Manaus, 18 de setembro de 2024

A Cidade de Manaus – Sua história e seus motins políticos

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*Bertino de Miranda

VIII

Expedições Militares. Motim em Borba. – Liga ofensiva e defensiva do Baixo e Alto Amazonas. Aquiescência de Gurupá, Monte Alegre, Santarém e Óbidos. – Manáos arbitro da Comarca.

Morto Baptista Campos, seus partidários procuram se aproximar de Felix Malcher. E a única influência que pode assumir a chefia do partido. Seu engenho no Acará torna-se logo um foco de exaltados que precipitam as cousas. Com o primeiro encontro sangrento perdem as ramificações da Capital. Estas, segundo conjectura Raiol, eram João Baptista de Figueiredo Tenreiro Aranha, o futuro Fundador da Provincia, o cientista Corrêa de Lacerda, Marcos Rodrigues Martins, o Barão de Jaguarary e outros. Representavam por si e pelos seus amigos elementos poderosos. Todos eles se haviam tornado beneméritos nas lutas da Independência.

Entrementes, Manáos se apercebe do que se passa lá fora, e vê subir, com rapidez vertiginosa, a onda rubra. Desde a Aclamação abortada de 1832 seus habitantes vivem alarmados com as Expedições Militares. Machado de Oliveira parece que escolhe a dedo o Comandante Militar que faz partir para aqui (1833) com o intento, que depois ele mesmo repudia, de restabelecer por uma vez o sossego público. Tais foram porém as arbitrariedades, que na sua Falla ao Conselho Provincial ele achou necessário incluir está ressalva: Reconheceram aqueles povos que ne- Inhuma autorização teve deste governo o Comandante da expedição que para ali marchou para praticar as violências e arbitrariedades que cometeu. Essa conduta foi altamente reprovada por mim. (Motins Políticos, III, 16.7.) A derrota de Jalles (16 de abril de 1833) produz em Borba um levante dos Muras, dirigido por alguns nativistas sôfregos. A entrada facciosa na Villa custa a vida aos portugueses que ali residiam e afugenta os Moradores pacíficos. Estes conseguem reunir força, retomam a Villa, e fuzilam imediatamente os cabecilhas que tinham aliciado os índios.

Todos estes factos se devem supor avizinhados instalação do Termo. Já nos últimos dias da Presidência de Machado de Oliveira dá-se a fuga inesperada do Comandante Militar, receoso de alguma vindicta. Seu nome é um dos muitos enigmas com que se tropeça a cada passo na História Amazonense dessa época. Parece que se chamava Gaspar Valente Cordeiro; ao chegar a Belém é preso e metido em conselho de guerra. A Câmara insiste com Souza Lobo, o novo Presidente, para não mandar mais nenhum destacamento. Seu proverbial autoritarismo a nada atende, nem mesmo aos votos divergentes no Conselho Provincial. Irá a barca Independência e o Com- mandante Militar novamente nomeado (responde Lobo de Souza) com alguns soldados para reforço do Destacamento, não para hostilizar, como vmcs. receiam, a esses povos, mais sim unicamente para auxiliar a justiça e defender as vidas e propriedades dos cidadãos.

O exaspero que esta resposta causa a todos se reflete na atitude da Câmara. Aberta a sessão extraordinária (17 de Abril de 1834), rompe o debate o Vereador Paula Cavalcante n’um discurso cheio de ameaças, que virtualmente atingem ao Presidente e á pessoa do novo Comandante Militar, Machado da Silva Santiago, cuja demora em Belém significa talvez a dúvida de Lobo de Souza em tornar efetiva, a última hora, a sua promessa. Um outro Vereador pede para que se contemporize ainda e se aguarde notícias mais precisas. E então se agiria melhor. A eloquência de Cavalcante arrasta ruidosamente a maioria. «Seria o mesmo que engordarmos víboras para nos devorar»! exclama ele, n’um repto de retórica. Veem espantar os incautos lavradores que nos socorrem com o sustento; enfim, pereceremos na miséria e na desgraça. É preciso reagir, é preciso resistir sem desfalecimentos! «A resistência só, continua no mesmo tom, é bastante para fazer tremer quantos tiranos há no mundo: ela é na ordem social o mesmo que a inercia na ordem física, por via da qual os corpos resistem a qualquer causa externa que os pretenda deslocar do ponto em que a natureza lhes marcou».

A palavra tirano vinha a ser o meio mais eficaz de armar a popularidade. Era o vocábulo da moda, o cachê, o chic dos oradores e dos doutrinários. Com a verbosidade arrebatadora de Cavalcante, ele deve predispor facilmente os ânimos para uma defesa comum. Como um de seus antecedentes lógicos temos de aceitar a liga ofensiva e defensiva que a Câmara propusera, meses antes, às suas colegas do Baixo Amazonas. Presente, acaso, outros vexames, ou duvidaria das intenções do Governo, e se prepara para não ser surpreendida sem elementos de resistência. Com efeito, não se compreende uma aliança nestas condições, se não há, para isso, motivos sérios, ou cálculos preponderosos. É pelo menos o que as outras Camarás deixam vislumbrar.

Todas aderem à proposta e expressam o seu voto por escrito. «A paz e a tranquilidade públicas são as primeiras e mais invencíveis armas com que devemos debelar os inimigos que invejosos de nossa sorte ousam disseminar intrigas e ódios»; assim se pronuncia a Câmara de Pauxis (Óbidos). A de Monte Alegre é mais sóbria. Limita-se a pedir que lhe aceitem solidaria com o maior cardeal Patriotismo que lhes faculta o nosso Liberal Sistema». Gurupá declara ser mais fácil sepultar-se com as ruinas do Brasil do que deixar ganhar terreno os seus inimigos. Seus habitantes, acrescenta, se congratulam com os manauenses, defensores da Pátria em perigo.

Como Manáos crescera e se fizera forte! Ainda em fins do século XVIII, o Ouvidor Sampayo implorava o auxílio dos Principais de Airão para refazer os seus fogos, abandonados pelos índios, que fugiam á fúria homicida dos Muras e á miséria da terra. A’ volta da Fortaleza arranchavam 220 pessoas (1774), inclusive o Vigário, o Diretor e 10 mulheres maiores de 90 anos (App. ao Diário da Viagem 112, 129, 131). A colheita do cação produzia apenas 521 arrobas, salsa 35 e castanha 25 (ibid. anexos). Materialmente não ombrearia com o período áureo de Almada, que foi um como oásis no meio da anarquia administrativa colonial. Politicamente, porém, alcançava, enfim, a preponderância que de direito lhe pertencia.

Todos se curvam e lhe obedecem. Dos outros Termos chegam os protestos de submissão incondicional. Oferecem, sem ser pedida, uma aprovação prévia a todos os atos da Câmara, que desde ai decide, no interesse geral, sem consultar a nenhuma de suas rivais de outrora. O Presidente da Provincia lhe incumbe fixar o contingente do recrutamento. É ela, portanto, quem distribui pelos outros Termos o número dos recrutas. A ditadura de Manáos toca então o zenith do fastígio. N’uma das sessões da Câmara, um dos Vereadores, com aplauso dos outros e dos espectadores, que se apinhavam nos corredores, indica que se impetre, em nome da Câmara de Barcellos que descura do bem-estar de seu Município, algumas providencias ao Governo da Provincia sobre o lastimável estado em que se vê o Alto Rio Negro! Outro Vereador (Acta de 14 de Janeiro de 1834) propõe que o Termo de Manáos tome a iniciativa de «todo o benefício necessário ao decoro da Comarca, ou de qualquer descoberta de negócios minerais, comunicação de rios e caminhos de utilidade pública (ibid. 17 de Janeiro). Noutra sessão o Presidente faz vir a sua presença um mateiro, que conhece os campos do rio Branco, para informar sobre um projeto de estrada que se pretende abrir com o fim de abastecer de carne verde a Villa e rasgar, mais para o centro, a expansão da agricultura e do comércio (ibid. 19 d. 90).

*Bertino de Miranda (1864-1919). Jornalista e historiador paraense. No final do século XIX para início do século XX participou ativamente da vida social, política e cultural do Amazonas. O livro de sua autoria, que em partes levamos ao conhecimento do nosso público ledor, é um importante e esclarecedor documento sobre a História amazonense.

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