A nostalgia, centrada na ausência de um ente querido, machuca o coração da gente, deixa qualquer ser humano emocionalmente abatido. Nos últimos anos perdi diversos amigos, pessoas que os tinha na mais alta consideração e que me queriam muito bem. Foram momentos tristes que me tocaram profundamente.
Lamento informar que na manhã do último domingo, 17/01/2016, em Manaus aconteceu um fato idêntico, que acendeu em mim calorosas recordações. Refiro-me ao óbito do ex-vereador e bravo filho da velha Serpa, o meu amigo José Resk Maklouf.
Velado na Câmara Municipal de Itacoatiara, o corpo do grande desportista e ilustre homem público há pouco foi sepultado no Cemitério Divino Espírito Santo, da mesma cidade. Em razão de força maior não pude comparecer aos funerais, nem expressar pessoalmente as condolências aos familiares do Zeca Resk, sobretudo à sua dedicada, leal e santa esposa Rosimar – que, há quase duas décadas, vinha se comportando como se mãe dele fosse, tal o desvelo para com o outrora homem forte, atlético e cheio de saúde, posteriormente prostrado, ofegante, vivendo em um estágio de vida vegetativa, entregue ao seu próprio destino. Uma luta insana: foram inúmeros dias e noites buscando minorar o sofrimento do marido, livrá-lo da morte. Realmente uma tarefa de extrema dedicação, pautada em gestos de amor. Nessa escalada do bem, Rosimar Barros Maklouf se mostrou corajosa e paciente. Assim que José Resk enfermou gravemente, ela convocou os filhos para, juntos, enfrentarem o problema de frente, com altivez e sem esmorecimentos. Eles sempre alimentaram a fé e a esperança de um dia vê-lo totalmente curado retomando o seu caminho.
Tudo que foi possível fazer foi feito. Mas, em suma, José Resk descansou. Foi dormir o sono dos justos.
Rogo a Deus para que conforte a Rosimar, seus filhos Roseane, Ronaldo José e Rosinaldo e os cinco lindos netos – sem dúvida orgulhos do esposo, pai e avô, funções extraordinariamente executadas em vida pelo grande José Resk. Infelizmente não puderam comemorar os 71 anos que o meu amigo (nascido aos 13/01/1945) completara no leito de morte.
Nesta fotografia, gentilmente cedida pela família, José Resk aparece ladeado pela esposa e filhos.
Em vida, José Resk sempre acreditou no que fazia. Corajoso, inteligente, tinha um amor doentio por Itacoatiara. Enquanto gozou saúde, viveu a vida intensamente. Quando menino era costumeiro nas peladas da Praça da Matriz. Rapazola era assíduo nas rodadas de futebol de salão ou de vôlei e basquete na Quadra do CRI – Centro Recreativo Itacoatiarense. Já amadurecido, enveredou pela política e através dela exerceu várias funções administrativas. Secretário de Esportes na administração Chibly Abrahim, reuniu toda a estudantada das redes estadual e municipal e os integrou aos Jogos Estudantis, premiando os vencedores e a todos estimulando. Foi uma das coisas mais bonitas, à época, uma realização sem precedentes na vida sócio-cultural de Itacoatiara.
Um entusiasta dos esportes, na década de 1970/1980 estimulou a FAF – Federação Amazonense de Futebol para realizar Campeonatos Intermunicipais – reunindo os clubes amadores dos principais municípios do interior amazonense. Graças ao seu empenho, o Náutico, o Brasil, o Luso e o próprio Penarol fizeram ‘bonito’ colocando lá em cima o futebol da nossa cidade.
Bom orador, Zeca Resk sempre empolgou o seu eleitorado. Duas vezes vereador (1977-1983 e 1983-1988), também por duas vezes presidiu a Câmara Municipal (1979-1981 e 1987-1988). Na primeira presidência (1979-1981), face à renúncia em 10/04/1979 do então vice-prefeito Mustafa Milton Amed, por diversas vezes foi alçado interinamente ao cargo de prefeito municipal de Itacoatiara. Candidatou-se em seguida a uma das vagas de membro da Assembleia Legislativa do Estado, mas não logrou ser eleito. Uma pena, porque certamente teria sido um bom deputado, combatente e realizador, melhor do que muitos que existem por aí.
Jogou pelo clube de seu coração – o Penarol Atlético Clube – e na década de 1980 o presidiu. Foi um dos responsáveis pelo ingresso, naquele ano, do “Leão Azul” itacoatiarense no profissionalismo e, desde lá, com ligeiras interrupções, o velho Penarol de guerra tem participado do Campeonato Amazonense de Futebol. Foi bicampeão do Amazonas, de 2010-2011, e é o único time do interior do Estado a obter dois títulos seguidos, desbancando até mesmo os principais clubes da capital amazonense: Nacional, Rio Negro e Fast.
Na política, foi ativo e realizador. Nela, fomos leais e corajosos adversários: ele defendendo a ARENA e eu nas fileiras do MDB. Mas, na vida comum sempre estivemos na mesma trincheira defendendo veementemente, e sem tréguas, Itacoatiara e nossos conterrâneos. Zeca foi um homem de princípios, impetuoso, independente e justo. Certa feita, em 1983, eu liderando a oposição local e ele presidindo à Câmara Municipal (eu narro esse acontecimento em meu livro “Cronografia de Itacoatiara”, 2º volume, páginas 348/350) a Polícia Militar espancou barbaramente os radialistas da Rádio Difusora Antero Serudo e Ruy Castro. O crime causou forte impacto em nossa população; teve lugar no Estádio Floro de Mendonça, durante uma partida entre o Penarol e o Nacional, de Manaus. Fui à Polícia, à Justiça e até acionei o ministro da Justiça. O oficial que autorizou aquela ação covarde e os policiais que a perpetraram, foram punidos. O então vereador Zeca Resk nem ligou para o fato de era um agente do governo: na tribuna da Câmara desancou contra os militares que haviam batido em nossos conterrâneos. Foi duro, contundente em defesa dos nossos amigos. Vitoriosos nessa peleja, embora continuássemos anos afora em trincheiras políticas opostas, nos abraçamos e comemoramos.
De outra feita (embora na mesma década de 1980), estando ele na liderança do Prefeito, na Câmara Municipal, e eu na oposição, certos políticos da terra mancomunados com alguns figurões de Manaus haviam me denunciado ao comando da Ditadura, em Brasília, pedindo para incluir meu nome no rol dos subversivos e, como seria lógico num regime sem as salvaguardas democráticas, impedir o meu direito de ir e vir e até comprometer minha própria existência. Aqueles eram anos duros! Liberdade política não existia! Mas, meu amigo Zeca Resk não se intimidou: foi à tribuna e, num discurso inflamado, forte como era de seu feitio, falou em meu favor, ressaltou minhas possíveis qualidades, disse que eu era um democrata e arrasou contra os infelizes que tramaram a injustiça.
O tempo correu, a vida continuou, mas o destino foi cruel com meu amigo José Resk. Sua morte deixa um enorme vazio e me faz lembrar o sábio Ozete Mamede, hoje com mais de 80 anos. Toda vez que algum amigo do peito morre, ele comenta: “Lá se foi mais um craque do nosso time!”. Sim, José Resk foi um grande craque. Que se foi e deixou saudades!
Meu falecido amigo jamais se afastou de Itacoatiara; nela morou toda a vida. Quando, em meados de 1998, sofreu o primeiro AVC, fui um dos primeiros a ir ao hospital que o recebeu em Manaus. Quando o vi entubado e inconsciente, chorei. O que posso fazer pelos meus amigos em casos que tais, senão chorar, abraçar, confortar, pedir a Deus para que não os levem?
Sempre que ia a Itacoatiara eu o visitava. Maltratava-me vê-lo imobilizado em uma cadeira de rodas e falando com dificuldades. A última vez que nos vimos, ele acabara de ser visitado pelo Nego Cirino, um amigo comum, da nossa geração, e também imobilizado, quase sem fala, vitimado por uma trombose. Ainda naquela ocasião, felizmente conheciam as pessoas, podiam ouvi-las. Ali, revivemos parte do passado – eles mais ouvindo do que falando – e, após, nos despedimos: abraçados e chorando…
Informado, no final do ano passado, de que o Zeca fora internado e estava em estado crítico, fiquei desassossegado, mas não ganhei coragem para visitá-lo. As notícias que me chegavam eram de mal-estar, de fazer doer o coração. Finalmente, ontem, sabedor de que ele se fora, recolhi-me e novamente chorei. Veio-me à cabeça muitas recordações. Vi a terra, o berço, a grande caminhada: dele, de mim, dos nossos amigos de infância e juventude, das paliçadas políticas, de todos da velha Serpa. Vi os quintais por onde corremos; as tribunas onde pelejamos; os muitos locais onde debatemos e discutimos os problemas de nossa terra. Vi-o, no campo do velho Eurico Dutra defendendo as cores de seu time; vi-o, na Câmara Municipal repetindo aquilo que para nós ambos sempre pareceu óbvio: Itacoatiara é a melhor terra do mundo.
Segue em paz, meu amigo José Resk Maklouf. A nós, que aqui ficamos, compete repetir a oração de Casemiro de Abreu: “Eu velara, Senhor, pelos seus dias, / Como a mãe vela o filho que dormiu”.
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