II
Por que as empresas instaladas em Manaus, dentro de um modelo de desenvolvimento, baseado em renúncia fiscal – que contribui, entre outros acertos e benefícios, com a metade dos impostos federais de toda a Região Norte – não precificaram até hoje os benefícios que cada uma delas produz para a proteção da floresta? Esta pergunta tem sido colocada nos em todos os debates ocorridos sobre a ZFM, sob a coordenação do CIEAM, Centro da Indústria do Estado do Amazonas, com as entidades que compõem a Ação Empresarial, Governo do Estado e Suframa.
Prestação de contas
Precisamos avançar na prestação de contas ao Brasil, os avanços e resultados da contrapartida fiscal que o país utiliza na ZFM para reduzir as desigualdades históricas regionais. Recorrendo aos estudos do economista Denis Minev, frutos de suas aulas e palestras, podemos recordar que a Amazônia é, em geral, reconhecida por três serviços ambientais: biodiversidade, água e carbono. O cálculo mais simples é ligado ao carbono, o grande violão das mudanças climáticas. O Estado do Amazonas tem 157 milhões de hectares dos quais apenas 2% foi historicamente removido. A taxa atual de desmatamento é de 0,03% ao ano (versus uma taxa anual no restante da Amazônia de 0,2% ao ano).
Amazonas, sumidouro de carbono
Pois bem, economia do modelo ZFM está diretamente ligada a isso, posto que recolhe os impostos e produz riqueza suficiente para evitar a depredação da floresta como fator de sobrevivência do tecido social. Numa aritmética de mercado – o carbono é moeda em várias bolsas do planeta – cabe lembrar a métrica envolvida. Cada hectare de floresta tem em média 167,7 toneladas de carbono, o que corresponde a 614 toneladas de CO2-equivalente (a medida global para o mercado de carbono). O Amazonas inteiro, portanto detém 96,4 bilhões de toneladas de CO2equivalente. Apenas para comparação, o total de emissões de CO2equivalente globais em 2015 foi de 36 bilhões de toneladas; ou seja, o Amazonas sozinho armazena o equivalente a quase 3 anos de emissões de carbono do mundo inteiro.
Indústria, harmonia e floresta
Na apresentação dos estudos sobre os “Instrumentos econômicos para a proteção da Amazônia: a experiência do Pólo Industrial de Manaus”, um trabalho – sob a coordenação de Alexandre Rivas e José Alberto Machado – que demonstrou, na pesquisa de diversos cientistas, a relação direta entre o modelo ZFM e a proteção da biodiversidade, Minev lembrou que o Estado do Pará tinha, em 2008, a metade da renda per capta do Amazonas, anotando que ali se ergueu a sede histórica do Grão-Pará, onde a Coroa Portuguesa idealizou e iniciou a instalação de um modelo arrojado de desenvolvimento.
Instrumentos de conservação ambiental
O Amazonas tem uma área total desmatada de 2% do território, contra mais de 20% em nosso vizinho. Engana-se quem pensa que é porque os amazonenses têm melhor coração ou maior amor à floresta que os paraenses. Trata-se, rigorosamente, de uma questão de modelo de desenvolvimento e volume de renda. As indústrias ocupam pouco espaço enquanto que agricultura, pecuária, mineração e madeireiras, as principais atividades econômicas em nosso vizinho, ocupam vastas áreas com grande impacto ambiental. Além disso, o nível de renda diferenciado tem permitido ao Amazonas construir uma política e instituições que reforçam a conservação ambiental.
Alternativas de desenvolvimento sustentável
Quando visitados por grandes pecuaristas ou agricultores, podemos recomendar modelos de desenvolvimento alternativos, como reposição florestal, como se deu com o projeto da Agropecuária Aruanã em Itacoatiara, ou a adoção de outras opções mais adequadas aos padrões aqui priorizados, como o modelo Lavoura-Pecuária-Floresta, modalidades com mais segurança no empreender na priorização de áreas de floresta nativa. O Amazonas se posiciona neste enfoque de sustentabilidade é maior distribuição de renda, graças ao modelo Zona Franca de Manaus. Lembremo-nos que a renda per capita amazonense não figura dentre as mais altas do País, apenas próxima à média nacional, portanto não há privilégios nem exageros, apenas muita determinação de empreender e de acertar.
Cenários sombrios
Entretanto, num cenário de um Amazonas, sem uma base econômica como a Zona Franca, adotando o parâmetro médio do restante da Amazônia, o volume de carbono emitido, anualmente, aumentaria em 163,8 milhões de toneladas. Se considerarmos um preço médio do carbono em US$ 10, por tonelada (conservador para o mercado de Kyoto enquanto funcionava e discreto a partir do novo Acordo Climático, o valor seria de US$ 1,64 bilhão, ou aproximadamente R$ 6 bilhões. Considerando que a Amazônia tem em média 17% de sua área desmatada e o Amazonas apenas 2%, essa diferença acumulada de 15%, em valor de carbono apenas, poderia representar o acesso anual a US$ 145 bilhões.
ZFM x Desmatamento
Por fim, aos que costumam mencionar que o Amazonas é mais isolado que a média do restante da Amazônia e, portanto, não sofreia tanto desmatamento mesmo que não houvesse a Zona Franca, é importante lembrar que de Manaus a Brasília (1.932km) a distância é menor do que de Belém a Brasília (2.120km). O Amazonas não é mais isolado nem mais remoto. Amazonenses também não necessariamente tem mais amor à floresta. Eles simplesmente têm melhores opções que nossos vizinhos para não desmatar, graças aos acertos do modelo Zona Franca de Manaus. Voltaremos.
III
Continuamos a demonstrar nossa tese da bússola torta utilizada pelo Brasil em sua busca de rumo. Os fatos, devidamente embasados nos estudos de Denis Minev, PhD em Economia por Stanford, confirmam sob vários ângulos que este país tem atuado sem se dar conta da importância do Norte. Desde os Viajantes Europeus do Século XVIII, e as missões do Governo norte-americano para forçar a Abertura da Navegação Internacional pelo Rio Amazonas no Século XIX, o mundo botou reparo nas riquezas naturais desta região. E se deu conta de que era preciso integrá-la na dinâmica do mercado internacional. Só o Brasil não percebeu disso. Ou se deu conta de que não tinha projeto ou talento para administrar a empreitada. E passou a criar mitos e crenças para disfarçar sua incapacidade gerencial.
A Amazônia é nossa?
Um desses mitos é de que a Amazônia é nossa. Outra é de que os militares são os verdadeiros guardiões da Floresta. A Amazônia não nos pertence na medida em que a Lei em vigor proíbe os amazônidas a usá-la em benefício próprio. A nova Lei de acesso à biodiversidade, que vai completar 5 anos, vai exigir que todas as instituições de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, os fabricantes de produtos e os produtores ou pesquisadores que exploram, respectivamente, produto acabado ou material reprodutivo, desenvolvido a partir de patrimônio genético tomem precauções para seguir o que diz a Lei a respeito do registro deste material e da remessa para o exterior. Na prática, isso significa a sofisticação do não-acesso, a complicação e entraves da Bioeconomia e um formato eficaz para aumentar as receitas tributárias do proibicionismo. A biopirataria ainda é o caminho torto mais usado.
Guardiões como, Cara-Pálida?
Os militares que aqui atuam bem que gostariam de ser os guardiões da Floresta. Mas não tem os instrumentos e recursos necessários para tanto. Este brado ressoa, historicamente, com os gestores do Comando Militar da Amazônia, tanto Ocidental como Oriental, tomando chá de cadeira nos gabinetes confortáveis de Brasília, muito distintos dos batalhões de fronteira na Amazônia, onde atuam com 7% do Contingente fardado na mais desconfortável penúria. As fardas são as mesmas, nas três Forças, mas reluzem mais na orla maravilhosa da cidade do Rio de Janeiro, Urca e Praia Vermelha, onde se concentram a absoluta maioria dos militares, das despesas e o grosso do orçamento da instituição. Como proteger e ajudar a orientar a exploração com orçamento minguado e um contingente humano depauperado para o tamanho da encrenca, 2/3 do território nacional.
Projetos e penúrias
O general Guilherme Theóphilo, que dirigiu o Comando Militar da Amazônia até 2016, e contabilizou 8 atuação em várias frentes de comando, levou na bagagem a densidade de seus projetos e deixa na lembrança frustrada a escassez dos necessários recursos para sua materialização. Basta folhear os indicadores do Ministério da Defesa para aferir que as Forças Armadas do país sub-investem na Amazônia desde a independência do Brasil. De um contingente de 327 mil servidores das três Forças Armadas, em 2015, a Amazônia (Comando Militar da Amazônia em Manaus e Comando Militar do Norte em Belém) tem 22 mil, ou seja, menos de 7%.
É mais negócio entregar do que integrar
Curiosamente não é possível separar os orçamentos, mas considerando-se que não há grandes instituições militares de ensino ou pesquisa na região, é provável que também menos de 7% dos orçamentos sejam aqui gastos. Ora, o que fazem tantos militares no Sudeste enquanto falta contingente e investimentos numa área em que todo o planeta tem olhar e cobiça permanente? Não é necessário ser um estudioso de assuntos militares ou de defesa para entender que, num país continental como o Brasil, ter menos de 7% dos seus investimentos em uma região que é reconhecidamente a mais delicada de soberania nacional e que cobre mais da metade do território e tem 54% das fronteiras (mesmo contando a fronteira com o oceano Atlântico) não é boa política pública ou militar.
A quem compete a gestão da Amazônia?
Em 2015 o orçamento de defesa do Brasil foi de R$ 80 bilhões. Se repartíssemos corretamente por área, a Amazônia receberia R$ 28 bilhões a mais (que os R$ 56 bilhões atualmente estimados). O Amazonas receberia R$ 13 bilhões a mais, o que aumentaria o PIB estadual em quase 20%. Considerando que a indústria amazonense contribui cerca de 35 a 40% do PIB estadual, o justo investimento militar na região seria suficiente para cobrir metade da Zona Franca. É claro que para isso, os militares teriam de deixar o glamour da Cidade Maravilhosa. Esta talvez seja uma briga política até mais dura do que defender a Zona Franca, a quem o presidente da República deu recentemente a tarefa de defender a soberania Amazônia. Voltaremos.
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