Manaus, 18 de junho de 2025

Atravessamos o rubicão

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Não quero ser considerado um arauto do pessimismo, mas creio que todos concordam que a situação de nossa cidade não é nada brilhante.

Atravessamos o nosso Rubicão, e, ao contrário de Júlio César, a nossa frase seria “Vim, Vi e Perdi”. A situação de Manaus é tão desesperadora, veste tão completamente o figurino das estruturas urbanas que entraram em colapso, que o diagnóstico proposto por estudiosos como Mike Savis, em “Planet of Slums”

(Planeta das Favelas), Tarik Ali, Susan Watkins, Perry Anderson, Anaya Roy parece confirmar. Outro cientista, Jeremy Seabrook com o seminal estudo “In lhe Cities of the South”,analisando situação da África, explica também a nossa tragédia. As descrições de cada um deles, página a página, parecem descrever a agonia de Manaus, a outrora cidade sorriso.

No estudo de Jererry Seabrook salta um retrato assustador da marcha insensata das cidades do hemisfério sul, especialmente nas cidades africanas de Nairóbi e Mombaça, núcleos tradicionais e históricos da cultura africana, que passaram de joias arquitetônicas e urbanas que mesclavam a herança do colonialismo inglês com os aprazíveis bairros de arquitetura africana para as favelas imundas da periferia. Nairóbi era um exemplo de acolhedor espaço urbano, de proporções humanas, revelando uma orgânica transição das sociedades tribais para o novo espaço trazido pelos urbanistas ingleses. Embora as relações entre colonizadores e colonizados fossem normalmente tensas, e as práticas inglesas claramente segregacionistas, a evolução da cidade até os anos 60 foi sem traumas. As imagens e a descrição dos visitantes revelam a proporção humana da paisagem citadina, a organização administrativa eficiente e a presença das novas

funções sociais (saúde, segurança, etc.) razoavelmente distribuídas entre os habitantes, independente de classe ou etnia. A enorme distância entre as sociedades tribais abrangentes e a intromissão colonialista era relativizada pela estrutura urbana de Nairóbi.

Lendo o livro de Seabrook fui o tempo todo assaltado por um déjàvu, algo tão similar com o processo de Manaus. Tal qual Manaus, Nairobi havia sido construída numa área de natureza tropical e num território de

sociedades tribais. Ambas as cidades, como todas as cidades das Américas, eram invenções do colonialismo europeu. Mas as transições da cada uma de entreposto militar e comercial a cidade europeizada, se deu com planejamento e execução de administradores que sabiam o que era uma cidade, estavam acostumados a viver em cidades. Outro aspecto foi a celeridade com que os dois centro urbanos, Nairóbi e Manaus, se consolidaram com racionalidade urbana sem se transformarem em reinvenção indigente dos povoados medievais.

Lembro aqui do cientista Henry Bates, que viveu uma década da região amazônica, especialmente no Rio Negro. Quando chegou a Manaus, ~ cidade era uma aldeia de ruas de barro, com poucas construções de alvenaria. Ao regressar quase dez anos depois, deparou-se com um centro urbano em processo de sofisticação, com edifícios sólidos, arruamento racional e oferta de serviços básicos que configuravam

um espaço urbano civilizado. Henry Bates escreve suas impressões sobre tanta mudança que nos envaidece como amazonense, mas também nos faz perguntar qual a diferença qualitativa entre os administradores de então, que com celeridade construíram uma cidade sedutora, num modelo econômico vertiginoso como foi o do látex, e os administradores do também vertiginoso modelo da Zona Franca? Não creio que seja difícil responder. Os gestores dos 1900 tinham elevada formação, traziam o know-how para empreender com sucesso a tarefa. Os gestores do modelo Zona Franca eram nostálgicos do passado e só podiam replicar seu próprio atraso e educação precária. A porteira da favelização estava aberta. E Manaus sucumbiu.

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