*Mário Adolfo
Novo Aripuanã (AM) – O sabor do chocolate estimula sensores desde as papilas gustativas da língua até o nosso cérebro, dando um prazer muito grande, garantem os endocrinologistas. E nutritivo e pode ser considerado um alimento de qualidade, reforçam os nutricionistas. O que eles talvez não saibam é que a fonte dessa energia, o fruto do cacau, vem sendo colhida em lugares remotos da Amazônia, como na Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do rio Madeira, no coração da maior floresta tropical do mundo.
O que os ribeirinhos do Amazonas não sabem é que o cacau nativo que eles colhem no meio da mata e vendem aos atravessadores está virando chocolate fino na Europa. Isso depois que os comerciantes revendem o cacau para as cooperativas de Belém (PA) e Itacoatiara (AM). São eles que beneficiam as amêndoas dos frutos para enviá-las à Alemanha, onde são ingrediente de chocolates que custam cerca de 3 euros por unidade (mais de R$8).
Até chegar nas prateleiras e na boca dos chocólatras do mundo inteiro, o cacau nativo da Amazônia percorre um longo caminho de esperança e sofrimento, marcado pelo trabalho árduo e sofrimento de uma gente humilde e trabalhadora, explorada pela ganância e astúcia comercial de atravessadores, que compram o cacau a R$ 7,50 o quilo e revendem às cooperativas por R$170. Agora, quando esse cacau chega à Europa, onde é vendido em euros, continua sendo um mistério no Madeira.
Mas por que o cacau da Amazônia é o preferido das indústrias de chocolate da Europa? Por que o aroma, o sabor e a cor diferem do cacau produzido em outras regiões, como na Bahia, por exemplo? Descoberto pelos Maias e Astecas, o cacaueiro é originário de regiões de floresta pluviais da América Tropical, onde até hoje é encontrado em estado silvestre.
Tentando ser mais preciso, botânicos apostam que o cacau é Originário das cabeceiras do rio Amazonas. E quem já provou sua amêndoa pura, sem nenhum beneficiamento, vai perceber claramente a diferença no amargor e no intenso sabor de chocolate.
Diretores da Hachez, centenária fábrica alemã de chocolate, por exemplo, provaram o cacau nativo da Floresta Amazônica e ficaram impressionados. “É o genuíno, pelo seu sabor primitivo e selvagem! ”, deduziram. Isso revolucionou os conceitos da empresa, que passou a comprar a produção do rio Purus desde 2005, considerada genuína pelo seu sabor primitivo, ou, como eles dizem, selvagem. Além de que passou a investir para que os ribeirinhos aumentassem a sua produção. Hoje, as barras feitas com cacau nativo (Wild Cocoa) são vendidas só na Alemanha.
À exceção da comercialização, já que não é este seu objetivo, é mais ou menos isso, em termos de apoio técnico e logístico, o que a Fundação Amazonas Sustentável (FAS) vem fazendo nas RDSs do rio Madeira, onde, aproximadamente, 40 famílias vêm produzindo – dependendo do clima – até 100 toneladas de cacau.
Para acompanhar o processo de colheita, secagem e comercialização – e até a ousadia de uma pequena fábrica que começou a fabricar chocolate e produtos derivados do seu próprio cacau -, repórteres do EM TEMPO percorreram seis Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDSs) do Madeira, guiados por Maurício Felipe, assistente de mobilização da FAS, que-conhece os mistérios do rio, e pilota a voadeira com maestria. Durante cinco dia os jornalistas entraram na floresta para colher, junto com os ribeirinhos, o fruto do cacau nativo, dormiram nas reservas, se alimentaram de peixes pescados do Madeira, acompanharam o processo de quebra da casca, secagem e até da fabricação de produtos do cacau, acompanharam passo a passo essa sofrida e ao mesmo tempo “fascinante” aventura. Descobrindo que, no rio Madeira, Cacau é ouro!
Quem não sabe lidar com o cacau acaba apanhando
Do plantio até a colheita, leva-se, em média, de 3 a 4 anos. É nesse período que muita coisa pode acontecer. Enchentes, chuvas em excesso, sol causticante, a praga da vassoura de bruxa e até mesmo ataques de papagaios, que, aos milhares, invadem as reservas de cacaueiros e devoram os frutos. O sucesso do cultivo depende da proteção contra os ventos e de um bom sombreamento, fornecido ora por bananeiras, ora por árvores de porte superior ao do cacaueiro.
O ribeirinho Waldenor Queiroz Pinto sabe disso e apressa a colheita. O período ideal para que o trabalho seja feito é de janeiro a abril, quando ele trabalha de 6h às 17h, com um intervalo de alguns minutos para o almoço.
– Depois do fabrico, começa a poda, que deve ser concluída até o final de junho. Quem não souber desses pequenos detalhes, para sobreviver do cacau, vai acabar apanhando -, diz Waldenor. Depois da secagem, o cacau é ensacado e levado para a beira do rio, para esperar o barco dos compradores, que vão parando de comunidade em comunidade, recolhendo toda a produção das ROSs do rio Madeira.
*Jornalista amazonense. Texto publicado no Caderno Especial do Jornal Amazonas Em Tempo, de 29/05/2019.
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Uma resposta
Mario Adolfo Não é a toa que vc tem 2 prêmios esse de jornalismo. Parabéns!