Manaus, 19 de setembro de 2024

A Cidade de Manaus – Sua história e seus motins políticos

Compartilhe nas redes:

*Bertino de Miranda

VI

Abdicação. – Comarca do Alto Amazonas. – Abrilada de 1832 em Manáos. – A efêmera Provincia do Rio Negro.

Baena descreve nas últimas páginas das Eras o começo das represálias do jacobinismo paraense, que deixamos dominando na Junta eleita sob os auspícios de Greenfell. É a fase revanchista, de exclusão acintosa de todos os funcionários públicos oriundos da Metrópole.

Todavia, os portugueses se consideram ainda for- tes. O Imperador tem a boa ideia, que não ocorre a Deodoro em 1891, de preparar, sem perda de tempo um Pacto Político. Quer assim atenuar um tanto a violência empregada para dissolver a Constituinte. Esse Pacto é escrito em alguns dias, prova bastante de que às vezes se pode prescindir dos Parlamentos na feitura de leis sábias e liberais. Em março de 1824 já se expedem circulares a todas as Províncias para fazer jurar a Constituição. Chegam a Serpa em setembro do mesmo ano, e a Manáos em fins de 1825.

Esta segunda lua de mel entre o Soberano e a Nação acaba cedo. Morto D. João VI, o Imperador põe de lado seu papel de espectador passivo na vida, política de Portugal. Abdica na filha os seus direitos á Coroa Portuguesa, mas, logo depois, restaurando D. Miguel o governo absolutista, não tem outro remédio senão se imiscuir, já agora sem receio, na contenda. A nosso ver, é ele quem provoca ou apressa o 7 de abril. Está sequioso de ligar seu nome a uma outra Constituição.

Com este desenlace os portugueses se vêm afinal obrigados a procurar a aliança dos descontentes, que imaginam recuperar as posições perdidas fomentando a volta de Pedro I. Assim se forma o partido restaurador em que os Andradas entrariam para intimidar os adversários.

Em Manáos as cousas mudam também de aspecto. Os Moradores se consideram agora fraudados nas suas justas aspirações de autonomia política. Em lugar de regozijo, a Constituição só provoca desgostos e vexames. Em 1826 (6 de fevereiro) desembarca o Comandante Hilario Gurjão para assumir o governo militar da Comarca. Vem ordem expressa para a Câmara de Barcellos se estabelecer em Manáos.

Estende-se então até 1828 um período de lutas e rivalidades entre os Vereadores e o Comando Militar; de nenhum modo aqueles consentem que es- te desconheça o caractere, que se arrogam, de junta Governativa. Provavelmente o novo Comandante Coronel Joaquim Felippe dos Reis é quem intima á Câmara seu regresso a Barcellos.

No Pará se olha com certo receio essa atitude dos amazonenses. Ella tinha, porém, a sua razão logica. Já em 1818 Silves e Villa Nova da Rainha dirigem um Memorial a D. João VI pedindo a independência do Governo do Rio Negro. Não se perdoa o proceder incorreto da Junta de 1823 interceptando em Belém os ofícios de José Bonifácio sobre a conveniência do Alto Amazonas enviar representantes a Constituinte.

Em todo o caso, nem todos pensam, como a Presidência da Provincia, e seus Conselheiros, no rigor excessivo que se deve empregar com o Amazonas. Muitos até acham ruinoso á seguridade e expansão do Império não ter sido a extinta Capitania Elevada á Provincia. A voz eloquente do Marques de Santa Cruz se levanta no Parlamento em 1826 para condenar essa injustiça; no seu entender ela irá avolumar os males que já afligem ao Extremo Norte. Esse discurso, lido e comentado em Manáos, aumentaria mais a exacerbação pública.

Felippe dos Reis é, acaso, do grupo que antipatiza. com as intenções separatistas da Comarca. Vem sorumbático, prevenido com todos, ao ponto de recusar, de modos bruscos, ser acompanhado das pessoas gradas que o tinham ido esperar em meio do caminho. O desacordo fica claro, á espera somente de momento asado para explodir.

Parece que pertence também ao partido restaurador. Seu assassinato coincide com o 7 de abril, a deposição do Presidente Goyanna, outo exilio de Baptista Campos, e reconhecimento deste, como Vice-Presidente, por diversas Câmaras do Baixo Amazonas, Baptista Campos vinha cumprir a pena de degredo no antigo presidio do Crato sobre o rio Madeira.

Ao que se presume estes sucessos rebentam juntos em Manáos e precipitam talvez o desfecho sanguinário, que só é mistério para sua vítima principal. Ao anoitecer de 12 de abril de 1832 estala o motim, que se planeja com grande habilidade e certeza absoluta do êxito. Mas o assassinato de Felippe dos Reis dentro do quartel não preocupa muito os espíritos e até os une intimamente na ideia de aclamar a Provincia. Já aqui os verdadeiros chefes se apresentam sem rebuço. A cumplicidade do Ouvidor Manuel Bernardino de Souza Figueiredo, escolhido Presidente, os ampara e irá, decerto, prestigiá-los junto à Regência. Souza Figueiredo se sujeita de bom grado a percorrer as ruas sob um palio. Enviam Fr. José dos Inocentes ao Rio, via Madeira, para instruir o Governo Imperial sobre o assumpto e pedir sua ratificação a obra revolucionária.

Contam como certo que do Pará virão tropas tentar restabelecer o jugo político derrocado. O fortim das Lages e a margem oposta, os pontos mais estratégicos, são por isso artilhados com trinta peças e guarnecidos com mil homens. Não obstante, a chegada da canhoneira de guerra «Independência), eles têm de ceder, após alguns tiroteios, á disciplina e á superioridade adversas. Entregam-se ao vencedor, que restabelece outra vez a Comandante Militar. O cronista de quem extraímos estas notas oculta, sem querer, a causa desse fracasso. Encontra-la a n’um documento mss., que observa com amargura não se ter sabido conservar, depois da Aclamação de 22 de junho, a mesma unidade de vistas e o mesmo desprendimento de honrarias. Todos queriam mandar e ninguém obedecer.

*Bertino de Miranda (1864-1919). Jornalista e historiador paraense. No final do século XIX para início do século XX participou ativamente da vida social, política e cultural do Amazonas. O livro de sua autoria, que em partes levamos ao conhecimento do nosso público ledor, é um importante e esclarecedor documento sobre a História amazonense.

Views: 31

Compartilhe nas redes:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

COLUNISTAS

COLABORADORES

Abrahim Baze

Alírio Marques