Os rios da Amazônia foram secando um por um. Rio Acre reduziu-se a um espelho d’água atravessável a pé enxuto. O Javari virou um fio denso de lama barrenta a escorrer pela fronteira à fora. O Rio Solimões, o maior do mundo, no lugar onde mais parece um mar de água doce a dividir três países da América do Sul (Brasil, Colômbia e Peru), transformou-se num córrego e perdeu a sua referência diplomática de localizador de fronteiras. Tudo isso ainda no mês de maio, anunciando o Verão Amazônico. E falava-se a boca pequena que nas cabeceiras do Rio Negro, onde fica a “Cabeça do Cachorro”, as chuvas não haviam dado o ar fresco de sua graça. Coisas do El Niño! Fenômeno natural do aquecimento das águas do Oceano Pacífico, na linha do Equador, e que repercute no Norte do Brasil com a ausência de chuvas ou pouca incidência delas e, consequentes secas, que interferem na vazante e cheia dos rios formadores da caudalosa Bacia Amazônica.
O que sempre foi natural virou catastrófico. Previsto para encerrar-se em junho, prolongou-se sem explicação à espera do seu evento oposto, “La Niña”, com previsões de início em setembro deste ano, mas retarda sem dizer por quê. A água evapora, os rios secam e os peixes morrem; as canoas ficam ancoradas a quilômetros das palafitas dos ribeirinhos. Tempo de canseira e trabalho duro, mas era suportável, sazonal. Hoje, tempo de desalento, de fome e privações para os seres humanos, para os peixes e outros animais, que dão vida aos rios, às várzeas e às florestas. Triste ver, triste de pensar! Tempo difícil de respirar devido às queimadas, tantos as costumeiras quanto as criminosas. O sol a pino, quase invisível pela fumaça, uma sensação térmica à beira dos 50 graus centígrados; e não se vê no horizonte nada que nos acalme, visto que, a cada instante, anuncia-se mais um incêndio que se junta a outros inapagados. Um queimou uma extensão de floresta comparável ao território da Bélgica, outro da França, outro mais comparável ao da Hungria. Não é a Europa que está queimando, é o Brasil! Para distanciar-se do problema, compara o seu com o de outros países distantes. É a realidade que sobra: mesmo em chamas, o Brasil insensível raciocina que o que queima não é seu, não se digna nem a comparar consigo mesmo. Quando um pedaço do nosso corpo queima, jamais dizemos que as chama consumiram a pele do braço de uma pessoa distante.
Mas foi bonito de ver nesta semana, enquanto a floresta queima e os rios desaparecem, a mesa cheia de ministros rodeando o Presidente da República. Todos bem aliviados de uma semana difícil, bem distante do caldeirão de Brasília, onde os parlamentares afetados com a “Síndrome de Estocolmo” (a eles aplicada pelo jornalista Otávio Guedes) prometem incendiar o Parlamento e quebrar o STF novamente; onde repercute a demissão de um ministro acusado de assédio; onde o Presidente da Câmara dos Deputados, em dores de parto, ameaça parir o nome do sucessor, mas reluta em ver a cara do mesmo, com medo de uma traição impensada. Estavam todos em Manaus, a Capital do Estado do Amazonas. Ao olhar para a mesa farta de autoridades, lembrei-me de uma lenda nossa, dos tempos em que se acendia charuto com libras esterlinas e que os cassinos se regozijavam com os deslumbrados clientes na pequena “Paris dos Trópicos”. Diz a lenda que os visitantes, para usufruírem dos encantos da cidade, sem culpa, deveriam aproveitar a parada obrigatória dos navios na Ilha de Marapatá, situada no Rio Negro, quase em frente à cidade de Manaus para abastecer-se de lenha, desembarcar do navio e deixar lá as suas “vergonhas” com os espíritos que habitavam a ilha, antes de seguir em frente. Ao retornarem, recebê-las-iam de volta, com a reputação ilibada. Em tempos de jogatina como estes em que vivemos no país, o Marketing da Ilha de Marapatá seria infalível no caminho do nosso “desenvolvimento sustentado”, de calor intenso decorrente das adversidades climáticas e da falta de seriedade. Daquela mesa ouviu-se promessas tilintantes: míseros 500 milhões para dragagem de rios; a nomeação de uma autoridade climática e a criação de um conselho de sábios, certamente presidido por um alienígena de alto coturno. Mas o passarinho me contou, também, que a BR-319 (nossa Belém-Brasília 70 anos depois) será restaurada, asfaltada e concluída, bem antes que a Zona Franca de Manaus se acabe!
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