Evento histórico acontecido em 24/08/1932 e, portanto, completará 83 anos no próximo dia 24 do mês corrente.
Foi a única batalha naval ocorrida, na América do Sul, no século XX, até a Guerra das Malvinas, estando vinculada à Revolução Reconstitucionalista de 1932, iniciada em São Paulo.
A notícia de que os setenta homens do 4º Grupo de Artilharia de Costa, sediado na fortaleza de Óbidos, se haviam rebelado, apoiando aquele movimento, chegara a Manaus, a 19 de agosto de 1932. O general Bertoldo Klinger, chefe nacional da rebelião, comissionara o advogado baiano Alderico Pompo de Oliveira, que vivera em Manaus, sendo pessoa freqüentadora do Ponto Chic, da Leitaria Amazonas e do Bar Americano, no posto de coronel, para comandá-la. Os rebeldes haviam remetido um ultimato ao 27º Batalhão de Caçadores, solicitando a sua adesão, caso contrário atacariam Manaus.
Estando ausente o interventor tenente Rogério Coimbra (5/8/1931 a 10/10/1932), assumira interinamente o secretário geral Waldemar Pedrosa (14/8 a 10/10/1932), que, com o comandante do 27ºBC e o Capitão dos Portos, tomaram as providências para a defesa da cidade, requisitando lanchas, estabelecendo a prontidão nos quartéis, policiando os prédios públicos e as ruas, e apagando as luzes da orla fluvial.
Temia-se que os rebeldes tomassem diversos navios navegando pelo Baixo Amazonas, entre os quais destacavam-se os seguintes:
- a) Ingá, ex Etrúria, pertencente ao Lloyd Brasileiro, com 4431 toneladas, construído em 1900, e tomado aos alemães durante a Primeira Grande Guerra.
- b) Baependi, ex-Tijuca, também do Lloyd e apresado aos alemães, com mais de 4000 toneladas.
- c) Jaguaribe, da Companhia de Comércio e Navegação, velho cargueiro de 1120 toneladas, construído na Inglaterra, em 1882, trazendo um carregamento de 42000 sacos de sal e 100 barris de pólvora, para Manaus.
- d) Andirá II, da Amazon River, de apenas 235 toneladas, construído na Inglaterra, em 1906.
No dia seguinte, 20 de agosto, soube-se que o Ingá estava retornando de Parintins, o Baependi voltara de Itacoatiara, já estando ancorado em Manaus, e os vapores Tejo e Sapucaia haviam regressado de Santarém. Desconhecia-se porém os destinos dos navios Jaguaribe, que saíra de Santarém para Óbidos, a 17; do Andirá, saído de Parintins a 18, e da lancha Diana, embora todos os três já estivessem nas mãos dos rebeldes, desde o dia 19.
Ainda no dia 20, as dezesseis horas, foram despachados, a bordo do Baependi, 100 homens do 27ºBC, para formarem um ponto de resistência, em Itacoatiara, sob as ordens do tenente Alvaro Francisco de Souza, e no domingo, 21 de agosto, a bordo do navio Rio Curuçá, 50 guardas civis e 30 praças da Comissão de Limites, para guarnecerem Parintins, sob as ordens do capitão Jônatas de Moraes Corrêa, sendo o barco comandado pelo capitão-tenente Antonio Pojucan Cavalcante.
Em Manaus, também ocorrera uma rebelião de sargentos, estando presos João Neves, Sandoval Amorim, Geminauá Medeiros e Nilo Barroso.
A 21 de agosto, o Ingá retornava a Manaus com as notícias do apresamento das três embarcações citadas, e da tomada de Parintins, por 16 homens do civil Arquimedes Lalor, comissionado no posto de capitão, embarcados na lancha Diana. Durante o ataque, os tripulantes dessa embarcação cortaram as amarras e fugiram para Itacoatiara, trazendo novas notícias sobre o saque e a captura daquela cidade. Lalor tornara-se uma figura conhecida, em Manaus, após a sua volta dos Estados Unidos, onde fora comediante, em Hollywood.
Os rebeldes saíram de Óbidos, com destino a Manaus, a 21 de agosto, a bordo do Jaguaribe, artilhado com 4 canhões de 75mm, pertencentes à fortaleza, e do Andirá, comandado pelo 2º tenente Zoroastro Seroa Maia , tendo 21 homens armados de fuzis.
No caminho embarcaram lenha, no porto Desaperta, onde recrutaram alguns cabocos que estavam pescando, nas margens. O Jaguaribe estacionou na ilha das Ciganas, enquanto o Andirá, com as lanchas Remus e Santa Cruz, foram buscar o 2º tenente Sotero José Pereira, Arquimedes Lalor e seus 16 homens, que estavam em Parintins, após a fuga da lancha Diana, tendo ali recrutado mais 6 homens.
Realizada esta ação, foram-se reunir ao Jaguaribe, partindo para a fazenda Santo Agostinho, onde tomaram dois bois e deixaram o imediato do Jaguaribe, com sua esposa. A seguir, fundearam nas ilhas Rasas, indo o Andirá ao porto de São Raimundo, a procura de lenha, onde carregou até 24 de agosto.
Enquanto a frota rebelde assim se movimentava, o Baependi deixara as tropas, em Itacoatiara, retornando a Manaus, e o Rio Curuçá fizera o mesmo, diante da notícia da ocupação de Parintins.
As forças legais organizaram-se em uma flotilha, que saiu de Manaus, a 22 de agosto, com a finalidade de enfrentar os rebeldes, sob o comando do capitão de fragata Alberto de Lemos Bastos, formada pelos navios Baependi, do capitão de corveta Alfredo Miranda Rodrigues, Ingá, do capitão tenente Jorge Ferreira Landim, Rio Curuçá, do capitão tenente Antonio Pojucan Cavalcante, e pelos barcos auxiliares Rio Jamari, Rio Aripuanã e Isis. A bordo desses navios estavam 230 homens do 27º BC. O Ingá possuía 122 soldados e as metralhadoras pesadas do 2º tenente Ananias Celestino de Almeida Junior. As defesas de Manaus ficaram sob as ordens major Luis Tavares Guerreiro.
As 6 horas da manhã de 24 de agosto, a flotilha rebelde navegando ao longo da praia da ilha de Serpa, avistou o Baependi e o Rio Jamari, que vinham de Itacoatiara. O Jaguaribe deu um tiro de festim e, em seguida, lançou uma granada, que passou pela proa do Baependi, tendo os dois navios fugido do combate, para encontrar-se com o restante da frota, no paraná da Trindade, onde ficaram aguardando a evolução dos acontecimentos..
As 10 horas da manhã, a frota rebelde estacionou em frente de Itacoatiara, iniciando as negociações, para a entrega da praça. Ao Jaguaribe foi ter o padre Joaquim Pereira, vigário da cidade, tentando evitar o bombardeio, tendo regressado na lancha Remus. Também foi a bordo o prefeito Gonzaga Pinheiro, e após as negociações, a tropa de terra resolveu resistir, pedindo duas horas para evacuar a cidade.
Os rebeldes resolveram aguardar e, terminada a trégua, iniciariam o bombardeio.
O prazo já estava expirando e o Jaguaribe preparava os seus quatro canhões de 75mm, quando começaram a surgir os navios legais, iniciando-se, ao meio dia, a famosa Batalha Naval de Itacoatiara.
Apesar do trovejar dos canhões do Jaguaribe, o Ingá aproou contra ele, atingindo-o pelo meio, abrindo-lhe um grande rombo, por onde penetraram rapidamente as águas do rio Amazonas, levando-o a pique, em poucos minutos.
Quase ao mesmo tempo o Baependi avançou contra o Andirá, com a sua tropa atirando. O capitão James Lemos, da Amazon River, tentou hastear uma improvisada bandeira branca, com o seu dolman, mas foi atingido em um olho, por uma bala de fuzil. O Baependi chocou-se contra o portaló do Andirá, arrombando-o, e o gaiola foi ao fundo.
A batalha naval durara apenas uns quarenta minutos, não participando dela o Rio Curuçá, que estava patrulhando o Madeira.
Todas as lanchas do porto de Itacoatiara acorreram a local do combate, para o salvamento dos náufragos, o que concorreu para diminuir o número de mortos, até hoje indefinido. Para isto concorreram o intenso tiroteio, a largura e a correnteza do rio Amazonas, em frente a Itacoatiara, além de não se saber o número exato dos rebelados, pois muitos foram recrutados a força, pelas margens.
Soube-se da existência de grande quantidade de cadáveres, levados rio abaixo, recolhidos pelos ribeirinhos, não computados nas cifras oficiais, além do mistério que pairou sobre o assunto.
Com o Andirá desapareceram um foguista, o escrivão, um marinheiro, dois taifeiros, dois moços de convés, e 16 rebeldes dos 25 embarcados, totalizando 23 baixas. No Jaguaribe morreram um foguista, um marinheiro, Arquimedes Lalor e a maior parte dos 40 rebelados. A lancha Diana trouxe 7 feridos, para Manaus, e o Baependi alguns prisioneiros, logo recolhidos à Penitenciária.
Enquanto isto acontecia, a 8ª Região Militar remetia, para Óbidos, os navios Tenente Portela, com 300 homens, e o cruzador Floriano Peixoto, de 3000 toneladas, encontrando a cidade abandonada e saqueada. O cruzador veio até Manaus, aqui chegando, a 27 de agosto.
Não fosse a existência dos dois grandes navios do Lloyd, em águas amazonenses, Manaus talvez tivesse sido bombardeada e tomada, pois aqui não existiam artilharia, nem navios de guerra, revelando sua alta vulnerabilidade, o que ainda ocorria até bem pouco tempo. Havia a necessidade de navios da Marinha aqui estacionados, pois todos os países limítrofes eram possuidores deles, dentro da Amazônia.
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7 respostas
Moro em Itacoatiara desde 1993 e já tinha escutado pela cidade a história dessa batalha, más nunca tinha lido esse fato importante e fiquei maravilhado com a clareza contada pelo autor. Parabéns.
Sobre a Batalha Naval de Itacoatiara,existem fatos que me intrigam muito dentre eles,o fato dos rebeldes pararem em Itacoatiara,porque? porque não passaram direto para Manaus? pra mim essa História tá mal contada,existia alguma coisa em Itacoatiara que chamou a atenção dos rebeldes.O que foi espero um dia descobrir.
Agora atualizando um pouco o assunto existe outro fato intrigante sobre a minha Itacoatiara,são as pessoas que vem de barco pelo rio amazonas ou até mesmo pelo madeira que ficam em Itacoatiara e depois é seguem por estradas para Manaus, Boa Vista ou qualquer outro lugar.
É incrível por não vão logo direto pra Manaus? tá bem pertinho.Parece que pra quem vem de fora enquanto não chega a Itacoatiara parece que ainda não chegou no Amazonas.
Que me perdoe outros amazonenses,mas a minha Itacoatiara tem uma atração que encanta todo peregrino viajante.Itacoatiara é o Portal da Amazônia.
Prezadíssimos Márcio e Pedro:
Muito feliz por haverem acessado este blog e, ainda mais satisfeito, por seus comentários. Continuem acessando – isso muito me orgulha – e contem sempre que precisarem de alguma informação sobre a Amazônia e, em especial, de nossa Itacoatiara. Fraternal abraço do Francisco Gomes
O autor está equivocado quando começa com a frase : ” Única batalha da América do Sul no século XX até a Guerra das Malvinas”
Na primeira Guerra Mundial houveram as batalhas de : Coronel na costa do Chile em 1914 onde a esquadra britânica de Sir Cristopher Cradock foi aniquilada pela frota alemã. Batalha da Ilhas Falkland dezembro de 1914 onde os cruzadores alemães do almirante Graf von Spee Scharnhost e Gneisenau foram afundados pelos britânicos. Batalha da Ilha de Trindade Cruzador auxiliar britânico Carmânia contra o cruzador aux. alemão Cap. Tralfagar em setembro de 1914. Perseguição e afundamento do cruzador alemão Dresden no Chile em 1915 .
Na Segunda Guerra : Batalha do Rio da Prata em dezembro de 1939 ,couraçado alemão de bolso Graff Spee contra esquadra britânica ,composta por cruzadores Exeter,Achiles e Ajax. Sem contar vários afundamentos de submarinos alemães por contra-torpedeiros norte-americanos entre 1943-1944 na costa brasileira.
“…estando vinculada à Revolução Reconstitucionalista de 1932, iniciada em São Paulo.”
Meu falecido Pai, de ilustre memória amazonense, Pericles de Toledo, o Pery, viu esta batalha de perto e quase embarcou com o Padre Joaquim Pereira para conferenciar com os Rebeldes. Mais tarde encontrou no Rio de Janeiro outro que acompanhou toda essa história na cidade de Óbidos, o já falecido Major Lúcio Bentes. ambos discutiam muito à respeito dos fatos. Lembrei disto ao visitar o IHGB daqui do RJ.
Parabéns pelo excelente trabalho, narra com exatidão os fatos. Eu já havia lido sobre esse episódio na obra OS DIAS RECURVOS – Anatomia de uma Rebelião, de Idelfonso Guimarães, excelente narrativa, porém, 90% dos relatos são sobre os fatos ocorridos em Óbidos-PA. Vale a pena ler. Também já estive em Óbidos, tendo visita a Fortaleza (alias, são duas fortalezas em Óbidos, uma mais antiga, do tempo do Brasil colônia, a outra mais moderna, localizada fora da cidade na serra da escama, posição estratégica e privilegiada).