*Bruna Motta
Jorge Benjamin, 56 anos, conseguiu tirar o filho da cadeia, no Rio, depois de provar, sozinho, que ele era inocente.
Eram 6 da tarde, bem no início deste ano, quando três policiais apareceram diante do portão da minha casa perguntando pelo meu filho. Ele não estava. Fiquei assustado e logo pensei: “Deve ter acontecido alguma coisa ruim”. Aí os policiais começaram a me pressionar, querendo saber por que ele havia saído. Respondi que meu filho tem o direito de ir e vir e que provavelmente já estava voltando. O nervosismo era tanto que eu nem conseguia lembrar o telefone dele. Apaguei da memória. Assim que Leonardo chegou, os policiais o pegaram pelo braço e, no quintal mesmo, iniciaram o interrogatório. Pediram que eu me afastasse 5 metros para não ouvir a conversa. Depois, avisaram que o levariam à delegacia. “Mas por quê?”, insisti, e ouvi a seguinte resposta: “Seu filho está envolvido em coisa grande, assassinato”.
Foi só quando pisei na delegacia que comecei a entender o rolo em que Leonardo estava metido. Um dia antes, uma terça-feira, eu vira na TV o caso do menino Matheus, morto a tiros ao tentar proteger a mãe em um assalto aqui em Guaratiba, na Zona Oeste do Rio. Na delegacia, disseram que meu filho era o autor desse crime e que havia um vídeo provando tudo. Minha família inteira estava presente; enquanto pude, não o deixei sozinho um só minuto. Leonardo foi algemado. Sabe a dor de ver um filho algemado? Dói fundo.
Conduziram meu menino para outra delegacia, a de homicídios, e a mãe da vítima o reconheceu, no meio de outros, como o assassino. A pressão da minha mulher foi às alturas, mas eu, mesmo destruído, mantive um objetivo na cabeça: tirar o Leonardo de lá. Ele era inocente. Ele está desempregado, passava o dia em casa, com a mãe. Então começamos a reconstruir seus passos naquele dia em que, segundo diziam, havia cometido o assassinato. Lembramos que Leonardo tinha ido jogar bola com os amigos. Pedimos ajuda ao síndico do condomínio para arranjar as imagens da câmera de segurança do prédio. Queria ver o horário em que meu filho havia saído e chegado.
O vídeo mostra o garoto voltando para casa na mesma hora do assassinato, com uma roupa totalmente diferente daquela de quem cometeu o crime, de acordo com as imagens da loja onde a tragédia aconteceu. É tão inacreditável: esclarecemos o caso nós mesmos, de uma forma tão banal que me pergunto como a polícia não se incomodou em fazer o que nós fizemos. Não vou levantar essa tese do racismo, mas prenderam meu filho porque ele, de pele escura, foi confundido com outro, também de pele escura, por uma mãe aflita que vivia o drama da morte de seu filho. Se não fosse por minha determinação, ele ainda estaria preso, mesmo inocente. Passei uma semana sem dormir, sem comer e sem tirar meu menino da cabeça. O vazio que ele deixou em casa foi se tornando insuportável.
Leonardo contou várias histórias sobre esses dias na prisão. Ele ficou numa cela com quase uma centena de presos. Disse que as pessoas acreditavam na versão dele, algumas deram conselhos – até policiais, veja a loucura. Ele certamente nunca vai apagar da mente a violência que foi essa prisão. A injustiça dói. Mas depois, estando ele já solto, veio o alívio. Tomei meu filho de volta nos braços, num daqueles momentos em que se entende o significado de um amor incondicional. Quando enfim chegamos em casa, meu quintal parecia o Maracanã. Havia mais de 500 pessoas ali, fogos, festa na rua. Amigos perguntam se vou processar o Estado ou a mãe que errou ao acusar meu filho. Não. Não guardo nenhuma mágoa. A mãe do Matheus, que eu conheci, é uma pessoa querida. Nossas famílias passaram por um drama, cada qual à sua maneira, e só posso ter carinho e afeto por todos eles. Estamos nos aproximando e me colocarei sempre à disposição para ajudá-los. Eu ainda posso abraçar meu filho. Ela, infelizmente, não pode mais.
*Jornalista. Depoimento de Jorge Benjamim, matéria na Revista Veja nº 2620, de 06/02/2019.
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