
*Eder de Castro Gama
CAPÍTULO 3 IDENTIFICAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL

Chegou o tão esperado passeio de ônibus para identificar o Patrimônio Cultural de Itacoatiara. Estevão e os coleguinhas chegaram mais cedo na escola. Estava um dia ensolarado com vento agradável, ideal para fazer um trabalho de campo digno de qualquer pesquisador.
As crianças estavam com protetor solar e suas garrafinhas de água cheias. As professoras já tinham preparado os lanches, pois, certamente sentiriam fome numa atividade tão intensa. Depois que estavam todos acomodados em suas cadeiras, a professora Maria do Carmo iniciou as atividades com as orientações básicas de segurança, como não ficar de pé quando o ônibus estiver em movimento, não falar quando a professora estiver comentando os pontos de parada e não se dispersar nos pontos de parada. Em seguida foi dado início ao roteiro do passeio.
O primeiro ponto do roteiro foi o bairro do Jauary.
Bairro do Jauary

Crianças vocês sabiam que o bairro do Jauary Já foi uma fazenda?
– Professora de onde vem o nome Jauary? Perguntou Manu.
– Emanuelle, Jauary é uma palmeira que tem uns frutos que peixes adoram, elas eram muito comuns neste lago, que tem o nome de Jauary. Vocês estão vendo ali toda aquela área onde tem casas aqui perto da escola? Ali era um lago muito grande onde as pessoas tomavam banho, lavavam as suas roupas, pegavam água nas cacimbas que tinham próximo, pois não tinham água encanada na época e praticavam esporte de canoagem. Hoje, está cheio de casas ao seu redor e poluído com esgoto humano, quando vem uma grande enchente aquelas ruas alagam e estas casas vão para o fundo.
– Eca! Que nojo! Falaram os alunos.
– Pois bem, alunos. Antes deste lugar tornar-se bairro cheio de casas e onde está localizada nossa escola, existia a fazenda Terra Preta, de propriedade de Jason Willians Stone, um Norte Americano que veio morar aqui em Itacoatiara, lá pelos anos de 1866, depois de andar pelo mundo em busca de ouro. Montou uma fazenda. Ele plantou laranja, fez criação de animais, vendia madeira retirada da floresta e outras coisas que tinham a ver com agricultura. Neste momento, vou pedir para o motorista ir bem devagar no início da Av. Estrada Stone. Devagar motorista!
– Sabe esta avenida alunos?! O nome dela é Estrada Stone, porque era a estrada que ligava a antiga Vila de Serpa, que era o nome de Itacoatiara antes de se tornar cidade, a casa da Fazenda onde morava o Senhor Stone ficava aqui em cima um pouco mais ali, estamos descendo a avenida Estrada Stone, sabe aqui neste meio onde tem um cano de alvenaria enorme que sai ali no rio, tinha uma ponte forte, por onde passavam as carroças e na medida que a cidade foi se desenvolvendo para cá, colocaram estes canos de alvenaria, aterraram e colocaram concreto para aguentar a força da água e o trânsito de veículos para lá e para cá. Motorista segue pela Avenida Parque para ir direto para o Matadouro Municipal.

2. Avenida Parque
– Alunos este túnel verde de árvores plantadas são os oitizeiros, é uma planta muito usada na jardinagem, mas aqui também temos muitas espécies de samambaias, grandes e pequenas. Este lugar além de ser um espaço de caminhada, abriga muitos passarinhos.
– Professora, quando fui ao banco com meu pai um passarinho fez cocô em mim. Disse Carlos. Neste momento todos riram.
– Ah Carlos, é um lugar tão belo de estar sobretudo, em um dia de sol. O que é um cocozinho? Não é nada! Falou a Professora. Ela continuou.
– Esta avenida foi aberta em 1860. Mas em 25 de abril de 1874 é fundada a cidade de Itacoatiara. A cidade teve um prefeito chamado Isaac Peres no ano de 1928, que foi dar uma volta lá na cidade de Paris na França. E em um dos seus passeios, viu uma avenida muito arborizada chamada Champs Elysées, gostou do que viu e decidiu copiar esta ideia para cá. Por isso, que hoje somos a única cidade do interior do Amazonas que tem uma avenida tão bonita. Esta avenida teve vários nomes, 1º Travessa Amazonas em (1895); 2º Travessa da Liberdade (1896); 3º Avenida Conselheiro Ruy Barbosa (1897); 4º Avenida Plínio Ramos Coelho (1957); 5º Avenida Torquato Tapajós em (1965) e 6º Avenida Parque (1993). Bom Chegamos ao Matadouro Municipal.

3. Matadouro Municipal
– Crianças aqui é o Matadouro Municipal, fundado em 1º de fevereiro de 1920, este prédio foi importante, porque no momento em que a cidade estava crescendo. Foi necessário ter um lugar para tratar das carnes dos animais com mais higiene. Na época, foi mandado vir da Europa uma caldeira a vapor e um tacho de cobre para escaldar as vísceras e as partes dos animais. As vísceras que todos nós conhecemos como bucho, é aquele famoso bucho com feijão gostoso que a mãe de vocês prepara em casa para as refeições. Quero neste momento, que vocês observem os detalhes do prédio.
– Professora! Tem uma cabeça de boi ali. – Falou Estevão apontando para frente do prédio.
– Sim! Respondeu a professora.
– A cabeça do boi está no meio da inscrição Matadouro Municipal, mas gostaria que vocês olhassem para as janelas e as portas, elas são bem grandes para entrar o vento. Olhem os detalhes dos vidros como foram feitos para entrar iluminação. Como já disse, aí dentro está os tachos de cobre vindo do exterior para escaldar as vísceras dos animais. Motorista segue para frente do Cemitério Divino Espírito Santo.
4. Cemitério Municipal Divino Espírito Santo

– Crianças, não se preocupem, não vamos entrar, mas sei que já passaram aqui em frente.
– Professora! A minha avó está enterrada aí. – Falou Maria.
– Sim Maria! Os nossos entes queridos e até nós mesmos, um dia que deixarmos este mundo viremos para cá. Aqui o cemitério é um lugar de respeito. Ele também é considerado um Patrimônio Cultural Arquitetônico, pois aí dentro tem sepulturas que são verdadeiras obras de artes.
Este cemitério teve os seus primeiros enterros em 1910, é considerado o 3º (terceiro) Cemitério Público, o 1º (primeiro) foi onde é a praça da Igreja Matriz, era chamado de cemitério dos índios, o 2º (segundo) cemitério era o São Miguel no ano de 1860, e hoje é onde está localizado a igreja e a Praça de São Francisco de Assis.
– Alunos o senhor Melo Stone, neto de Jazon Williams Stone aquele que era dono da Fazenda Terra Preta, lugar que hoje é o bairro do Jauary, conta que o cortejo fúnebre que trouxe seu avô para ser enterrado neste cemitério, foi feito por um dos primeiros carros de Itacoatiara em 1913, era um da marca Ford T dos Estados Unidos da América.
– Professora! Porque tem um cemitério do lado deste grandão aqui? Perguntou Patrícia.
– Este menor, é o Cemitério dos Judeus, foi aberto em 1919, existem 32 sepulturas. Ele é separado, porque os Judeus não professam a mesma fé em Jesus Cristo, eles estão à espera do messias voltar, se consideram o povo escolhido de Deus. Observem que no cemitério maior tem cruz e neste não tem, mas se olharem mais de perto verão uma estrela de Davi.
– Alguém quer ouvir uma história de alma penada? – Perguntou a professora.
– Eu quero professora! – Todos levantaram a mão.
– Bom, contam os vigias antigos do cemitério Divino Espírito Santo, que depois de um longo dia de trabalho, no período da noite, quando eles trancavam os portões do cemitério para ficar do lado de dentro conversando até o dia amanhecer, lá pelo avançar da noite, de repente surge uma moça loira, no portão e diz. – Moço! Deixa eu entrar. Os vigilantes ficaram assustados. E disseram. – Moça o que está fazendo aqui?! Vá para casa, é tarde. É perigoso uma moça estar sozinha a esta hora na rua. Mas insistentemente a moça pediu para entrar. Foi quando, os vigias deixados levar pelo pedido insistente da mulher a deixaram entrar. E de cabeça baixa, passando perto deles, ela disse. – Eu moro aqui! E andando para o meio do cemitério, por entre as tumbas ela sumiu. Neste momento, os vigias ficaram cabreiros. E a partir de então, não quiseram mais trabalhar no turno da noite por conta deste acontecimento. Algumas pessoas ao saberem deste acontecido, disseram que era porque, a moça teria morrido jovem, e sua família não aceitava sua morte, choravam muito. Por isso, ela não conseguia descansar.
Neste momento alguns alunos disseram que tinham ficado com medo desta história. A professora falou.
– Calma gente! É apenas uma lenda antiga da cidade. Motorista siga para o Mercado Municipal.

5. Mercado Municipal
Chegando em frente ao Mercado Municipal a professora perguntou.
– Quem já veio aqui?
– Eu! – Responderam os alunos.
– Professora! Eu sempre venho com minha mãe comprar carne aqui. Respondeu Duda.
– Ás vezes venho com minha família tomar tacacá no fim da tarde, e a gente aproveita para ver o rio. Disse Manú!
– Alunos, aqui é Mercado Municipal, construído em 1928 de frente para o rio Amazonas, no encontro com as ruas 15 de Novembro e Fileto Pires. Quando a carne do boi é preparada ali no Matadouro Municipal, é para cá que ela vem. Aqui tem 16 salas internas, muito bem divididas. Tem o lugar da venda de carnes, de peixes, galinhas, ovos, de plantas medicinais, mel, óleos de andiroba e copaíba, vende pão, garapa e um lugar para tomar um café pela manhã e o tacacá a tarde. Observem nas portas e janelas como são grandes para circular o ar, como o mercado é iluminado. As telhas como são fixadas na estrutura metálica, são materiais que vieram de outros países.
– Assim, como os materiais do Matadouro que vieram dos outros países, professora? Perguntou o Benedito.
– Isso, Benedito! Vocês estão vendo esta escadaria que fica em frente ao mercado e vai até o rio? Ela é chamada de Escadaria Municipal, foi construída para dar acesso direto ao Mercado, para quem chega nas canoas e nos barcos, para subir com seus produtos. Observem que o mercado, é limpo, arejado e iluminado. Manter sempre limpo é fundamental para saúde da população. Motorista siga descendo a rua Quintino Bocaiúva.

6. Casarão dos Ramos

– Motorista pare um pouco em frente ao Casarão do Ramos. Alunos, aqui é o Casarão do Ramos, têm este nome porque é a família do Português Oscar Ramos que mora aí. Foi construído em 1890, por uma empresa Kanh, Polack & Cia, dos Judeus. Tem sua arquitetura baseada nas casas lá da cidade de Berlim da Alemanha. Servia como hospedagem dos funcionários das empresas donas do prédio e como depósito de materiais de ferro e de borracha e outros produtos que exportavam para outros países.
Observem que é um dos prédios antigos mais altos de Itacoatiara, tem três pisos e um telhado enorme. Olhem para as portas e janelas são muitas.
– Professora! Só na parte da frente contei nove janelas e nove portas, além de duas janelas no terceiro andar. – Comentou Carlos.
– Verdade, são muitas portas e janelas. – Falou a professora.
– Aí funcionou a loja de Oscar Ramos, que antes de vir para cá chamava-se “Canto das Novidades” vendia produtos importados de outros países, como perfumes, roupas e calçados Franceses. Estes produtos vinham pelos navios da Booth Line e da Lamport Coot Line.
Além de tecidos da Inglaterra e comida enlatada dos Estados Unidos. Este comércio também vendia para outros países produtos como cacau, castanha, peles de jacaré e outros produtos.
– Saibam crianças, que a primeira geladeira a querosene veio da Inglaterra para Oscar Ramos. Ele era chique! – Falou a professora.
– Professora, se ele foi a primeira pessoa de Itacoatiara a ter uma geladeira, como eram guardados os alimentos? – Perguntou Estevão.
– Os alimentos como as carnes eram consumidos no dia, as que eram deixados para os dias que se seguiam, eram salgadas ou defumadas deixadas numa vara que ficava atravessada no meio da cozinha, amarrada numa corda. Era deixado uma tampa em cima delas para ratos não comer a carne. Comentou a professora.
– Turma, olhem para praça do relógio que fica aqui do outro lado da rua mais em cima. Esta rua ficou conhecida como rua da rampa, pois esta rua não existia, e só com o passar dos anos que ela foi aterrada, por isso, recebeu este nome.
7. Praça do Relógio

– Crianças, na verdade o nome da Praça do Relógio é um nome popular, mas o nome oficial é Luíza Valério. Foi fundada pelo Prefeito Isaac Peres em 1930. As pessoas chamam de Praça do Relógio porque tinha um relógio público na parte central deste monumento, ele tinha quatro lados, infelizmente sumiu o relógio daqui. Antes de ser uma praça aqui era a casa da família Monassa. Bem aqui do lado deste restaurante Bela Vista, tinha uma rampa que descia até a beira do Rio, no trapiche, era um porto feito de madeira onde os barcos atracavam e descarregavam seus produtos. Vamos seguindo.
8. Conjunto Arquitetônico da Rua Saldanha Marinho
Saindo da praça do Relógio a professora seguiu a pé com os alunos pela Rua Quintino Bocaiúva, dobrando a direita na Rua Cassiano Secundo e entrando na rua Saldanha Marinho.

Alunos aqui estes prédios históricos que vocês estão vendo, era o núcleo econômico e social da Vila de Serpa e depois da cidade de Itacoatiara. Foi construída entre os períodos de 1759 e 1900 mais ou menos. Aqui tivemos a Primeira construção que foi a Casa da Câmara de Serpa, onde se decidiam as coisas da vila; a segunda foi a primeira Delegacia de Polícia; e a terceira foi o primeiro Mercado Público.
– Este prédio bonito chama-se Casa Moyses, foi construído ente1885 – 1890, eram de Judeus. Era uma casa de comércio, onde tratavam de comércio de importação e exportação. Foi uma agência de navegação inglesa Booth Line, Agência do Banco do Brasil e até representante da Cervejaria Antártica que vende o famoso refrigerante.



– Observem tem três estátuas colocadas no alto da extremidade frontal do prédio. Elas são cópias de esculturas romanas simbolizando os príncipes do comércio, da agricultura e da navegação. São duas figuras, uma do lado esquerdo carregando um buquê de flores, outra do lado direito segurando uma marreta e a figura do meio segurando uma sacola de couro. E nas extremidades do prédio tem detalhes de uma ponteira, que são seguidos por balaústres. No século XIX, esta casa comercial, exportava para fora do Brasil, cacau, castanha, borracha, peixe seco, óleo de copaíba e raízes medicinais.
– Professora, que horas vai ser o lanche? Estou com fome! Falou Jorge.
– Eu também, professora! Falaram todos os alunos.
– Vai ser agora turma, vamos lá para praça da Matriz, vamos lanchar lá. Ao lado da Pedra Pintada. Falou a professora.
– Obá! Disseram todos os alunos.
– Mas antes, já que vocês falaram em lanche, vamos falar destes últimos conjuntos de casas aqui. Elas eram apenas um comércio chamado de “Café Internacional”. Aqui serviam café, chocolate, leite, chá da tarde. E bebidas geladas como as gasosas, o que conhecemos hoje como refrigerante e cervejas. A noite os homens aproveitavam para beber e jogar bilhar, o que conhecemos como sinuca. Além de ter gelo a qualquer hora do dia. Lembram que tinham inventado a geladeira a querosene?! Pois aqui também tinha. Vamos crianças atravessar para praça da igreja Matriz.
9. Igreja, Praça da Matriz e a Pedra Pintada
Ao chegar na praça da Igreja Matriz, os alunos correram mais do que de pressa para tocar a Pedra Pintada. Neste momento as professoras pediram calma dos alunos e pediram para todos sentarem ao redor da pedra para apreciá-la. Que o lanche seria distribuído e elas continuariam a contar a história dos Patrimônios que estavam sendo visitados.
– Crianças vocês lembram que ao falar sobre as percepções de Patrimônio Cultural eu falei dos bens naturais?

– Sim professora! Responderam todos os alunos.
– Pois bem! Como eu disse, os bens naturais, são os elementos pertencentes a natureza, como os animais, vegetais e minerais. Então aqui está um belo exemplo de um Patrimônio Cultural, classificado dentro da noção de bens naturais. Apesar de todas as pessoas chamarem ela de pedra, na verdade ela é denominada entre os geólogos que são as pessoas que estudam este material de rocha ou mineral. Entenderam?
– Sim! – Responderam todos.
– Professora! Então posso chamar esta pedra de rocha? –Perguntou Estevão.
– Sim! Respondeu a Professora.
– Lá onde nasci em Itapeaçú, os meus pais me contaram que onome da comunidade recebe este nome porque em nheengatu significa Pedra Grande. Agora, quando voltar nas férias de fim de ano, poderei dizer para todos que na verdade, as pedras que vemos na frente da comunidade naquela laje é um conjunto de rochas. – Falou Estevão.
– Verdade Estevão, parabéns!
– Alunos o nome Pedra Pintada, também vem do nheengatu.
– Professora o que é o nheengatu? – Perguntou Patrícia.
– Nheengatu seria a forma da língua Tupi moderna, que inclusive é falada no município de São Gabriel da Cachoeira no Alto Amazonas. Mas Tupi vem de Tupi Guarani é uma linguagem indígena que foi utilizada como parte da língua geral da comunicação com os indígenas do Brasil. Então, Ita significa pedra, coatiara, pintada ou listrada. É o nome da nossa cidade, Itacoatiara é igual pedra pintada.
– Está pedra, rocha ou mineral é o símbolo maior da cidade de Itacoatiara. Foi considerada como símbolo oficial da nossa cidade, está figurada na bandeira e nos brasões municipais. Foi retirada, lá próximo do porto do nêgo das pedras, onde no período de cheia muitas crianças e adultos arriscam suas vidas pulando n’água. Pelo amor de Deus, crianças não pulem n’água em frente a cidade, é muito perigoso. A correnteza é forte e sem falar nos animais aquáticos como cobras e jacarés que podem puxar vocês para o fundo. Muitos já morreram afogados e outros nunca mais foram achados. Vocês são muito preciosos para mim. Falou a professora.
Neste momento, Estevão pensava nos pedidos que os seus tios fizeram para não pular n’água. E lembrou das histórias que ouviu no porto da cidade sobre crianças que já morreram afogadas, ou de meninos que escaparam da morte, porque ao pular dos barcos para mergulhar, pisaram em cima de bichos escamosos que lembravam cobras ou peixes grandes. Também lembrou da história de um menino, que gostava de brincar na praia do pecado, pulou n’água em um período de cheia. Entrou em um redemoinho que o puxou para baixo entre as pedras. Via que estava tão fundo que a luz do sol desapareceu. Na agonia, teve a ideia de nadar para o lado e não para cima como fazia. E somente assim, conseguiu escapar da morte certa. E nunca mais foi desobediente com seus pais. Depois de pensar nestas coisas, voltou sua atenção para professora e ela continuava a falar.
– As datas grafadas 1744 e 1754 além da figura de uma Cruz e apalavra TROPA nesta rocha, são datas que demarcam a passagem do explorador sertanista Francisco Xavier de Morais pelo sítio Itacoatiara em 1744 e a primeira viagem do governador Mendonça Furtado a caminho do Rio Negro no ano de 1754. A cruz simboliza a presença da Igreja Católica nas Colônias Amazônicas. A palavra Tropa, faz referência aos militares portugueses que acompanhavam o Governador Mendonça Furtado.
– Professora! Este Mendonça Furtado é o patrono da nossa escola? Perguntou Carlos.
– Sim Carlos! – Respondeu a professora.
– Amanhã vamos ao Sitio Itacoatiara.
– Obá! Responderam todos os alunos.
– Continuando, esta é a Igreja Matriz. O nome dela é Igreja Catedral de Nossa Senhora do Rosário, conhecida popularmente como Igreja da Matriz, porque ela foi a primeira igreja da cidade, e no catolicismo a palavra matriz vem de mãe, ou seja, igreja mãe.

– Este lugar onde hoje está a cidade de Itacoatiara, já era conhecido como sítio Itacoatiara, porém a povoação que chegou aqui veio da foz do rio Madeira-Mataurá, foi dada uma missão para um padre suíço chamado Jódoco Perez montar uma aldeia portuguesa, foi quando em 08 de setembro de 1683 foi realizado a primeira missa. Andava com este padre o filho do Cacique Mamorini da tribo dos Iruris.
– Depois da aldeia mudar de vários lugares por ataques de formigas ou de tribos rivais, chegaram aqui no sítio Itacoatiara. Em 1759, foi quando por ordem do governo português, o local passou a se chamar de Vila de Nossa Senhora do Rosário de Serpa, em homenagem a Santa Nossa Senhora do Rosário e a uma cidade de Portugal, cujo o nome é Serpa.
– Vocês querem ouvir o mito da criação da tribo Iruri? Perguntou a professora.
– Sim! Responderam os alunos. Mas Eduarda perguntou:
– Professora, o que é um mito?
– Eduarda, mito é uma forma de explicar o mundo. Ele não é mentira, mas uma forma que as tribos encontravam de explicar de onde vieram, assim como os cristãos acreditam que vieram de Adão e Eva. Explicou a professora.
– Ah sim! – Exclamou a turma.
– Segundo o mito de criação dos índios Iruri, existia uma deusa que desceu do céu. Ela estava grávida e pariu cinco filhos no meio da floresta. O primeiro chamava-se Iruri, o segundo Unicoré, o terceiro Aripuanã, o quarto Torori e o quinto Panapixâna. Um belo dia, depois das crianças terem crescido e já andando pela floresta, pescando e caçando. A deusa, mãe de todas estas crianças, estava comendo um tambaqui moqueado sozinha, não chamou seus filhos. Foi quando todas as crianças flagraram ela comendo sozinha sem terem chamado todos para comer. Ela ficou com tanta vergonha de ter sido flagrada nesta situação, que decidiu voltar para o céu. E nunca mais retornou para terra. Todos os meninos ficaram órfãos de mãe, cresceram na floresta e cada um criou sua tribo com os seus nomes. Então os Iruris seriam a junção destas tribos também.
– Professora, estas tribos são irmãs? – Perguntou Patrícia.
– Sim Patrícia, neste caso, irmãos. Como vimos no mito eles vem da mesma mãe. Explicou a professora. Seguindo:
– Em 1759 quando foi instalada a Vila e a Paróquia, foi rezada uma missa de ação de graças sob a bênção de Nossa Senhora do Rosário, presidida pelo Vigário – Geral da Capitania de São José do Rio Negro, o Padre José Monteiro de Noronha. Era uma igreja de madeira coberta de palha, onde se reuniram os indígenas e alguns homens brancos, que cantavam e rezavam em frente da estátua de Nossa Senhora do Rosário. Vejam que da primeira missa realizada aqui, hoje temos uma igreja imponente.
– No ano de 1775 a Vila de Serpa, tinha as seguintes nações indígenas: índios Abacaxi, Iruri, Sará, Baré, Onicoré, Aponariá, Tururi (Surury), Orupá (tatuagem característico é um risco ao redor da boca), Juma, Juquí, Curuaxiá e Pariquí que vieram descidos do rio Uatumã pouco antes de 1775. Eram representantes de 12 etnias indígenas que conviviam pacificamente na vila.
– Para finalizar o passeio de hoje, vou falar um pouco destapraça.
– Está praça foi se constituindo no decorrer do tempo, a primeira igreja era ali onde está a quadra Herculano de Castro e Costa e aqui era o cemitério indígena. Com o passar do tempo, a igreja veio para cá onde está hoje, o cemitério foi desativado, e levado os restos mortais lá para o cemitério São Miguel Arcanjo onde está hoje a praça da Igreja de São Francisco de Assis.
– Na medida que a Vila foi se desenvolvendo, naturalmente com as festas religiosas a praça foi sendo utilizada pela população, como lugar de festas, encontros amorosos, de passeios e divertimento. O nome desta praça era 13 de maio, em comemoração à assinatura da Lei Aurea, abolição da escravatura do Brasil.
– Professora, a senhora poderia falar de uma festa que tinha aqui? Perguntou Manú.
– Sim, Emanuelle. Aqui eram e são realizadas as festas de Nossa Senhora do Rosário, tinha o maior objetivo de arrecadar doações para reforma e construção da igreja. No período da festa era colocado o “Mastro”. Ele era muito importante, o Mastro consistia em um tronco de madeira de dois ou três metros de altura, enfitado e coberto com frutas, doces e brindes, que era posto no primeiro dia da festa em frente e a igreja e derrubado no último dia. Era derrubado a base de machadadas onde as pessoas mais importantes da festa os que ajudavam a igreja os chamados “noitários da festa” vinham e cada um dava uma machadada até que ele fosse ao chão, e o povo ia pegava o que podiam para si.
– Professora quando é o dia da festa de Nossa Senhora do Rosário? Perguntou Maria.
– No mundo é comemorado no dia 07 de outubro, mais aqui em Itacoatiara realizamos no dia 1º novembro que é o Dia de Todos os Santos, e no dia seguinte já acontece o dia dos finados. – Explicou a professora.
– Está praça continua importante, para os movimentos culturais de Itacoatiara, aqui por exemplo foi realizado o primeiro Festival da Canção de Itacoatiara o FECANI, um festival de música que atrai visitantes e turistas de todos os lugares no mês de setembro. Ali na avenida o povo passou a comemorar também o dia 05 de setembro, que é o dia da Elevação do Amazonas a Categoria de Província e no dia 07 de setembro o dia da Independência do Brasil. É o momento que todas as escolas fazem os desfiles cívicos para comemorar estas datas.

– Crianças, ainda há outra curiosidade sobre a Igreja Catedral. As pessoas antigas da cidade de Itacoatiara, acreditam que debaixo da cidade existe uma enorme “Cobra Grande” e a cabeça dela fica debaixo da igreja de Nossa Senhora do Rosário. A imagem original da “Santa” mantém Cobra Grande adormecida para não destruir a cidade, conta-se que toda vez que a imagem de Nossa Senhora sai na procissão nos dias de festa ocorria um abalo sísmico quase que imperceptível aos olhos dos fiéis, porém só percebível nas paredes da igreja, que rachava debaixo para cima. Por isso, ficavam temerosos em retirar a imagem da santa do altar mor, porém este problema foi resolvido, quando no período de 2003 à 2012, foi feito uma reforma profunda nas fundações da igreja, que evita de aparecer as rachaduras quando a imagem é retirada da igreja.
– Porém, o fenômeno da terra caída continua ano após ano, e sem falar das rachaduras que aparecem em construções da orla da frente da cidade e do porto de embarque e desembarque de cargas localizada um pouco a baixo do centro urbano da cidade, que sofre com a queda de terras de sua fundação. Fica a pergunta. Estes desastres nas construções e prédios da cidade, ocorrem somente pelo fenômeno das terras caídas ou é resultado dos movimentos da cobra grande após os momentos que a santa saí pela procissão nas ruas da cidade?
Neste momento, Estevão pensou nos grandes pedaços de terra que via cair nos beiradões próximo a sua comunidade, e seus avós sempre falavam que eram os movimentos da cobra grande nas beiradas do rio. Ouviu a história de uma comunidade inteira que foi engolida pela terra caída.
– Turma, por hoje terminou nosso passeio. Amanhã continuaremos, vamos visitar o sítio Itaquatiara. – Falou a professora.
Após entrar no ônibus, todos os alunos comentavam animadamente sobre o que tinham visto e ouvido sobre a cidade de Itacoatiara, falavam sem parar sobre o que mais tinham gostado. Estevão fazia uma relação com as coisas que tinha vivenciado no interior, na comunidade onde morava.
Após chegar na casa de seus Tios, Estevão descobriu que não tinha mingau para vender neste dia, pois sua Tia sabia que iriam chegar tarde do passeio escolar. Ele aproveitou para contar tudo que tinha visitado e aprendido para seus tios e primos. E via como seus parentes ficavam empolgados em conhecer a história do bairro do Jauary, da Pedra Pintada, dos Índios Iruri, da Loura do Cemitério e da cobra grande que mora debaixo da cidade. Seguiu noite a dentro contando todas suas histórias.
*O autor é natural de Itacoatiara, vem trabalhando com a temática sobre patrimônio cultural a mais de duas décadas. É formado em Ciências Sociais (UFAM) e Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (PGSCA/UFAM) especialista em Festas Populares e Religiosas da Amazônia. Formado em Direito (ULBRA/Manaus), MBA em Gestão, Licenciamento e Auditoria Ambiental (Anhanguera-Uniderp). É professor Universitário. Publicações em coautoria nos livros “Cultura popular, patrimônio imaterial e cidades” (2007) e “Culturas populares em meio urbano” (2012). Autor dos livros “A Senhora, o Folclore e o Festival” (2022) e “Descobrindo o Patrimônio Cultural de Itacoatiara (2024)”. É Assessor Jurídico e sobre o patrimônio imaterial etno-história da Amazônia para empresas de licenciamento ambiental e arqueológico.
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