A resposta não pode ser açodada. Talvez, quem sabe, a teremos muitos anos depois. Uma coisa é certa, até lá muito terá mudado entre nós e os cidadãos do mundo sobre a reverência que sempre demos à democracia tendo como parâmetro os Estados Unidos da América, forjada em sólidos princípios do Iluminismo como organização política, dando vida e coragem a outros povos a enfrentarem o colonialismo e tornarem-se livres. Que nos perdoe Alexis de Tocqueville, que difundiu com sucesso a Revolução Americana! Essas miragens que empolgam o mundo, normalmente, fazem vista grossa à indignidade e à desumanidade da escravidão negra e da matança dos povos originários, lá e em toda a América, que subsistem e teimam a desviar os construtos humanos do bem de seus verdadeiros propósitos. O que temos de imagem desse país, estado e povo, nunca foi real e só se tornou imponente porque tornou-se o mais rico, o mais poderoso arsenal bélico do mundo e soube usufruir de toda a inteligência mundial a seu serviço. Não pode, portanto, renunciar à prepotência, à arrogância dos impérios, mesmo que estes estejam fora de moda. Mas, um teste pode ser a forma adequada de medição de forças para saber quem são os seus novos iguais e seus rivais. Assim sendo, o que presenciamos de momento teria que acontecer, visto que as instituições criadas para sustentar a Ordem Mundial no pós II Guerra chegam ao fim, desprestigiadas; e o pior, sem saber por quais outras serão substituídas. Tudo se relaciona com mais uma crise do capitalismo avançado em seu modelo globalizado de produção, sem que se tivesse erradicado as desigualdades. O resultado do processo de globalização do capital redundou na concentração inimaginável da riqueza em todos os recantos do mundo na mão de poucos, que se soma, se hierarquiza e se transforma em poder absoluto a conduzir as novas expectativas que o capital produz para si mesmo.
A degeneração da democracia americana é um fato exposto à luz do dia e tudo do mais desabonável encontrará acolhimento entre os que estão ligados ao modelo, dele dependem ou dele querem depender por vontade própria. Não é de estranhar que, no caso brasileiro, sejamos, hoje, a vítima mais “exemplar” entre os países que, vivendo na periferia do sistema capitalista, apresenta avanços consideráveis. Por si só, isso já seria interpretado como um desafio a ser combatido, o que é coadjuvado pelas elites locais, que sempre se viram donas do privilégio “do ser-dividido entre duas fidelidades, ao pequeno mundo das segregações coloniais e ao grande mundo das metrópoles sucessivas do império de turno, alternância ora formalizada e filtrada pelo juízo crítico, ora congelada nas fixações ideológicas da consciência amena do ‘atraso’, hoje rediviva, esta última, com a cultura do contentamento gerada pela marola cosmopolita da globalização” (ARANTES, P. E. Fratura brasileira do mundo. S.Paulo: Editora 34, 2023, p.44-45). Traduzindo para o popular: nunca o “viralatismo”, no Brasil, esteve tão em alta!
Todo o esforço que vem sendo feito pelo Governo Brasileiro para enfrentar a crise do chamado “tarifaço”, imposto imperialmente por Donald Trump e sua trupe, nunca será suficiente para nossa elite, que deseja sempre mais subsídio sem contrapartida e, certamente, não titubeará em comparecer de casaca e tudo no baile da submissão, se não impedirmos que ele venha a acontecer. As alianças, as novas escolhas e as novas forças ainda não estão postas no horizonte. O modelo oferecido pelos EUA comporta certa dose de surpresa e não inspira solidez. A conjuntura da economia mundial é de crise do capital e da globalização. As instituições que velavam pela ordem mundial foram desmoralizadas. As desavenças entre os povos estão em níveis estressantes. A desigualdade econômica e social está em toda parte. Tudo isso potencializa a audácia dos afoitos. Ao mesmo tempo, atos praticados para controlar a economia geram consequências intoleráveis, imorais por princípio e degradantes no seu curso: é o resultado de todo o trabalho humano, coletivo e universal sendo ameaçado pela ganância de uma ideologia da destruição do outro. As crenças na valorização dos vínculos que nos uniam se degradam e todos os propósitos para animar uma convivência pacífica caem por terra no mundo sem tino, sem rumo, quase acabando!
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