Manaus, 18 de setembro de 2024

A Cidade de Manaus – Sua história e seus motins políticos

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*Bertino de Miranda

IV

Predomínio de Serpa. Período Constitucional Português – Seus antecedentes no Pará. Patroni Juramento da Constituição Portuguesa em Serpa e Manáos.

Extinto o predomínio de Barcellos, segue-se lhe, como se vai ver, o de Serpa. Aí irão a miúdos Moradores da Barra, vencendo uma viagem incomoda, requerer licença para abrir casas de negócio, para pescar nas praias, para colher as drogas e os frutos, para legalizar, enfim, a posse de suas terras. Em Manáos a Câmara possui um representante, o Juiz de Julgados, eleito anualmente. Seu ofício é informar todas as ocorrências, exercer a polícia urbana e suburbana, e dar parecer sobre as Cartas de Datas. Em alguns casos, e quando a parte é desafeta dos Vereadores, tem de falar á Residência dos funcionários. Em Manáos assistem o Ouvidor e o Comandante Militar.

Como se opera esse deslocamento político, do curso médio do rio á margem do Amazonas? Pela mesma razão que no século XVIII Barcellos pretere o Javary no assento da Capitania, visto ser o núcleo mais antigo e mais povoado. Nos começos do século XIX é o contrário. As localidades mais florescentes são as do Baixo Amazonas, Silves e Serpa; no Madeira, Borba, e no Solimões, Ega e S. Paulo de Olivença. Barcellos e outras vilas do Rio Negro caem em desgraça. Embora um tanto tarde, compreendem que se tem de recuar mais á confluência do curso principal. Daqui se domina melhor; ficam mais perto o Purus e o Juruá. Pela margem do Amazonas se alcança mais rapidamente o Madeira. É mais fácil comunicar com o Pará.

Sob o regime constitucional português continuam as condições subalternas de Manáos. A Capitania é englobada na nova Provincia do Pará e Rio Negro, e esse englobo pressagia a perda irreparável que lhe virá do Império. No Pará não existe, porém, nenhum desejo de absorção. Todos os movimentos precursores tendem sempre a um fim mais elevado. Neles, o testemunho mais sinóptico é Baena, que não inspira muita confiança. Em todo o caso, é o melhor.

Seu estilo arrevesado e seu devotamento á causa lusitana afeiam e truncam os factos e desfiguram propositalmente os personagens. Raiol é mais imparcial; seus documentos fazem obra por si, o que não deixa de ser prova de imparcialidade; mas empilhados uns nos outros, raras vezes atraem ou proporcionam uma leitura proveitosa. Não criam um tipo, nem o ilustre historiógrafo paraense mostrou jamais ter preferência por esta ou por aquela figura de seus livros.

O tipo clássico, o eixo central desses primeiros sucessos, é Patroni. Temos, porém, de retoca-lo com as protervias e as insidias de Baena. Patroni se expressa com eloquência e cônscio de que se deve à sua argucia o bom êxito da empresa que trazia planejada de Lisbôa. (Eras, 522-23). É a fase inicial do agitador; em alguns lanços já denuncia a doença mental que acabrunha seus últimos dias, Sob a influência de Patroni os patriotas elegem a Junta Provisória de 1821.

Baena, para não perder vasa, criva seus membros de epigramas burlescos. São o ranchinho do novo regime (pag. 518). As aclamações Viva El-Rei Viva a Constituição!» «Vivam as Côrtes!. partem de *uma pinha de homens chamados povos (ibid. 521); um sermão pregado durante o Te-Deum é o panegirico desmedido em expressões liberais nos encômios da Constituição Portuguesa (ibid. 522). Por pouco não investe contra o Camarista, que numa das janelas de Palacio expõe ao povo, reunido cá em baixo, a edigie de D. João VI. Dias depois a estratégia de Patroni é confirmada com a remessa de um Decreto do Rei mandando jurar as bases da Constituição. Todos os sobressaltos se dissipam, os «melancólicos cuidados», como chama Baena. Não esquece agora de culpar os patriotas de egoístas e homens de tumultos, já que os não pode apodar mais de traidores (ibid. 525). Não esquece também Patroni; atribui-lhe a baixeza de esmolar a eleição de Deputados ás Côrtes. A Junta, para se livrar dele, manda-o em comissão cumprimentar o Rei (ibid. 522-23). É nesse caráter que pronuncia o seu famoso discurso em presença de D. João VI.

A Junta Provisória não tem ainda uma ideia exata da evolução separatista. Por ora as Côrtes e a Constituição satisfazem a seu intento; isto se vê numa conjuntura, que Baena, como sempre e enquanto as cousas andam mal, censura acremente. É a prisão dos três irmãos Vasconcellos. Precediam a Patroni, retido ainda em Lisboa por circunstâncias alheias, sem dúvida, a sua vontade. Logo que desembarcam espalham uma circular impressa encimando duas mãos entrelaçadas, uma preta e outra branca, aludindo à concórdia e cooperação das duas raças na propaganda da Independência.

Patroni é também o cabeça, o demagogo desta outra propaganda mais nobre e de resultados mais duradouros. É um filantropo de nimiamente vivo, pouco reflexivo e amante das novidades. Todos estes epítetos lhe irrogam Baena, que não lhe perde um só gesto, nem escurece um só de seus planos. Por um dos artigos de seu projeto de eleição, impresso em folha volante, a um deputado deve corresponder sempre trinta mil habitantes, inclusive os escravos. Esses, mais do que os outros brasileiros, dizia Patroni, precisam do nosso apoio. Numa nota ao discurso proferido na presença do Rei é mais explícito. «Deleware, escreve com entusiasmo, e o rio que banha a bela Provincia aonde o famoso Penn manteve os direitos da humanidade, não consentindo lá escravatura. Ah! quem me dera ser o Penn do Pará! (ibid. 532).

Em Belém essa atitude revolucionária parece ter sido mais forte e seus sentimentos antiescravistas mais intensos. De visita a uma família agradece a um famulo um copo d’agua com este cumprimento, que devia causar horror ao dono da casa: «Obrigado, tu és um ente tão livre como eu! O direito da tirania te tem escravo!» N’um meio como o Pará, terra tão cruel e desumana com os negros (SOUTHEY, História do Brasil, VI, 374), essas ideias abolicionistas fazem seu autor incorrer nas iras dos proprietários. Neste ponto, Baena é, com efeito, um reflexo do ambiente reacionário, que deporta os irmãos Vasconcellos, e enclausura, mais para diante, a Patroni, sob pretexto de perturbar o sossego público e ter sido irreverente com D. João VI. (Eras cit. 530-31-32-44.). Em 1821 a Câmara de Serpa vem realizar na Barra as sessões de 7 a 17 de março. Regressa a 4 de abril e a 22 do mesmo mês recebe o juramento á Constituição Portuguesa, seguido da obediência a El-Rei D. João VI a Junta Geral do Pará. A Junta Provisória do Rio Negro se instala na Barra. A esse ato assiste o Padre André de Souza, autor de um dos livros mais interessantes sobre a história e a geografia do Amazonas. A 1º de julho de 1822 volta a Câmara á Barra e no dia seguinte reúne extraordinariamente na antiga Igreja Matriz para jurar também a Constituição; – os Vereadores nas mãos do Vigário Geral, depois este, e o Governo interino nas da Câmara. Dos membros desta assignam de cruz. As outras autoridades e o povo juram à parte e assinam n’outra acta. No dia 12 vemos a Câmara em sessão plena em Serpa, onde, nesse mesmo ano, o Ouvidor realiza uma audiência geral de Correição.

O Ouvidor declara que vae ouvir a todos nas suas queixas e exigências. A’ pergunta, quem reconhecem por Soberano, os Vereadores respondem logo a Nação Portuguesa e a El-Rei Constitucional o Senhor D. João VI. Na outra pergunta já se dissipa a harmonia de vistas. Desenrolam um rosário de queixas e recriminações. O Paço e a Cadeia, além de acanhados, trazem as paredes em ruinas; o Pelourinho fora retirado da Praça contra o voto de todos. Devia, portanto, voltar para o lugar primitivo. Ha também um teiró entre o Pároco e a Câmara sobre umas casas que os Moradores construíram para a residência do primeiro e que deviam reverter ao domínio comum. O Ouvidor determina que as casas, depois de concluídas, sejam entregues à Câmara e que o Pelou- rinho volte para frente da Igreja.

A segunda parte da audiência é consagrada a Manáos. Um grande incêndio devora a Cadeia e se propaga, com igual intensidade, ás casas dos Moradores. Si se tem em conta quanto a área da Barra deve ser assas limitada, pode se crer, portanto, que os prejuízos não teriam sido diminutos. Em Manáos ha, nessa época, lojas de secos e molhados, tavernas e oficinas de mecânicos e artífices. É o grosso do comércio. Existe um botequim, o ponto obrigado dos patriotas naqueles dias de exaltação política. Dai é que parte o boato esfuziante e triunfal…. Alguns Moradores vivem com certo fausto; nesse- número sobressai Ricardo Zany, genro do ex-Governador Victorio da Costa, muito orgulhoso dos serviços que prestara á Ciência acompanhando Martins nas suas explorações botânicas, e de que o explorador inglês Maw nos fala com muito apreço. De Maw é também a observação curiosa do retraimento da vida doméstica dos antigos manauenses.

A muito custo o Ouvidor consegue da Câmara aplicar os saldos existentes em cofre na reconstrução da Cadeia incendiada. Com maior dificuldade conseguiriam os Moradores restaurar as suas casas.

*Bertino de Miranda (1864-1919). Jornalista e historiador paraense. No final do século XIX para início do século XX participou ativamente da vida social, política e cultural do Amazonas. O livro de sua autoria, que em partes levamos ao conhecimento do nosso público ledor, é um importante e esclarecedor documento sobre a História amazonense.

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