

O ambiente de riqueza propiciado pela mineração produziu uma arquitetura de primeira linha no repertório do período colonial, na pintura de um Manuel da Costa Ataíde, na poesia de um Cláudio Manuel da Costa e de um Tomás Antônio Gonzaga, na escultura de um Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, na música maravilhosa de um Padre José Maurício Nunes Garcia.

Não fosse a circunstância histórica deste acontecimento e não teríamos um dos clássicos da Língua Portuguesa que é o poema lírico Marília de Dirceu. Não teríamos, também, registrado o episódio dramático da Inconfidência Mineira, em cujo vendaval se envolveram esses grandes poetas.

Esse evento político exemplar produziu Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, e plantou a atmosfera de sofrimento na construção do sentido de brasilidade que até hoje paira nas ruas sinuosas e nos casarões de portadas senhoriais da veneranda cidade, e, naquele verdadeiro templo da memória nacional que é o Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, Minas Gerais.

A riqueza da borracha atraiu para a Amazônia Ocidental, domiciliando-os em Manaus, os intelectuais que se radicaram na Região e de onde também jamais saíram. Constituíram família e criaram os filhos, escreveram seus livros, na terra fértil da boa vontade, no sentido de criar um mundo novo, estudando e revelando cada vez mais a Região ao mundo civilizado, como fez o médico, político e professor Araújo Lima, no livro clássico insuperável intitulado Amazônia, a Terra e o Homem.

O Estado do Amazonas, após o declínio da produção dos seringais nativos e o insucesso das tentativas dos seringais de cultivo, manteve-se das outras linhas do extrativismo e do plantio da juta e da malva.

O Prof. Samuel Benchimol, na obra Manáos-do-Amazonas, memória empresarial, volume I, oferece dados interessantes sobre esse panorama. Na década de 40, os gêneros sujeitos a impostos de vendas mercantis e exportação, na pauta de fevereiro a maio de 1942, do Estado do Amazonas, no Governo Leopoldo Amorim da Silva Neves , constaram 41 produtos extraídos da floresta, a saber: bagos de carrapateira, balata em lâminas, balata em bloco, balata abiorana, balata ucuquirana, balata ucuquirana lavada, baunilha, borracha fina, breu em pau, cravo, cola de borracha, carajuru, casca de guaraná, casca de marupá, castanha graúda, cipó, carne de jacaré, coco babaçu, couro de jacaré, cumaru, ervas medicinais, essência de pau rosa, estopa, guta perche, ipéca, jarina, jutaicica, leite de balateira, leite de seringueira centrifugado, leite de sorva, leite de amapá, óleo de copaíba, óleo de mamona, óleo de babaçu, óleo de andiroba, puxuri, piaçaba em rama, piaçaba em corda, raízes medicinais, timbó e uaicima.

Vivia-se, no entanto, um período de marasmo. Tenho o depoimento de um contemporâneo que ilustra muito bem o estado de espírito em que se encontravam os amazonenses nessa época. Dizia ele que os jovens desse tempo lutavam por um emprego público para, em seguida, com as primeiras economias no bolso, comprar uma passagem de navio e partir em busca de melhores condições de vida em outras terras. Situação que permaneceu até a adoção da política de incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus, a que já me referi linhas acima e deverei voltar mais à frente, iniciativa adotada pelo Governo visando buscar a prosperidade/desenvolvimento, irradiando a toda a região, como forma, também, de fixar o homem no espaço geográfico, plantando-o como elemento de integração nacional.

Com o florescimento propiciado pelo sucesso da política de incentivos fiscais, inverteu-se o fluxo migratório. Junto com a população atraída pelas possibilidades de crescimento e riqueza em Manaus e em outras cidades da Amazônia Ocidental, estão voltando os amazônidas.

__________________

18 LA CONDAMINE, Charles-Marie de La (Paris 1701 – 1774), cientista e explorador.

19 GOODYEAR, Charles (New Haven/EE.UU 1800 – Nova Iorque 1860), inventor e empresário.

20 MICHELIN, André (Paris 1853-1931), inventor da indústria de pneus.

21 WICKHAN, Sir Henry Alexander (Inglaterra 1846-1928), botânico biopirata.

22 TORRES, Dom José Afonso de Morais (Rio de Janeiro 1805-1865), Bispo emérito de Belém do

Pará. 24 MENEZES, Aderson Andrade de (Parintins/AM 1919 – Brasília 1970), professor e ensaísta.

Continua na próxima edição…

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