Este texto me foi encomendado, em meados de junho de 2017 pelo vigário da Igreja Catedral de Nossa Senhora do Rosário de Itacoatiara, padre Lindomar Barbosa de Souza, para ser incluído no Site da aludida benemérita Instituição e, via de consequência, disponibilizado urbi et orbi para leitura e consulta dos fieis católicos. Conclui-o, após pesquisa profunda e atenta, e o entreguei no dia 20 deste mês de julho. Espero que esteja a contento.
A Paróquia Nossa Senhora do Rosário foi instituída em 1º de janeiro de 1759, vinculada ao Bispado de Belém, capital do antigo Estado do Grão-Pará e Maranhão. Na mesma data foi instalada a Vila de Nossa Senhora do Rosário de Serpa, posteriormente elevada à categoria de cidade com a denominação de Itacoatiara. Fica demonstrado que a Cidade e a Paróquia são de igual época, estão irmanadas por uma mesma herança cultural e histórica.
Fotografia artesanal com traços poéticos em louvor à Igreja Matriz de
Itacoatiara, em suas várias etapas. No sentido horário: (1) a partir da
esquerda, primitiva Igrejinha de madeira e palha (1759-1791) tendo ao
lado o Sino de Serpa; (2) no alto: Igreja Matriz colonial, construída de
taipa (1795-1932); (3) à direita, a sucedânea da Matriz colonial
(1927-2000); e (4) ao centro, abaixo: atual Catedral (resultante das
reformas de 2003-2012). Desenho do pesquisador e acadêmico Thyrso Muñoz
(julho/2017).
Porém, o culto a Nossa Senhora é muito anterior à rotulação mariana dada à vila em 1759. Remonta à missão religiosa criada em fins do século XVII pelos padres da Companhia de Jesus, responsáveis pela catequização dos índios. Ou seja, desde a fundação em 1683 do núcleo originário desta cidade, no médio Rio Madeira, às subsequentes etapas da trajetória municipal de Itacoatiara, esta parte da Amazônia Ocidental constituiu-se num eficiente polo de difusão do catolicismo. São mais de três séculos em que o povo de Deus de Itacoatiara além de demonstrar sua fé e sua esperança na Igreja, tem pautado suas leituras espirituais na recitação do Santo Rosário.
Nossa Senhora do Rosário é a Santa Padroeira de muitos lugares no mundo, e até mesmo de centenas de cidades brasileiras. O culto do Santo Rosário sempre se revelou forte, é tradicional na Amazônia – e nessa área o Município de Itacoatiara sobressai muito.
O Santo Rosário
A oração do Santo Rosário surge aproximadamente no ano 800 à sombra dos mosteiros e conventos, como “Saltério” dos leigos. Dado que os monges e os frades rezavam os salmos, os leigos, que em sua maioria não sabiam ler, aprenderam a rezar 150 Pai-Nossos. Com o passar do tempo, formaram-se outros três saltérios com 150 Ave-Marias, 150 louvores em honra a Jesus Cristo e 150 louvores em honra à Virgem Maria. Segundo a tradição, a Igreja Católica recebeu o Rosário em sua forma atual com 150 Ave-Marias para meditar a vida (gozosos), paixão (dolorosos) e glória (gloriosos) de Jesus e Maria. O simbolismo das 150 Ave-Marias e dos três mistérios é evidente.
O termo Rosário deriva do latim rosarium, que significa “buquê, série de rosas, grinalda”. É o mesmo que “coroa de rosas”, e como foi definidio pelo Papa Pio V (1504-1572), “Rosário é um modo muito piedoso de oração, ao alcance de todos, que consiste em ir repetindo a saudação que o anjo fez a Maria; intercalando um Pai-Nosso, entre cada dez Ave-Marias, e tratando de ir meditando enquanto isso na Vida de Nosso Senhor”.
Os sites marianos são unânimes: “A palavra Rosário quer dizer um tanto de rosas, um buquê de rosas que se oferece a Nossa Senhora. Ou seja, cada Ave-Maria é uma rosa que oferecemos à nossa Santa Mãe, com carinho, amor e esperança. Assim, quando rezamos o Santo Rosário completo, oferecemos um buquê de duzentas rosas a Nossa Senhora”.
O que dá verdade e embasamento ao Santo Rosário é que ele é uma oração que veio do Céu. Foi-nos ensinado pelo próprio Jesus, por Maria Santíssima e pelo anjo do Senhor.
O Pai-Nosso foi ensinado por Jesus quando disse aos apóstolos: Quando forem rezar, dizei: Pai nosso que estais no Céu, santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino, seja feita a sua vontade, assim na terra como no Ceú. O pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido, não nos deixeis cair em tentação, e livrai-nos de todo o mal. Amém.
A oração da Ave-Maria nos foi ensinada pelo Anjo Gabriel, que apareceu a Maria dizendo: Ave Maria cheia de graça, o Senhor é convosco. Santa Isabel, cheia do Espírito Santo, disse a Maria: Bendita sois vós entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre, Jesus. A Igreja completou escrevendo: Santa Maria, Mãe de Deus rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte, amém.
O Santo Rosário compreende a meditação dos vinte mistérios da Fé Católica, divididos em quatro grupos de cinco mistérios – denominados Terço – e nos leva diariamente ao estudo e meditação profunda da Palavra Sagrada da Bíblia e das passagens mais importantes do Evangelho. Rezar o Terço diariamente nos fortalece na fé em Deus, Jesus, Espírito Santo e na Santa Virgem Maria – sempre tão presente em nossas vidas.
Aos mistérios originais o Papa João Paulo II (1920-2005), em sua Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae, de 16 de outubro de 2002, incluiu novas meditações, o que levou o Santo Rosário à atual composição de quatro conjuntos de nmistérios. São eles:
Mistérios Gozosos: nos quais se contemplam a anunciação do Anjo a Maria; a visita de Maria a sua prima Isabel; o nascimento de Jesus em Belém; a apresentação de Jesus no Templo; e Jesus perdido e achado no Templo entre os doutores da Lei.
Mistérios Dolorosos: neles se contemplam a agonia de Jesus no Horto das Oliveiras; a flagelação de Jesus; a Coroação de Espinhos; Jesus carrega a Cruz até o Calvário; a Crucificação e morte de Jesus.
Mistérios Gloriosos: nos quais se contemplam a Ressureição de Jesus; sua Ascensão ao Céu; a vinda do Espírito Santo Sobre os Apóstolos e Maria; a Assunção de Maria ao Céu; a Coroação de Maria.
Mistérios Luminosos: foram escritos pelo próprio papa João Paulo II. Neles se contemplam toda Vida Pública de Jesus; o Batismo no Rio Jordão; o Milagre nas bodas de Caná; a proclamação do Reino do Céu e o convite à Conversão; a Transfiguração de Jesus no Tabor; a Instituição da Eucaristia.
Nossa Senhora do Rosário
A devoção a Nossa Senhora do Rosário é muito antiga e universal. Sua propagação tomou impulso a partir da aparição em 1208 da Virgem Santíssima a São Domingos de Gusmão (1170-1221) na Igreja do Mosteiro de Prouille, na qual a Mãe de Jesus entregou-lhe o Santo Rosário. São Domingos fez dele sua poderosa arma para combater a heresia dos albingenses que à época crescia vertiginosamente na França. Fundou a Ordem Dominicana e, por sua intensa propagação e devoção, a Igreja conferiu-lhe o título de “Apóstolo do Santo Rosário”.
Imagem da Padroeira de Itacoatiara, Nossa Senhora do Rosário. Imagem
trazida de Portugal. Escultura em madeira policromada, do final da
primeira metade do século XVIII.
Em agradecimento pela vitória do exército cruzado contra os hereges cátaros, na Batalha de Muret (sul da França: setembro de 1213), o conde franco-normando Simão IV de Monforte (c.1163-1218) construiu o primeiro Santuário dedicado a Nossa Senhora da Vitória. Em 1572, o Papa Pio V instituiu a festa litúrgica de “Santa Maria da Vitória” para comemorar a vitória da Batalha de Lepanto, junto ao Golfo de Patrás, em território hoje grego, ocorrida no ano anterior – cujo sucesso dos católicos sobre os turcos otomanos no oeste da Europa também foi atribuído à intervenção da Virgem Maria.
A memória de Nossa Senhora do Rosário, derivada da festa de Santa Maria da Vitória, instituída depois da vitória dos cristãos em Lepanto, mudaria de feição no papado seguinte, de Gregório XIII(1502-1585). Em 1573, além de tornar a festa mariana obrigatória para a Diocese de Roma e as confrarias do Santo Rosário, o sumo pontífice mudou-lhe o título para “Festa do Santíssimo Rosário da Bem-Aventurada Virgem Maria”, mandando celebrá-la a cada primeiro domingo do mês de outubro em todas as igrejas.
Em 1716, a festa foi estendida a todo o mundo católico, mas ainda celebrada em datas diferentes, conforme os costumes locais. No Brasil chega por influência dos colonizadores portugueses, e se difunde rapidamente tornando-se um dos principais acontecimentos da tradição popular. Em 10 de dezembro de 1883, o Papa Leão XIII (1810-1903) inscreveu a invocação “Rainha do Sacratíssimo Rosário” na Ladainha Lauretana, ou Ladainha da Santíssima Virgem, aprovada pelo Papa Sisto V (1521-1590), no ano de 1587. E finalmente, em 1913, o Papa Pio X (1835-1914) ordenou que a Festa de Nossa Senhora do Rosário fosse comemorada no dia 7 de outubro de cada ano.
Ressalte-se que, até o ano de 1946, a festa de Nossa Senhora do Rosário em Itacoatiara era comemorada no primeiro domingo de outubro. Todavia, por determinação da chefia do Bispado do Amazonas, passou a sê-lo no dia de todos os santos – 1º de novembro. Nesse mesmo dia daquele ano de 1946, o bispo da Diocese do Amazonas, dom João da Matta Andrade e Amaral (1898-1954), inaugurou a nova Igreja Matriz (prédio anterior ao da atual Catedral), mediante o ato solene de sagração do seu altar-mor, e designou para o término da Festa da Padroeira o aludido dia 1º de novembro.
A devoção a Nossa Senhora do Rosário atravessa os séculos, trazendo a Igreja para o lado de Maria Santíssima, que a leva para a Salvação de Jesus. O Rosário de Maria une a terra aos Céus. Foi o dominicano Pio V o primeiro a recomendar a adoção do Santo Rosário, que ao longo dos tempos se tornaria oração popular por excelência, uma espécie de breviário do povo, recitado de manhã e à noite, em família. Em suas aparições, Maria Santíssima sempre insiste para que as pessoas rezem o Santo Rosário, uma poderosa arma de intercessão, um dos caminhos para se chegar à Salvação Eterna.
De acordo com os relatos da Igreja Católica, Nossa Senhora de Fátima, ou Nossa Senhora do Rosário de Fátima, é uma das designações atribuídas à Virgem Maria que em 1917 apareceu repetidamente a três pastores no lugar Fátima, distrito de Ourém, Portugal. Os eventos são associados também a Nossa Senhora do Rosário, sendo imediatamente aceita a combinação dos dois nomes – dando origem a “Nossa Senhora do Santo Rosário de Fátima” – pois, segundo os relatos, “Nossa Senhora do Santo Rosário” teria sido o nome pelo qual a Virgem Maria se haveria identificado, dado que a mensagem que trazia era um pedido de oração, nomeadamente, a oração do Santo Rosário.
Na Amazônia, o culto mariano desenvolveu-se a partir da chegada a Belém, em 1653, do padre Antônio Vieira (1608-1697). Nos anos seguintes, várias confrarias do Rosário seriam criadas nas calhas dos principais rios. A instalação da Paróquia de Serpa, no século seguinte, coincidia com o período em que a Igreja Católica mandava cumprir a bula de 3 de outubro de 1716, assinada pelo Papa Clemente XI (1649-1721), ampliando a observância da Festa do Rosário para toda a humanidade. Seguramente escorados nesse exemplo, os primeiros padres adotaram Nossa Senhora do Rosário como Padroeira de Itacoatiara.
O sentimento profundo de fé dos católicos itacoatiarenses parece defluir da condição de ser o núcleo urbano tradicionalmente mariano, que traz o epíteto de Cidade do Rosário. Quando lhe foi conferido o foro municipal, intitulava-se Vila Paroquial de Nossa Senhora do Rosário de Serpa. O principal colégio, originariamente nominado Instituto Nossa Senhora do Rosário de Fátima, nasceu em 2 de fevereiro de 1951, sob a orientação de religiosas da Congregação das Doroteias. Em 1953 a cidade recebeu a visita da imagem peregrina de Nossa Senhora do Rosário de Fátima. Por fim, a devotadíssima escultura da Santa Padroeira de Itacoatiara, que é uma rica peça da arte imaginária mundial datada do século XVIII, é uma emocionante fonte de inspiração dos fiéis locais.
Jurisdições & Denominações
Como dito antes, a antiga Paróquia de Serpa foi criada em 1º de janeiro de 1759 estando sob a jurisdição do Bispado de Belém. À época, em face de responder por uma extensíssima jurisdição, a Diocese paraense defrontava-se com um número deficiente de elementos para cobrir os serviços religiosos de toda a Amazônia. O retraimento desses serviços, que era uma consequência da expulsão dos jesuítas, trouxe prejuízos inclusive à Paróquia de Serpa, cuja sede, durante certo tempo, sofreu com a falta de cura fixo.
Para ministrar os sacramentos em Serpa, de tempos em tempos sacerdotes eram enviados de Belém, sede do único seminário regional. À falta de sacerdotes era, em parte, suprida pelo vigário-geral da Capitania do Rio Negro, que, quando possível, vinha desobrigar os fieis locais. Comumente recorria-se aos vigários “encomendados” (interinos), pois, somente a partir da instalação da Província do Amazonas, em 1852, é que a Paróquia de Serpa passou a ter vigários “colados” (efetivos), mas ainda dependentes de nomeação pelo Bispado do Pará.
No período transcorrido do nascimento da vila à elevação da cidade (1759-1874), o número de vigários e auxiliares atuantes ascendeu a 21 padres. O último vigário da Paróquia da vila e primeiro da Paróquia de Itacoatiara foi o padre Manuel Ferreira Barreto: nomeado em 7 de julho de 1873, exerceu a Vigararia até 1878 e faleceu em 14 de abril de 1881. Sepultado no antigo Cemitério São Miguel, seus ossos posteriormente foram transladados para o Cemitério Divino Espírito Santo.
Durante os dois séculos e meio de sua existência, a Paróquia teve três denominações:
1) Paróquia Nossa Senhora do Rosário de Serpa. Desde a sua fundação em 1º de janeiro de 1759, esteve jurisdicionada à Diocese de Belém e estreitamente ligada à Vigararia-Geral do Alto Rio Negro, sediada em Barcelos, e assim permaneceu até o dia 13 de abril de 1855 em que foi criada a Vigararia Provincial do Amazonas. A partir desta data, tal subordinação deslocou-se para a Diocese do Amazonas, ereta canonimamente em 27 de abril de 1892 pelo Papa Leão XIII, desmembrada do território da Diocese paraense.
2) Paróquia de Itacoatiara. Denominação decorrente da elevação, em 25 de abril de 1874, da vila de Serpa à categoria de cidade, e assim 18 anos depois seria oficializada face à criação, em 1892, da Diocese do Amazonas. Entretanto, com a elevação desta Diocese à dignidade de Arquidiocese e Sé Metropolitana, em 16 de fevereiro de 1952, pelo Papa Pio XII (1876-1958), a Paróquia de Itacoatiara passou à jurisdição da Arquidiocese de Manaus. Uma década depois, tornar-se-ia carro-chefe da Prelazia de Itacoatiara, criada em 13 de julho de 1963, pelo Papa Paulo VI (1897-1978), como sufragânea da Arquidiocese de Manaus.
3) Paróquia Nossa Senhora do Rosário. Parte integrante da Prelazia de Itacoatiara, foi assim denominada face ao decreto de 18 de agosto de 2000, firmado pelo bispo dom Carillo Gritti (1942-2016), que definiu como sede da Paróquia: a Igreja Catedral, na Praça da Matriz; e os limites: ao Norte, os bairros de Pedreiras e Iraci, na Rua Benjamin Constant, e o bairro Santa Luzia, nas ruas Manaus e Nossa Senhora do Rosário; a Oeste, o Igarapé do Doca, a Fazenda Poranga e o Rio Amazonas; ao Sul, o Rio Amazonas; e a Leste, o bairro de São Jorge, na Estrada do Japonês, Rua Luzardo Ferreira de Melo e Rio Amazonas. A Paróquia Nossa Senhora do Rosário coordena as demais distribuídas pela cidade e as áreas missionárias do Rio Arari, Ilha do Risco e Novo Remanso.
Da Igrejinha de Palha à Imponente Catedral
O Município de Serpa (atual Itacoatiara) foi copiado do regime colonial e a sua fundação, em 1759, ensejou a formação de mais uma circunscrição do Estado português no interior da Amazônia. À época, a expulsão dos jesuítas, patrocinada pelo primeiro-ministro Marquês de Pombal (1699-1782) com o auxílio do governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado (1700-1769), deixou bastante tumultuadas as relações da Igreja com o governo de Lisboa, exigindo prontas providências no sentido da reorganização da vida eclesiástica regional, mediante a instalação de paróquias por todo o interior.
Assim, decorrendo da criação em 1755 da Vigararia-Geral do Alto Rio Negro, confirmada pela Carta régia de 18 de junho de 1760, de Belém o primeiro titular da instituição, padre José Monteiro de Noronha (1723-1794), seguiu em 1758 para exercer suas funções em Barcelos, capital da Capitania de São José do Rio Negro. Sob sua coordenação, no ano seguinte, seriam instaladas as paróquias de Serpa, Tefé, Silves e São Paulo de Olivença.
Um dos principais atos do primeiro governador da Capitania, coronel Joaquim de Mello e Póvoas (c.1723-c.1783), que assumira no dia 7 de maio de 1758, foi instalar a vila de Serpa. Culminando a cerimônia, foi empossada a Câmara Municipal, constituída de vereadores escolhidos entre os mais esclarecidos do lugar, inclusive índios recém-civilizados – que prestaram o Juramento dos Santos Evangelhos. Dava-se, assim, início à vida municipal.
Simultaneamente à inauguração da vila, no dia 1º de janeiro de 1759, foi instalada a Paróquia sob a invocação de Nossa Senhora do Rosário, mediante a celebração de uma missa em ação de graças pelo vigário-geral José Monteiro de Noronha. Mandou-se vir de Lisboa a imagem da Santa Padroeira – a mesma que ainda hoje, 258 anos após o histórico evento, enfeita e dignifica o altar-mor da nossa imponente Catedral.
Devido à sua estratégica localização, a então futura Itacoatiara haveria de garantir, nos anos subsequentes, a formação de um importante núcleo urbano no interior do Estado, catalisador de progresso social, econômico e cultural. Via de consequência, a sua Paróquia ganharia prestígio e autoridade. O aparecimento dessa importante comunidade católica, à margem do maior rio do mundo, constituía fator de integração do hinterland amazonense ao mundo ocidental dito civilizado.
A primitiva Igreja Matriz, construída de frente para o Rio Amazonas – no centro do terreno quadrangular onde é hoje a Praça da Catedral, – era um pequeno e tosco templo de madeira coberto de palha, e estava regularmente abastecida de ornamentos e alfaias. “Ali se reuniam os índios e uns poucos civilizados cantando os louvores de Maria e ensinando a religião de Cristo. Diante da imagem de Nossa Senhora do Rosário, toda ela engalanada de fitas multicores e alumiada por candeias rústicas, eram recitados ladainhas, terços e rezas, e feitas súplicas e promessas. Abundavam as cantigas em língua nheengatu” (Silva, 1997 e 1999).
“Desde 1769, um sino de bronze em tamanho médio, pendurado num comprido poste de madeira, fincado numa das laterais do pequeno templo, batia as horas e chamava os fieis à missa. A novidade viera de Portugal, enviada pelo então ministro da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado – era o “Sino de Serpa”, e assim está registrado nos anais do Arquivo Histórico Ultramarino – Códice AHU_ACL_CU_020_Cx._D._155” (Silva, em livro inédito a sair brevemente).
À medida do passar do tempo ia melhorando o estado geral da pequenina igreja. Devorada por um incêndio em 1791 – sendo a imagem da Padroeira milagrosamente salva -, quatro anos depois foi reconstruída pelo governador Manoel da Gama Lobo D’Almada (c.1735-1799). Ainda que um prédio pequeno e malfeito, avarandado (media 11 metros de frente por 8,5 metros de fundo), construído de taipa de mão, sendo uma parte coberta de palha e outra, de telha, seu aspecto não guardava relação alguma com a casa de madeira e palha de outrora.
“Do final do século XVIII para início do século XIX, a velha Matriz colonial sofreu várias reformas e ampliações. Em 1847, o nono bispo diocesano do Pará, dom José Afonso de Morais Torres (1805-1865), encontrou uma boa igreja, coberta de telhas, espaçosa e bem construída” (Silva, 1999). No inverno de 1927, parte dela desabou, mas repetiu-se o milagre da salvação da imagem da Santa. Nova igreja foi levantada nos fundos da praça principal, uma construção totalmente comunitária liderada pelo vigário da época, o padre português Joaquim Pereira (1878-1958), que foi concluída entre 1939 e 1940.
O sucedâneo da “Matriz” que nominava a principal igreja da antiga Paróquia de Itacoatiara e que, a partir da criação da Prelazia em 1963, passou a intitular-se “Catedral”, é um dos edifícios mais destacados da cidade. É imponente, sem dúvida, e suas características atuais decorrem da grande reforma por que passou entre 2003 e 2012, comandada pelo falecido bispo dom Carilo Gritti.
A Imagem da Santa Milagrosa
A expressão maior da crença do povo católico de Itacoatiara é a imagem da sua Santa Padroeira, datada da primeira metade do século XVIII e trazida para cá diretamente de Lisboa. Esculpida em madeira policromada e posicionada de pé sobre um pedestal, mede 66 centímetros de altura e 43 ditos de largura. Suas feições são nitidamente europeias: rosto arredondado, pele branca, cabelos ondulados escuros, olhos castanhos, nariz e boca pequenos. Carrega em seu braço esquerdo o Menino Jesus e segura, na mão direita, um Terço. Permanentemente exposta à veneração do público, muitos têm sido os milagres espirituais por ela operados. Caso das conversões – fruto das graças recebidas diante dela. Por isso, aumenta sempre o número de devotos rezando a seus pés. Nos problemas do dia-a-dia e em suas preocupações pessoais e familiares os fiéis itacoatiarenses não deixam de clamar por Nossa Senhora do Rosário. Ela os protege!
A Festa da Padroeira
A piedade popular criou o costume de se venerar a Mãe de Jesus de maneira especial nos chamados meses marianos: maio e outubro. O primeiro é dedicado a Maria e o segundo é o mês do Rosário. Todos os anos, em Itacoatiara, a proclamação da Festa da Padroeira ocorre no dia 7 de outubro. No dia 16 uma romaria sai da Catedral em direção ao Mosteiro da Água Viva, no quilômetro 10 da Rodovia “Vital de Mendonça”, onde a imagem da Santa é depositada. Mas as festividades começam oficialmente ao amanhecer do dia 22, com a alvorada dos grupos musicais. À tarde, a imagem está de volta à Catedral. Nos nove dias seguintes, pela manhã e à tarde, realizam-se atividades esportivas e culturais e, à noite, ocorrem as tradicionais novenas onde os fieis rezam o Terço.
Na reza do Terço, alma e coração sentem-se vergados sob o peso do infinitivo. É uma devoção popular das mais saudáveis que ajuda os fiéis a adorar e louvar a Deus, apelando à Sua misericórdia. A venerar a Mãe de Jesus Cristo contemplando os mistérios do Senhor. Os terços são símbolos vivos, pulsantes e eloquentes, explicados por uma tradição que se fortalece no tempo, não podem passar por simples objetos de decoração, devem ser rezados em tom contrito e lento. Com emoção…
Além dos arraiais noturnos, que se sucedem às novenas, a procissão de encerramento da Festa do Rosário, no dia 1º de novembro, atrai multidões vindas de todos os cantos da cidade, do Estado, do País. A imagem da Santa, postada num andor ricamente ornamentado sobre um veículo motorizado tipo berlinda, desfila pelas ruas centrais. Acompanhando-a ou postadas nas calçadas e janelas do trajeto, milhares de pessoas com terços e velas à mão, repetem as orações dirigidas de um alto-falante que vai à frente da procissão. Entre os hinos cantados, ressalta a Oração de Nossa Senhora:Santa Maria, / Mãe de Deus, / rogai por nós!
A devoção à Santa Padroeira do Rosário é uma tradição bonita e cheia de significado, marcada por ritos simples e gestos simbólicos. Transmitidos de geração em geração, cada vez mais se fortalecem. Os fiéis recolhidos em casa, no silêncio e doçura da tarde, ou deitados à hora habitual, rezam o Terço entremeando seus Pai- Nossos e suas Ave-Marias com a contemplação dos mistérios da vida de Cristo e da Gloriosa Virgem Maria. Oram pelas crianças, pelos velhos e doentes. Oram pelos que deram a alma ao Criador, suplicam ou agradecem os favores divinos. São momentos que ajudam nossa gente a compreender melhor sua ligação com Deus.
No altar da Catedral, nas promessas do povo, na reza diária do Terço, na ladainha, na procissão, a Imaculada Senhora do Rosário comunica algo sem que a gente precise dizer nada: o pano branco, as velas, as flores, a imagem da Santa. O catecismo, a celebração do culto divino, sobretudo dos sacramentos, são traços de união entre todos. Tudo isso diz do nosso contentamento, da nossa emoção, do coração aberto para o sagrado e do desejo de oferecer ao Deus-Pai o que temos de mais caro e belo na vida.
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